Por Ezequiel Sena
Determinadas épocas notabilizam-se pelas atitudes revolucionárias dos seus jovens, são, portanto, períodos de mudanças que vem influenciando por décadas as novas gerações. Nunca é demais lembrar os anos 60, 70 e começo de 80 – mesmo contrapondo alguns estudiosos que garantem que a história humana nunca se escreveu em décadas e sim em séculos –, tenho cá minhas dúvidas, até porque foram anos de visíveis transformações e que merecem ser lembrados, não só pela quebra de conceitos e rebeldias, mas, principalmente, pela liberdade sexual das mulheres com o advento da pílula anticoncepcional, levando a romper paradigmas, modelar padrões e fazer o mundo enxergar valores jamais vistos. Sob o ponto de vista político foram eles ainda mais questionadores e inovadores em busca da liberdade de pensamento. Fatos incontestáveis. Tentar desmerecer isso é inadmissível; embora entenda que existe muito folclore a respeito, como um maldoso comentário feito dia desses na TV: – totalmente inconsistente e leviano –, notei mais desinformação do que conhecimento da história recente do nosso país, já que o mito e a realidade caminham juntos. Contudo, sem nenhum exagero, o que mais me impressiona é o ideal defendido por aquela geração perpetuando em nossas mentes até os dias de hoje.
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Confesso que, de maneira ingênua, já cheguei a me influenciar por falsos mitos, porém existe um pelo qual sempre me reservo à imunidade – àquela pregação de que a adolescência é a fase da rebeldia à flor da pele, da busca da independência e da liberdade a qualquer preço –, sinceramente não acredito nisso, nem mesmo pelo impulso da pouca idade. Pelo contrário, desde cedo sempre me preocupei com o comportamento dos meus colegas, quando um mais afoito fugia à conduta, o próprio grupo não o via mais como antes. Reação inevitável da turma. Ainda assim, reconheço que nem tudo eram flores. De sorte que a maturidade aos poucos leva-nos a compreender e ter consciência de que o tempo é verdadeiramente o senhor da razão. Toda idade tem seus valores, suas crenças, fases de flores e de espinhos, no entanto é natural a transformação desses conceitos ao longo da nossa existência e a sabedoria do tempo se encarrega disso: família, amigos, amores e exultações, passionais até, limitações, tristezas e alegrias.
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Atualmente não me surpreendo mais vendo o ingresso do mundo juvenil, disparando a velocidade da máquina com todos os desvarios humanos, cujos objetivos não são as qualidades pessoais; mas, sobretudo, a fuga desenfreada pelo caminho da individualidade nociva, traços perceptíveis na busca desenfreada pela “felicidade” fácil, destituída inclusive de princípios e valores básicos de família. É compreensível também dizer que dos amigos de infância se obtém o experimento do confronto de liderança; ao agir de maneira diferente torna-se motivo de humilhação e desonra. Prevalece o poder do mais forte, do mais arrogante impondo sobre a fragilidade do outro a sua capacidade de dominar. E para não ser achincalhado, submete-se a cômoda prova do menor esforço que não lhe exige coragem e sim flexibilidade, condescendência e aceitação dos caprichos e valentia dos demais. Nesse sentido Nelson Rodrigues desfecha: “Nada nos humilha mais do que a coragem alheia”.
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Agora, com o avanço da tecnologia ficam muito mais fácil, os acontecimentos ocorridos no passado estão sendo resgatados e bem melhor analisados, se não interpretados. Os episódios que marcaram e marcam épocas da nossa história ficarão devidamente gravados e arquivados. Amanhã se porventura alguém tentar desmentir e/ou contestar, não haverá problemas, afinal, a história é inquestionável, acontecimentos vistos e vividos. Ainda assim, fatos reais podem ser distorcidos, e mentiras podem até se tornar verdades – como estão pretendendo passar. No entanto, precipitar conclusões de um período sob a ótica saudosista romântica de que tudo nas décadas passadas eram infinitamente melhor do que agora, ou afirmar de maneira categórica que tudo de outras épocas foi superado é como se fosse interceder a favor da animosidade e do preconceito.
2 Respostas para “O mito e a realidade”
Mario
Cada geração teve seu valor historico, mas aquela de 60 fez a diferença. Muito boa cronica.
Alan
Ezequiel sempre nos leva a refletir sobre valores e condutas, mais uma vez uma ótima crônica.