Diretor da SEI fala das divisões territoriais de Vitória da Conquista

Em entrevista ao Blog do Anderson no último sábado (22), o diretor-geral da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI), professor Geraldo Reis, sobre a nova formatação dos territórios na Bahia, especialmente em Vitória da Conquista. Na tribuna livre da Câmara na última quarta-feira (19), Noeci Salgado, coordenador municipal de Fomento à Agricultura Familiar afirmou que parte do município conquistense, especialmente nas divisas com os municípios de Itambé, Barra do Choça e Anagé, foi reduzida pela SEI, orgão gerido pelo entrevistado.

Blog do Anderson – Qual é a origem dos litígios sobre limites intermunicipais na Bahia?

Geraldo Reis: Historicamente a Bahia tem convivido com essas áreas de litígio. Por trás desse problema está a defasagem da Lei de Divisão Territorial do Estado da Bahia, que é de 1953. Essa lei determina que a atualização sobre os limites intermunicipais fosse feita de quatro em quatro anos, o que nunca aconteceu. Naquela época, a Bahia tinha cerca de 150 municípios. Hoje já são 417. A própria dinâmica territorial, econômica e social do estado da Bahia fez com que fossem criados novos municípios a partir de legislações individuais. Então, é uma defasagem muito grande. Devemos ressaltar, ainda, que muitas vezes essas leis individuais não obedeceram a critérios técnicos, trazendo definições imprecisas, omissões de fronteiras, superposição de áreas etc. Só para se ter uma idéia, há leis que se referem a riachos que hoje não existem mais. Então, são essas as origens desse problema que o estado enfrenta hoje: em primeiro lugar, a defasagem da legislação em função da dinâmica territorial, pois já se passaram quase 60 anos sem atualização nas leis; em segundo lugar, a própria inadequação das leis individuais que definem os territórios dos municípios, que, desde sua origem, foram mal elaboradas. Essa questão vem ganhar um caráter mais agudo, uma dimensão mais aguerrida, sobretudo a partir da Constituição de 1988, quando os municípios passaram a cumprir novas funções econômicas e sociais. Eles passaram a se responsabilizar por áreas, por atividades que até então eram de responsabilidade do Estado ou da União, serviços como educação e saúde. Em contrapartida, eles recebem repasses de recursos de acordo com o quantitativo populacional. Essa motivação resulta em uma briga que na verdade é por população, mas se traduz no acirramento da disputa por território. O caminho para solucionar esse problema é a atualização da legislação vigente em uma lei única de Divisão Territorial do Estado da Bahia, o que unificaria, em apenas um documento legal, os limites intermunicipais do Estado, resolvendo a um só tempo todos os conflitos existentes.

Blog do Anderson – Qual é o papel da SEI na busca de solução desses conflitos?

Geraldo Reis: A atribuição de criar, definir ou alterar a legislação dos municípios é da Assembléia Legislativa da Bahia (ALBA). No entanto, a SEI vem atuando numa política de colaborar ao máximo, a fim de ver essa questão sanada. Por isso, sempre nos colocamos à disposição da Assembléia e das prefeituras para disponibilizar a consultoria técnica necessária para a elaboração de anteprojetos de Lei. Temos feito todo esse esforço que supera a responsabilidade legal da SEI nesta questão. O regimento da Secretaria Estadual do Planejamento atribui à SEI a competência de planejar, coordenar, organizar e executar atividades referentes a divisão territorial do estado quanto às suas fronteiras e limites municipais. No que se refere ao planejamento, a SEI, em diversas oportunidades, encaminhou, tanto ao poder executivo quanto ao poder legislativo, documentos que retratam a situação da divisão política do Estado da Bahia, inclusive com propostas para a correção do problema. Respondemos também pela área técnica no que tange ao levantamento de campo, à elaboração dos mapas municipais, enfim, por todo o arcabouço legal e gráfico. Mas temos extrapolado essa competência, buscando criar uma ambiência favorável a que os gestores municipais possam entrar em consenso.

Blog do Anderson – Como estão avançando as soluções de litígios na Região de Vitória da Conquista? Existe um acordo já estabelecido entre os municípios?

