Meu retrato na parede

Por Edvaldo Paulo de Araújo

Na minha região, aqui no sertão baiano, tínhamos o costume de quando uma mãe recém parida se encontrava em dificuldade para amamentar o seu recém-nascido, buscava alguém da sua intimidade para amamentar o pequeno rebento. A partir deste ato o pequeno assumia e era educado para isso, algumas obrigações com a sua amamentadora e uma delas era o dever divino e sagrado de tratá-la e chama-la de “mãe”. Na minha infância, na nossa fazenda em Veredinha, onde fui criado, tinha sempre que selar o cavalo e deslocar para lugares, mesmo longínquos, em determinado dias santos, só para pedir a benção aos meus padrinhos e a minha amada “mãe Fia”. Quando lá chegava encontrava alem do abraço, da sagrada benção, o bolo mais gostoso e sempre, o singelo presente.

Há alguns dias encontrei Dilson, amigo de a infância, colega de escola, que na sua adolescência sempre cercado de belas garotas, fora um momento de muita alegria e aprendizado. Narrava-me na ocasião o seu modo de vida, morava na fazenda, sem luz elétrica por opção, cultivava costumes de há muito esquecido por mim e gestos que ao revivê-los em pensamentos tocaram o meu coração.  Naquele momento resolvi retomar algumas coisas perdidas em minha vida.

Neste belo domingo de sol, acordei peguei meu carro pegeuot conversível, que a muito não ligava e rumei para fazenda “lagoa verde”, onde nasci. Sentindo o vento em minha face a potencia do motor e o desejo de rever algumas pessoas que a muitos e muitos anos não via. Quando cheguei à fazenda, a beira da 116, parei no local de minha antiga casa, que só restava os pés de manga no local,  lá no alto a antiga casa de “mãe fia”, hoje habitada por outras pessoas. Resolvi não voltar, partir para a cidade de Candido Sales a fim de localizá-la. Quando lá cheguei não sabia onde procura-la, parei o carro junto à feira e comecei a dar alguns telefonemas, depois de algum tempo, obtive a informação do endereço da sua moradia. Na praça da matriz, perguntei a uma senhora pelo endereço e ela me perguntou a quem procurava e disse que era pela “Sra. Fia de José Paulino”, ao que me respondeu imediatamente que era sua querida amiga mas tinha falecido no dia 17 de dezembro próximo passado e logo depois me indica a casa.

Parei junto a uma casa humilde, estava com suas janelas abertas para a rua que é um costume dos pequenos lugares no interior, desci e olhei por uma janela e só vi uma TV ligada, fui para a porta chamar, passei por outra janela e parei quando vi umas fotografias na parede,  uma maior de um rapaz fardado do exercito e outras menores em tenra idade, quando observei melhor pude identificar a pessoa daquelas fotos…… era EU. Naquele momento a emoção tomou conta de mim, minha cabeça foi alem,fiquei perdido que não ouvi uma senhora a me dar boa tarde e com a voz engasgada disse apenas “eu te conheço”!Quem é você disse ela, o que respondi meio tonto e emocionado,”Dio de Nede”.Meu Deus! Ela exclamou, chamando a todos, que lá estava, após me abraçar. Foi um momento inesquecível, de muita emoção, esclarecimentos, alguns fatos desconhecidos por mim, mais do que nunca, apesar de ter tantos filhos, netos, bisnetos e ao partir desta vida terrena com 82 anos, minha amada e querida “mãe fia”, que tinha 38 anos sem me ver, nunca me esqueceu, sempre, sempre me amou. Sua filha mais velha dizia, que quando as pessoas perguntava quem era aquele jovem, ao ver as fotos, ela dizia “é um dos meus filhos mais amado”.

