Direto da Praça

Sobre falar merda

Paulo Pires

Romário, um dos nossos grandes centroavantes, disse recentemente estar fugindo de entrevistas “porque vinha falando muita merda”. Sinceramente, gostei da autocrítica do “baixinho”. Raras são as pessoas que confessam e reconhecem que suas opiniões na maioria das vezes não devam ser levadas em conta. O que se observa é justamente o contrário. Muitas pessoas apostam e permanecem convencidas de que suas afirmações são importantes, sentenciosas, justas, reais e verdadeiras. Coitados!  Tenho compaixão [e em alguns casos admiração] por essas pobres criaturas. As que se consideram detentoras da verdade possuem duas características curiosas: Ou são plenamente ignorantes ou são ignorantes plenas.

            É certo que poucos se convencem em tempo hábil de sua ignorância. Sócrates foi um desses (e eu estou no mesmo caminho). Millôr Fernandes disse que quanto mais lê fica burro. Para não deixar seus leitores perplexos, explicou: “Só entendo 20% do que leio, portanto quando termino uma leitura fico 80% mais burro”.  Mas tem gente por aí que “se acha”. Para esses, sugere-se entrar em uma grande Biblioteca. Quem já fez isso (e tem autocrítica) rapidamente chegou à conclusão que não passa de um ignorante.  John dos Passos, um dos grandes da literatura norte americana, disse numa entrevista para a Revista de Paris que uma opinião que emitira há tempos sobre determinado assunto (não lembro qual) deveria ser encarada como a declaração impensada de um jovem ignorante recém-saído de Harvard. Isso aí. Gosto de gente desse calibre. Mesmo saindo de Harvard o sujeito reconhecer que continuava ignorante é muito positivo. Entendo que a regra geral é  o ser humano aprendendo alguns truques para sua sobrevivência e mais algumas coisinhas como complemento. O resto é delírio. Há mais coisas no mundo do que possa imaginar nossa vã filosofia. E como há.

            O professor Harry G. Frankfurt da Universidade de Princeton (seguramente uma das 10 melhores do Mundo) escreveu um livrinho curioso cuja tradução no Brasil recebeu o título de Sobre Falar Merda (Editora Intrínseca). O título, convenhamos, não é dos mais distintos considerando que o substantivo utilizado [merda] nos remete a uma idéia ou material pouco referenciado e mais ainda: sempre evitado. Interessante é que este substantivo acaba sofrendo uma metamorfose lingüística e se transforma praticamente em um adjetivo. Incrível, não?. Quando uma pessoa quer dizer que alguém “está falando merda” está declarando que a opinião do outro é totalmente desprovida de conteúdo para merecer respeito e receptividade.

             O livro do Professor Harry, como não poderia deixar de ser, é uma bela viagem sobre nossa natural vocação para falar besteira. Logo no início ele diz: “Um dos traços mais notáveis de nossa cultura é que se fale tanta merda. Todos sabem disso. Cada um de nós contribui com sua parte. Mas tendemos a não perceber essa situação”. No segundo parágrafo continua: “… não temos uma idéia do que é falar merda, da razão para que se fale tanta ou para que serve. E nos falta também uma avaliação conscienciosa do que isso significa para nós. Em outras palavras não dispomos de uma teoria”.  Acho que seria interessante uma teoria sobre “falar merda”. Creio que se os psicólogos ou sociólogos e antropólogos não o fizerem, pelo menos os humoristas terão disposição para esse fim. O saboroso no livro (o livro não fala de merda, mas sim de quem “fala merda”) por isso é saboroso, é que o leitor não mergulhar no universo merdivoro ou coprofágico que o título sugere. Faz uma bela viagem e cita até um pequeno terceto de um poema de Ezra Pound (página 47) onde o grande poeta americano pede ao personagem [Snag] para não falar merda. Leiam o livro e continuem falando merda, Faz parte da natureza humana.  É isso aí…


5 Respostas para “Direto da Praça”

  1. Yende

    Meu caro professor admiro-o como intelectual e delicio-me com os seus bem escritos textos mas, ultimamente, a exemplo de Romario, o senhor andou exagerando na defesa do PT e isso o afastou dos seu leitores…eu mesmo andei ressabiado. Auto-crítica pode ser bom. Axé!

  2. Eng.W. Anúnciação

    A “auto-critíca” – Deveria começar sempre na primeira pessoa do singular.Mas,tem alguns,que preferem utilizar-se de espelhos,tentando transformá-lo em escudo!.Um escudo prateado,pode servir como espelho,nem sempre como escudo. Dependendo do ataque!.Por outro lado,quem expressa utilizando-se da palavra MERDA!.Não possuem(ou se possuem,já os abandonaram),ARGUMENTOS INTELIGÌVEIS,além dos excrementos!.Muito embora,sejam biológicamente necessários.Porém, intelectualmente, dispensáveis!.

  3. Laura

    O senhor está urgentemente precisando fazer essa reflexão,pois seus pontos de vista são verdadeiros excrementos……

  4. Alex

    “Nunca na história deste país…”Muitos seguiram e continuam no caminho do líder maior da nação brasileira!.Até parte dos seus discursos, de suas célebres frases e palavras,são repetidas!.O merda, a merda é de longe a préferida.VIVA O BRASIL!.Dilma 2010!.

  5. PAULO PIRES

    Eu concordo com a opinião de todos. Mas como sou um cara totalmente indiferente aos modelos (ou à moda) emito minhas opiniões sempre baseadas naquilo que acredito. O Professor de Princeton é um professor laureado por aquela prestigiosa Instituição e portanto, merecedor de todo o respeito. É bom dizer, mais uma vez, que a maioria das opiniões das pessoas, principalmente os puritanos, representa na realidade muita merda. As pessoas que entendem isso como palavrão são as mesmas que não entendem a realidade. Tudo para elas é feio, imoral, engorda. Não sabem avaliar quanto são responsáveis pelo tempo Histórico em que vivem. Mas não há de ser nada. Basta, como dizia o velho Capistrano, tomar vergonha na cara. Autocrítica urgente. Não posso ir a Psiquiatras porque minhas paranóias são bem resolvidas. Sou feio, baixinho, moro longe, não tenho nada, devo pouco e o que sobra deixo para os Pobres (foi mais ou menos isso que falou um cara que não era merda: François Rabelais).
    Deus há de tomar conta do Brasil e dos brasileiros que pensam que a sem vergonhice neste País começou em 2003. Ó Senhor tende piedade de nós e alumiai a cabeça desses que acreditam naquelas bandeiras desfraldas pela nossa Direita cheia de gel no cabelo, gravata italiana e sapatos de verniz. Por fora estão sempre limpos…Por dentro, porém….Quanto aos pensamentos cheios de excrementos, admito que quando recebo reprimendas dessa natureza é porque a pessoa remetente está mergulhada em sua piscina cheia de ratos e merece piedade. Obrigado pelas leitura e críticas. Devemos continuar assim: Sempre falando, mesmo que seja merda…

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