Por Marco Antônio Jardim
Onde a carne nada vale. Tradução atualizada e literal do Carnaval. Tem aquela história cristã das festas regidas pelo calendário lunar, mas o fato é que ninguém olha pra lá. O mundo olha pra Nice, New Orleans, Veneza, Toronto, Berlim, Rio, Recife ou Salvador. Seja onde for, bocas, peitos, coxas, bundas e paus. Cada vez menos o olhar sente músculos involuntários. Um artigo na internet até perguntou se ainda existe amor de Carnaval. Na quarta das cinzas, o que rima com o mardi gras é sexo casual. Mas, no deserto de Vitória da Conquista, talvez exista sim. Hoje, em plena sexta, por exemplo, passar pela Olívia Flores ao meio dia, outrora na disputa pra ser avenida fora de época, é ver tufos no asfalto, quase o Arizona. É neste lugar que lembro que deserto significa abandono. Se a significância for renúncia, é neste bloco que eu desfilo. E ainda determino o dia da roupa de baixo, sem mídia de impacto e sob efeito de pílulas. Anderson pode até publicar, desde que assine meu nome com as primeiras letras garrafais. O Carnaval, para mim, tem sido fado. Seja pela história da doce lichia ou por outras fotografias, é o que danço. Sabe “Eva” ao estilo Rádio Taxi? “Meu amor, olha só…hoje o sol não apareceu”. É assim. Exatamente agora estou olhando pela fresta da janela e o céu está nublado. Pra completar, estou vestido de preto. Não sou pop no Carnaval? Vejamos: não tenho clipe no Youtube, não estou no BBB, não uso Twitter e não sou amigo de Madonna, Alicia e Beyoncé. Quiçá de Mercy e Lola. Madonna paga de carioca no Circo Voador; Alicia grava clipe na favela (Michael devia ter pensado nisso!); e Beyoncé grita: “Say my name!”. Mas meu palco fica embaixo do chuveiro, minha bermuda é da Riachuelo e já não tenho empatia com o público juvenil. Se eu contar meu ritual para o cabelo, vale um ponto no Quiz Show? Primeiro um shampoo da Vital Cap, SOS Coloração; depois um condicionador Niely Gold; uma hidratação iluminada com filtro solar pós-enxague; por fim, uma pomada da Wella, Massive Wonder Wax, que ganhei de uma amiga islandesa. Não convenci? Então enterro um chapéu, ponho óculos escuros e compro um ovomaltine pra parecer café expresso da Starbucks. Se a Katie Grand (ex-Pop) quiser, posso levar meu currículo pra sair nu na capa da Love, sem tarjas. E até o fim do ano devo fazer como Kate Moss e montar uma expo com as principais fotos da minha longa e badalada trajetória. Quando me entrevistarem, vou responder como Dree Hemingway e afirmar que a história do meu tio é mais deprimida que a minha. E se você me ver na rua, pedir autógrafo e eu estiver de cabeça baixa, pode saber que é labirintite. Vou fazer carão, vou ser it-boy, l’enfant terrible, junkie, mostrar a cueca quando sair do carro, mas não quero morrer como Alexander McQueen: contestador, iconoclasta, gênio e…suicida. Nem como Liza Minelli no comercial da Snickers. Nem envelhecer como Xuxa e Mara Maravilha. Pop? Não. Mas sou da festa popular. Não estou no universo das big stars, mas tenho encantadores amigos, como Luc., Milly e Barbarella. Pinho, se quiser, também pode sentar com a gente. Não tenho um ipad, mas é tão mais romântico depender do papel. Não tenho um AP como o de Cecye, mas pago a conta de luz das minhas memórias. Minha contribuição, portanto, é mais que a manteiga do mês. Não faço a ponte aérea, mas tenho tempo de sobra. Estou numa cidade deserta, mas aqui não chove tanto quanto em São Paulo. Sem ambições de trio elétrico, mas sonhei com Pati e Bruna. Eu sonho, portanto. Sim, tenho uma respiração cansada, uma queda pelo cinema obsceno, o vício do cigarro (“Só os trogloditas ainda fumam”, disse Heleusa Câmara) e vou assistir o Gala Gay na casa de Tam. Mas minha vida é uma escola de samba campeã. Onde mais encontraria uma louca que pergunta qual é, de fato, minha viagem, senão aqui, exatamente onde estou? Pode até ser que eu calce uma Lady GaGa e cresça como Mallu Magalhães, no entanto, sou deliciosamente real. E dizer que meu coração tem a idade daquilo que amo não me soa nada mal. Afinal, é Carnaval.