Era final de tarde tive que voltar, durante a viagem o vento no rosto, a emoção da dor mais intima, me perguntava, por onde andei??? Apesar do meu extremo cuidado com meus amigos, meus grandes amigos de infância, me descuidei do melhor deles, me descuidei de quem salvou minha vida, de quem cuidou de mim, num momento de dificuldade de minha mãe, me amamentou! Quando a esperança da minha sobrevivência era pouco lá no rincão da lagoa verde, a febre, convulsão, a tristeza de minha mãe que tinha perdido os outros três recém-nascidos, mãe fia lutou e eu sobrevivi.  Com 1 ano e meio tive que me deslocar para outra fazenda em Veredinha, mas sempre tive que voltar para pedir sua benção e as suas visitas a nossa casa era coroado de carinho e abraços para comigo.

Na minha vida sempre trabalhei desde a infância. Profissionalmente e financeiramente me considero muito bem. Assumi muitos e muitos cargos no trabalho voluntariado e a todos eles dei o melhor de mim, no serviço a minha classe profissional, rodei milhares e milhares de km, tive dois acidentes com perca total de uma Pajero e uma Ranger, salvando-me pela proteção divina e bondade de Deus. Fiz muito palanque para quem não merecia, ajudei muitas pessoas a fazerem e refazerem suas vidas, claro, apenas no desejo de servir, mas neste doido momento me perguntava: e o que recebi em troca? Na quase totalidade, a ingratidão, traição e quando precisei de apoio, encontrava na minha frente os eternos “selpucro caiado”.

Falhei minha amada “mãe fia”, quando não retornei para pedir a tua benção, quando não priorizei aqueles que me amava, quando não respeitei a máxima de JESUS, que disse de ti não quero sacrifício, apenas misericórdia me dando a pessoas e cargos, o mais precioso que dispunha: meu tempo e meu intelecto. “É tudo uma corrida contra o vento”, diz Coellet, filho de Salomão em Eclesiastes.

É bom! Boas e belas viagens a New York, Paris, bons restaurantes, teatro, belos espetáculos, show, mas quero ficar mais perto das pessoas mais humildes, pequenas coisas, momentos mais simples, bom papo ao pé da fogueira, comer uma galinha caipira com uma cachacinha com os amigos mais simples. Estar perto de quem o valor maior é a pessoa, é o gesto da visita, presentear a quem mais precisa, amar a todos sem distinção. Quero fugir mais do telefone e dos e-mails, quero mais estar perto, abraçar, olhar nos olhos, sentir a emoção do encontro esperado, da caminhada e do sorriso descontraído.

Ao retornar de volta pra casa, no oriente eterno, nada vou levar, senão e apenas a energia da bondade, o sentido da compaixão e o mais profundo amor por tudo e por todos e é esse o meu caminhar para o  eterno aprendizado


4 Respostas para “Meu retrato na parede”

  1. Marcos

    Que historia maravilhosa, me emocionei ao ao ler, e saber que ainda existe pessoas que consegue ver nas coisas simples o verdadeiro sentido da vida.
    tbm sou de uma cidade pequena{Ribeirão do largo},mora aki em conquista sou estudante do curso de farmácia sei q vai ser importante na minha vida concluir um curso superior,mais não deixo minhas raizes sempre vou a minha cidade rever meus amigos de infacia, minha madrinha,meus pais.

  2. marcos

    ao ler essa historia de vida, passa um filme como se se eu fosse o personagem narrado na historia, espero viver esses momentos sem me distanciar dos amigos queridos.
    tirar como lição sua historia e ainda mais valorizar pessoas e momentos de q fazem realmente valer a pena viver, simplicidade e amor da pra ser feliz assim.

  3. Edvaldo Paulo de Araujo

    Muito obrigado Marcos pelo seu comentário, fico feliz.Fique com Deus

  4. Simone Figueiredo

    Edvaldo,
    Tenho lido os seus textos e me emocionado com eles, além de aprender belas lições de vida.Como diz neste texto, cultivar as coisas mais simples e humildes é o que nos faz sentir verdadeiramente humanos e mais perto de DEUS.
    Fica o convite de passar um dia conosco ao “pé de uma fogueira,comer uma galinha caipira e tomar uma cachacinha”,voltar um pouco as origens com pessoas que te ama.
    Um grande abraço!!
    Se puder póde ser no feriado de 15 de novembro na AROEIRA em Caraíbas.

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