Academia do Papo

                                                                                                                                                                                  Paulo Pires

Prá quem gosta de furdúncio de Elite

Prá quem gosta de lambança [e o povo parece que adora] a minissérie que começa hoje, 04 de janeiro de 2010, na TV Globo é um prato cheio. O registro televisivo da Vênus Platinada traz à tona a vida, as venturas, desventuras e infortúnios de ninguém mais ninguém menos que Dalva de Oliveira e Herivelto Martins. Vou repetir: Se vocês realmente adoram vidas bagunçadas acompanhem a desses dois maravilhosos artistas brasileiros.

A existência humana é marcada por uma série de acontecimentos que ninguém sabe ao certo explicar. Não existe filosofia, psicologia, antropologia, etnologia, etnografia, burrologia, caligrafia nem escatologia capaz de justificar, esclarecer e/ou elucidar o que se passa na cabeça dos seres humanos. O fato é que as pessoas vão vivendo, vão errando, vão aprendendo, desaprendendo e o escambau, mas poucos são os que tem a virtude de manter suas ações sob controle. Ou melhor, a vida não tem controle. E é bom que ela seja assim. Ou pelo menos que o controle não seja algo opressivo, capaz de transformar a existência humana em um mar de sofrimento.

No caso de Dalva de Oliveira os acontecimentos parecem ter-lhe demolido o controle. Não que ela o quisesse, mas quis os mistérios insondáveis da Vida  que o seu companheiro de jornada lhe “aprontasse” uma série de sacanagens transformando os caminhos  da grande Diva em um lodaçal por onde ela danou a escorregar. Lodaçal esse que aos poucos foi se transformando em um lamaçal. O Herivelto depois que se “achou” como uma grande estrela transformou a vida da estrela Dalva em uma fonte de suplício e desconsideração.

 Ele fluminense de Paulo de Frontin e ela paulistana de Rio Claro. Ele nascido em 1912 e ela em 1917. Encontraram-se pelas emissoras de rádio do Rio de Janeiro por volta de 1934 ou 35 e do relacionamento artístico firmou-se o amoroso. Em 1937 nasceu o primeiro filho, Peri Ribeiro. Hoje um exuberante intérprete de nossa música popular. Depois tiveram outro filho. Herivelto cantava com um parceiro [Francisco Sena, que faleceu em 1936].  Com a morte deste, Herivelto encontrou em Nilo Chagas o companheiro ideal para substituir o falecido. Cantavam então Dalva de Oliveira, cujo nome de batismo era Vicentina de Paula Oliveira, e a dupla Branco e Preto. O branco era Herivelto e o preto Nilo Chagas. Em 1938 o famoso locutor César Ladeira em um programa na Rádio Mayrink Veiga deu aos três o nome Trio de Ouro. Naquele momento nascia o maravilhoso Trio de Ouro.

Por volta de 1940 eles, Dalva e Herivelto, foram morar na Urca [bairro lindo, ao pé do Pão de Açúcar]. Apesar da bela casa e da arte que ambos possuíam o ambiente não era nada amistoso. Dalva era uma grande profissional e Herivelto também. Só que o compositor era mais “galinha” do que as raparigas do nosso Magassapo. As nossas meninas aqui eram muito mais ciosas da moral do que o compositor de Ave Maria no Morro. O homem não podia ver uma mulher boa e ficava logo balançando a asa pro lado dela. Isto, inclusive, na presença de Dalva.

 Como se diz aqui em Conquista: “Dalva se retava com a sem vergonhice do companheiro e apelava para o revide á base de pratos, discos, garfos, facas e copos jogados contra o marido Dom Juan”. A vizinhança deles na Urca não acreditava no que assistia. Muitas vezes as brigas saiam de dentro da casa e iam parar na Rua. Era um pega-pra-capar dos diabos.

 Um fato interessantíssimo, depois que o casamento deles acabou [1949] é que o Herivelto produziu uma série de canções sacaneando a ex-mulher. Dalva que não era compositora pedia aos seus amigos compositores para revidar com canções-resposta à altura das canções-sacanagem que o ex-marido lhe dirigia. Foram quase ou mais de dez anos nessa guerra ex-cônjuge-musical. O povo brasileiro acompanhava aquilo com um interesse extraordinário. Em uma dessas músicas [Caminhemos] Herivelto diz nos versos iniciais: “Não, eu não posso lembrar que te amei”. Dalva pediu e Ataulfo Alves fez prá ela uma canção intitulada “Errei sim” cuja letra confessava o seguinte: Errei, sim. Manchei o teu nome. Mas foste tu mesmo o culpado Deixavas-me em casa me trocando pela orgia. Faltando sempre com a tua companhia. Herivelto sentindo-se ofendido com o chifre musical que levou, compôs e revidou com uma música chamada Segredo: “Teu mal é comentar o passado. Ninguém precisa saber o que houve entre nós dois, o peixe é pro fundo das redes, segredo é pra quatro paredes, não deixe que males pequeninos, venham transtornar nossos destinos”. Se a briga músico-chifral era feia por um lado era super interessante por outro. O público vibrava. Foi o ápice da nossa fase musical chamada Dor de Cotovelo.

 A turma do sadismo [e como tem sádico ainda hoje por aí] adorava assistir a pancadaria. De parte a parte. Herivelto, que cheguei a encontrar algumas vezes no centro do Rio de Janeiro, tinha uma “cara de sonso” indisfarçável. Mas era um grande canastrão.  Era o tipo do sujeito que ficava o tempo inteiro buscando a mulher que nunca teve e sempre sonhou. Parecia nada lhe bastar Era realmente um sujeito complicado. Dalva morreu em 1972, Nilo Chagas em 1973 e Herivelto em 1992. Todos nós, apreciadores de boa música, ficamos tristes com as suas partidas, pois deixaram uma respeitável Obra Musical. Foi tanta coisa linda que fica difícil dizer qual delas era a mais bela. Tem uma que me deixa babando: “A Bahia Canta” de Herivelto e Chianca Garcia. Muito linda. Vejam a minissérie e depois me contem. Não vejo televisão, nem vou mais a Cinema. Mas gosto de chuva e gosto de sol e de histórias de amor. Mesmo quando marcadas por desventuras. É isso aí. Cordiais saudações e até a próxima.


2 Respostas para “Academia do Papo”

  1. Elvarlinda Jardim

    Boa noite, Paulo

    Entusiasmada com o seu texto e sua forma de falar sobre o assunto,o que nos leva a participar , involuntariamente, da história. Você, realmente tem o dom de nos prender. Promove uma leitura agradável, prazerosa mesmo.
    A história dessas personagens é fato comum no dia a dia, que, muitas vezes, por estarmos desligados do cotidiano, nem percebemos o quanto isso acontece.
    Há o lado bom da história, que é o fato de das confusões entre os dois surgiu a boa música. Também há lirios no lodo.
    Como a minha vida é toda de “flash”, terei que parar, mas, bem que gostaria de trocar mais palavras na sua Academia do Papo.
    Parabéns por sua ótima narrativa e pela leveza como a discorre.
    Um abraço!

    Elvarlinda Jardim (Elva)
    ar

  2. PAULO PIRES

    Obrigado minha cara Euvarlinda

    Além de seua generosidade, você é Jardim.

    Aquele Jardim, de Belo Campo, irmã de outro Jardim, o Massinha, meu amigo de infância e querido irmão também

    Saudações para todos os jardins.

    Paulo Pires

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