Fábio Sena
Tenho uma amiga que tem verdadeira revolta com a situação da mulher na sociedade, ao mesmo tempo nutre uma ira sem fim para com os homens, por seu machismo, seu patriarcalismo. Enfim, ela não admite que a história ainda não tenha criado as condições para dar a devida equiparação a homens e mulheres.
Ela é uma das mulheres mais cultas e inteligentes que conheço. Por opção, mora no subúrbio de Vitória da Conquista. Outro dia, me ligou para dizer que estava indignada com o que acabara de ler em um blog (e eu não recomendo a ninguém a companhia de Ana Lúcia quando revoltada). Ela me contou que Luislinda Valois, primeira juíza negra do Brasil, havia sido tratada de forma desrespeitosa por um site que, em uma legenda, tratava-a por camareira.
Sei que não será preciso dizer que muitos se indagaram: “E em que consiste o crime? Onde o desrespeito?”.
O sociólogo Darci Ribeiro – que dedicou a vida à interpretação do Brasil –disse em um de seus Ensaios Insólitos que o negro não é inferior, mas que foi inferiorizado na sociedade brasileira – pelos mesmos meios através dos quais a elite dá manutenção ao silencioso projeto de apartheid social e racial. Para assegurar uma vaga no mercado de trabalho, afirmava Darci, o negro deve ser, no mínimo, cinco vezes melhor que seu concorrente branco. Caso contrário, perderá o emprego pelo mero critério da cor.
Assim, foi difícil ao jornalista que redigiu a legenda supor que aquela mulher negra teria cursado uma faculdade, feito um concurso e se tornado juíza. Mais fácil foi atribuir-lhe uma condição que a sociedade brasileira entende como de menor status social: camareira. Era menor o risco de erro, afinal, todas as estatísticas mostram que espaços na sociedade ocupam as mulheres negras.
Foi uma agressão, sim – e de caráter racista – o que indignou minha amiga Ana Lúcia. Ela sabia todo o volume de informações que estava por trás daquela legenda, aparentemente ingênua. Ana Lúcia sabe que a televisão e a mídia brasileira fizeram do branco o símbolo da prosperidade, do sucesso e da beleza.
Ana Lúcia indignou-se porque só quem vive na pele o cotidiano da discriminação sabe a sutileza com que o racismo se manifesta. No Brasil, dificilmente, o racismo grita. Ele é silencioso, às vezes ingênuo. Por isso, há quem diga que, por aqui, o racismo é um crime perfeito.