Paulo Pires
Paris, 14 de julho de 1789. Aconteceu aquilo que os historiadores de então pareciam não prever: A queda da Bastilha. Há exatos 221 anos os cidadãos da capital francesa saíram às ruas da cidade, num gesto meio inesperado e desorganizado, porque tinham como referência apenas um alarido feito por um jornalista briguento [Camille Desmoullins] para tomar na raça ou na marra o que houvesse na grande fortaleza [Bastilha]. Nessa construção, edificada por Carlos V [salvo o engano] o Rei Luiz XVI guardava munições (balas de canhões, mosquetões, etc.) mantimentos, prisioneiros dissidentes e aqueles contumazes contribuintes inadimplentes que se negavam atender à carga tributária da Corte.
Os historiadores mais exigentes advertem que não foi só assim. Claro que não. Mas o jornalista foi o primeiro “cara” a dar o pontapé inicial na pelota cujo jogo começou a mudar substancialmente os rumos da sociedade francesa e de todo o ocidente. Pela primeira vez um povo pôde sentir sua força. Até então as massas eram iguais a cachimbos: só levavam tombo.
A Bastilha era uma espécie de advertência, uma sombra da monarquia sobre o Povo e tinha a vetusta finalidade de se impor como um monumento à moralidade. O cabôco que não seguisse as normas régias, já sabia o destino. Quando alguém distraidamente pensava na possibilidade de cair em um dos famosos calabouços da temida fortaleza rezava cinquenta Pai Nosso, vinte Aves Maria e procurava imediatamente apagar da mente o infortúnio e a desgraça que seria estar naquele inferno. Como diriam os cariocas: o povo francês tinha o “maior cagaço” daquele lugar. E tinha mesmo. Dizem os historiadores que quem entrava lá não saia mais. Só morto.
Thomas Jefferson, um dos monumentos da grande nação americana, era embaixador dos EUA na França. Depois do episódio [a queda da Bastilha] os parlamentares franceses procuraram-no e pediram seus aconselhamentos com vistas a elaboração de uma nova Carta Constitucional. Eles queriam que os tópicos da nova constituição francesa contivessem filosoficamente as mesmas diretrizes que nortearam a elaboração da Carta da Pensilvânia [1776], da qual Jefferson fora um dos mais importantes subscritores. O americano fez o que pôde e parece ter agradado. Mirabeau coligiu os tópicos e em 17 artigos (imagine aí, 17 artigos) enviou para sanção a Nova Constituição cujo trístico traz até hoje na bandeira de França: Egalité, Fraternité e Liberté, ou seja: Igualdade, fraternidade e liberdade. Bonito trístico. Não apenas bonito, mas desejado, sonhado pela maioria dos cidadãos.
E o Brasil, hein? Ah, o nosso trístico não existe. Mas temos um dístico: Ordem e Progresso. A expressão Ordem passeia distante do nosso quotidiano A outra [Progresso] dá impressão de que aos poucos se aproxima. Voltando à primeira, diríamos que a questão da Ordem no Brasil é tão grave que o ex-presidente Fernando Henrique após um dia extenuante e indignado com as sacanagens que lhe faziam, não agüentou e gritou: “Este País é ingovernável!”. Juro que fiquei com pena do simpático sociólogo. Nosso País é uma colcha de retalhos legiferante. Deixa todo mundo perplexo. Convém afirmar, todavia, que o resto do mundo não é diferente. É válido até repetir o chanceler Bismark: “As Leis? Ah, as leis são iguais às lingüiças. Não queira ver como são feitas”. Mas as [leis] brasileiras parecem ter o condão de disseminar a vigaristagem, a sem vergonhice e a enrolação. Vejam os atrasos nos tribunais, as frustrações e as injustiças. É uma barbaridade. Para encerrar diria que, como os franceses têm uma fonética com acentuação larga nos oxítonos, se a nossa bandeira tivesse um trístico este deveria imitá-los grotescamente e, com o rigor do nosso dialeto tabaréu, tapiocano, escreveríamos em nossa bandeira o seguinte: Roubariê, Sacaniê e libertê. Roubalheira, sacanagem e liberdade. Enfatizando que a Liberdade é a mais importante das três expressões. Liberdade para deixar todos á vontade. Todos roubando e pintando o sete.