Geraldo Reis: No caso de Conquista, há três anos que a SEI vem fazendo trabalho de campo, identificando todos os litígios existentes naquela região. Hoje nós temos esse mapa dos litígios. Em 2007, nós realizamos em Vitória da Conquista uma reunião com a participação de cerca de 15 prefeitos da região. Infelizmente, os prefeitos não chegaram a um acordo. Então, não cabe à SEI fazer o papel político-institucional da articulação e da negociação entre os municípios. A SEI até tem tentado criar a ambiência necessária para que os municípios conversem entre si. Nesse sentido, iremos realizar uma outra reunião no próximo dia 8 de novembro com os prefeitos de Vitória da Conquista, Anagé, Planalto, Barra do Choça, Itambé, Ribeirão do Largo, Encruzilhada, Cândido Sales, Belo Campo e outros. O objetivo é apresentar o memorial descritivo resultante do trabalho de campo realizado pela SEI sobre as áreas litigiosas de limites intermunicipais entre Vitória da Conquista e os municípios circunvizinhos. Na oportunidade, técnicos da SEI irão orientar os prefeitos para a elaboração de um anteprojeto de Lei, a ser encaminhando à Assembléia Legislativa da Bahia. Este anteprojeto irá redefinir os limites dos municípios, considerando questões culturais, históricas e administrativas. Para tanto, será necessário formalizar um acordo entre as partes envolvidas. Mas são os prefeitos que têm a responsabilidade de negociar e buscar o entendimento entre eles. Nós esperamos que os prefeitos estejam representando seus municípios nesta reunião e que entrem em um acordo.

Blog do Anderson – Qual é a posição da SEI em relação aos limites intermunicipais de Vitória da Conquista?

Geraldo Reis: Esse é um problema generalizado em todo o estado da Bahia, não é um problema específico da minha cidade que é Vitória da Conquista. Então, você tem um paradoxo, uma contradição entre a divisão territorial baseada na Lei – e aí a SEI não pode fugir a essa legislação -, e você tem os limites administrativos. Então, se você tem um determinado povoado que fica à 100 km distante da sua sede, e esse povoado fica a 10 km distante da sede do município vizinho, naturalmente, aquela população começa a demandar serviços desse outro município, e não da sua sede específica. Então, esse município que está mais próximo começa a administrar, prestar serviços ao povoado. Isso é o que gera a contradição entre os limites legais e os limites administrativos. Embora nós reconheçamos que o bom senso indica que nós temos que montar uma nova legislação tentando aproveitar os limites administrativos, porque eles estão de acordo com essa dinâmica cultural, histórica, econômica, de sentimento de pertencimento da população etc. Mas até se mudar essa legislação, a SEI não pode atuar de outra forma. Nós apenas damos o suporte técnico, visando a mudança da legislação. Então, não se pode dizer que há um posicionamento da SEI de tomar área de um município para dar a outro.

 Blog do Anderson – A partir de um consenso estabelecido entre os prefeitos dos municípios da região de Vitória da Conquista, quais procedimentos devem ser adotados para transformar esta pactuação em lei?

Geraldo Reis: O primeiro passo para os municípios são os acordos sobre as áreas em litígio. Mas sugere-se que tais acordos sejam legitimados pelos legislativos e populações locais. Em seguida, deve haver a elaboração dos projetos de lei e seu encaminhamento à Assembléia Legislativa, como já explicado. É bom lembrar que está tramitando na Assembléia Legislativa um projeto de uma lei geral, de autoria do deputado João Bonfim, presidente da Comissão Territorial, dando alguns parâmetros para a redefinição dessa Divisão Territorial do Estado da Bahia. Esse projeto dará suporte legal para projetos específicos relativos aos limites municipais. Entretanto, reconhecemos como normal e legítima que qualquer município que não sinta seus interesses contemplados, recorra à justiça.

Blog do Anderson – Quais são as possíveis perdas para o município de Vitória da Conquista diante de um acordo com os municípios vizinhos que valorize a divisão administrativa?

 Geraldo Reis: Falando agora como cidadão, professor da Universidade Estadual do Sudoeste, ex-Chefe de Gabinete da Prefeitura e ex-Secretário de Expansão Econômica de Vitória da Conquista: nossa cidade nada perde em dialogar com os municípios circunvizinhos. Nós, na condição de cidade pólo, sem abrir mão dos nossos direitos e interesses, temos que internalizar cada vez mais as interconexões demográficas, econômicas e sociais em Vitória da Conquista e os municípios menores dessa região. Vitória da Conquista, como vanguarda, como liderança, tem que ter a generosidade necessária para interagir com os outros municípios e as suas respectivas populações. Liderança econômica também pressupõe capacidade de mediar conflitos. Devemos nos referenciar, guardando as devidas proporções, na relação que tem hoje o Brasil com os demais países da América do Sul. Por fim, creio que o fundamental não é Vitória da Conquista ganhar ou perder alguns metros quadrados, até porque, não perde. Portanto, se os prefeitos conseguirem chegar a um consenso que preserve a “naturalidade” da dinâmica territorial, os interesses e o sentimento de pertencimento dos pequenos povoados, todos sairão ganhando.   


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