Academia do Papo

Paulo Pires

Os meninos da Rua Paulo

Acabo de ler no Blog de Anderson que o Teatro Carlos Jeovah vai exibir a partir da semana que vem uma seqüência de filmes de faroeste, ou como dizíamos antigamente: “Um montão de filmes de coboy”. Não sei se terei tempo ou paciência, mas vou me esforçar para assistir a alguns.

O tempo passou e as diligências também. O Cine Conquista fechou o mesmo ocorrendo com o Glória, Madrigal, Eldorado e Trianon. O Ritz nem se fala. No início dos anos 70, Conquista possuía cinco ou seis cinemas. Por incrível que pareça, hoje só temos uma sala de exibição na UESB (Janela Indiscreta) e mais duas no Shopping Conquista Sul. Todos os nossos velhos cinemas foram para o espaço. Não podemos deixar de lembrar que cada um deles funcionava com linhas e produções temáticas diferentes. O Glória, por exemplo, exibia muitos caubóis açucarados, principalmente interpretados por um ator americano, de baixa estatura, cara de chorão que aparecia nos filmes cheio de roupas apertadas chamado Audie Murphy. O Glória também era “chegado” a exibição de filmes – ou películas, como dizem os mexicanos – da Pelmex. A maior sensação dos astecas para nós, meninos de Conquista, era um lutador mascarado chamado Santo e seu genial conterrâneo Mário Moreno, mais conhecido mundo a fora como Cantinflas.  Este simpático humorista juntamente com o lutador mascarado eram verdadeiramente falando, nossos grandes ídolos. Como dizia Lilico: Tempo bom! Lembro daqueles filmes e daquela época com uma nostalgia lírica quase poética.

            Os meninos mais freqüentes aos nossos cinemas eram Zezé e Chiquinho de doutor Altamirando. Bira Bigode, Franz Borba e para completar o time dos endiabrados, um baixinho invocado recém chegado de Belo Campo chamado Pedro Massinha. Eu, claro, também não era sopa. Para ser exato com a História, cada bairro ou região de Conquista possuía sua “tribo”. Todas com elevados sentimentos morais (Deus tá vendo!). Ninguém saia ou ia para as ruas fazer bagunça. Tudo reinava na mais perfeita paz e o máximo dos nossos erros era inventar estórias sobre os namoricos desses meninos “atentados” com as suas ingênuas namoradinhas.

            Os cinemas eram temáticos. Talvez o menos freqüentado fosse o Ritz. Aqueles filmes do Ritz eram insuportáveis para as nossas cabeças. Filmes do neo-realismo italiano, filmes da nouvelle vague francesa, filmes do cinema novo brasileiro. Tudo um porre. O que gostávamos mesmo era filmes de cowboy, de espada, de aventuras e de guerras. Houve uma época em que o Ritz danou a apresentar filmes de terror. A partir dessa época não entrei mais nele. Filmes de terror, tô fora!

            O que nos atraía era os grandes filmes de faroeste. Buck Jones, Tom Mix, Apolônio Cassidy, John Wayne, Randolph Scott, Allan Ladd, Yul Brinner e Gary Cooper dentre outros, eram os grandes heróis da sociedade branca, civilizada.  Depois, claro, igualmente aclamados chegaram Paul Newman, Kirk Douglas, Clint Eastwood, Kevin Costner etc. etc., mas nós, daquela geração, já havíamos definido nosso espaço heróico. A gente aplaudia os safados matando os índios, com a maior satisfação. Aqueles velhos cowboys eram insuperáveis. Bandidos mascarados a cavalo correndo atrás de trens, índios arrodeando e preparando ataques a acampamentos de colonos desbravadores no velho oeste, carruagens em disparada, diligências da Wells Fargo levando malotes de correspondências e dinheiro de Kansas City para Tombstone, também atacadas por mascarados espalhafatosos compunham o cenário de nossas ilusões sobre o mundo.

            Os meninos de Conquista, como sempre, endiabrados. Zé Lopes o vetusto guardião da ordem e da moral no Cine Conquista-Riviera e depois no Madrigal ficava atento. Ao menor sinal de sacanagem: Rua! Quando alguém começava a bolinar a namorada de forma mais ostensiva (provocando gritinhos na gata) Zé aparecia com sua roupa preta, seu semblante cerrado e uma lanterna super hábil. Parecia adivinhar com precisão milimétrica a mão do “tarado”. O casal era advertido com uma espécie de cartão amarelo e um alerta para a possibilidade de colocá-los para fora, caso a coisa se repetisse. E os filmes? Bem, os filmes… Isto era o que menos importava. Quem ia aos cinemas para ver filme? Só quando fosse sem alguém. Acompanhado não dava. Se Ferenc Molnár, o grande escritor húngaro autor de Os meninos da Rua Paulo, tivesse passado por aqui, certamente colheria bom material para rechear mais ainda sua bela obra. Tal qual ocorreu com o terreno no livro do grande húngaro, nossos cinemas desapareceram. Em seus lugares estão o vazio, igrejas pentecostais, escritórios de advocacia e lojas comerciais. Não há mais espaço aqueles filmes.  Zezé, filho de doutor Altamirando morreu. Mas graças a Deus, Bira, Massinha, Franz, Borba, Chiquinho e eu estamos vivos para contar a história. Viva o Povo Brasileiro. É isso aí…


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