Por Junior Patente, O Piquete
Em todo o mundo, a trajédia que se abateu sobre o Haiti tem despertado as mais diversas formas de solidariedade. Para falar sobre esse sentimento que move a sociedade a ajudar as pessoas vítimas da catástrofe, nós conversamos com o Professor Doutor José Raimundo Fontes, do Departamento de História da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia.
Sempre que acontece um fato trágico em um determinado ponto do planeta, imediatamente há uma reação internacional em campanhas de solidariedade. O que move esse sentimento em sua opinião?
Em primeiro lugar acho que poderíamos examinar uma dualidade. Eu diria que a sociedade como um todo é boa, ela tem um sentimento de solidariedade e fraternidade, há humanismo latente em todas as pessoas mas a forma como a sociedade se organiza leva a uma disputa e um individualismo no dia a dia. Por isso, somente nesses momentos, nas grandes tragédias é que o povo consegue mostrar esse outro lado dele. É a cultura contemporânea que impede as pessoas de no seu cotidiano, serem generosas. É essa contradição que a gente vive: o ser humano é bom mas a sociedade o embrutece. Essa situação do Haiti mostra isso com clareza e revela a existência da solidariedade. Lá estava a presença emocionante dos brasileiros, através do Exército, de figuras como a Dra. Zilda Arns e tantos outros.
Em condições normais, muitas vezes as pessoas acham que não dá para ajudar quem está longe, porque diante de uma tragédia essa ajuda acontece sem que as distâncias sejam empecilhos?
Acho que talvez a psiquiatria social revele isso. O evento mostra a fragilidade do dia a dia. É como se as pessoas enxergassem naquele evento a sua própria transitoriedade e como nesse caso a mídia concentra as informações e mobiliza a atenção das pessoas, estas acabam fluindo normalmente e deixam brotar o sentimento de solidariedade. É claro que em diversos países e no Brasil nós contatamos a existência de milhares de pessoas e organizações de ativistas e militantes que são solidários. Muitas nações são lideradas por pessoas que constantemente manifestam o seu humanismo doando-se nestes trabalhos, como por exemplo, nas pastorais da Igreja, nos partidos políticos de esquerda e democráticos, nos sindicatos, nos clubes de serviços, e isso acontece de maneira racionalizada, não é emotiva com no caso do Haiti. É como se revelasse um consciente coletivo que nós temos. É como se despertasse a nossa atenção para ser solidário porque cada um de nós pode estar sujeito a uma intempérie.
O senhor acredita que esse tipo de campanha pode provocar um sentimento de mudança e essa solidariedade momentânea venha a se tornar um desejo de lutar para que todos sejam tratados com igualdade?
Acho que isso estimula, mas acho que o grande obstáculo que estamos vivendo para uma consciência planetária ainda está no modo de vida, onde impera o individualismo, da possessividade que o capitalismo criou a partir dos séculos XVI e XVII, que explode no Século XIX. Acredito que, se nós, a partir dessas experiências reconhecermos, propagarmos e construirmos um entendimento de que o homem não pode tudo e que precisa construir um projeto de sociedade em cima de valores permanentes (e o capitalismo não permite isso) poderemos viver numa civilização mais solidária, fraterna e que dê condições de vida dignas às pessoas, não buscando ajudar apenas diante de trajédias.
Qual a importância da participação de entidades de classe nestas campanhas de solidariedade?
Fundamental. Eu pessoalmente sempre que posso, colaboro anonimamente e acho que isso deve acontecer. Acho fundamental que nesse momento o Sindicato mostre a sua força simbólica, porque é o que podemos fazer nesse momentos, com sua ética, com sua moral, congregando a sociedade e digo que pode contar comigo para ajudar ao povo haitiano e que na verdade deveríamos ter comitês permanentes para que a sociedade se fortalecesse nesse tipo de ação, não só em relação ao Haiti, mas em relação à África, às nossas periferias, ao homem do campo, aos idosos a questão da segurança pública. É aí que ao meu ver pode nascer uma nova sociabilidade, novas instituições sociais para podermos desfazer essa prática do individualismo burguês capitalista que a sociedade moderna vem impondo a todas as culturas a partir do século XVIII. É preciso que tenhamos esse tipo de ação no sindicato, agregando mais entidades, porque o que vale na vida é o ser humano ser feliz e onde houver o sofrimento nós devemos estar com os nossos corações, os nossos sentimentos, ajudando o povo mais carente e mais necessitado.
Uma Resposta para ““O ser humano é bom mas a sociedade o embrutece””
jdean
Texto interessante.Falando de um dos expoentes mundiais de humanismo – Zilda Arns.De fato, o mundo não é feito de Zildas.Mas, de quantas Zildas, o mundo necessita urgentemente?