O Velhinho do 2º andar

Por Edvaldo Paulo de Araújo

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Num período de minha vida, durante o mês, tinha algumas atividades em Salvador. Quando lá estava, ficava hospedado temporariamente, no corredor da vitória. Pela manhã sempre fazia minhas corridas/caminhadas lá no Campo Grande e sempre na volta, observava um velhinho sentado na área olhando para a rua. Durante o dia quando lá passava em alternados horários, la estava ele sentadinho com sua atenção voltada para o movimentadissimo corredor da vitória, trecho do campo grande até o largo da vitória, ou seja, a famosa avenida sete de setembro.

Esta rotina se passou por muito tempo, ou seja, meses, seja em que horário que passasse lá estava ele sentado, na sua atividade cotidiana, observando a rua e sua multimovimentação. Como a grade de proteção do prédio com a rua, era próxima ao mesmo, possibilitava uma conversa. Um dia tomei essa iniciativa e o cumprimentei. Repetindo este gesto sempre, procurei ampliá-lo com perguntas e conversas triviais.Com o passar do tempo, notei que ele sempre me aguardava e quando lá demorava de ir, sempre me questionava porque demorei ou quanto tempo ia ficar.No seu cotidiano a minha presença já fazia a diferença, era notado, sentia como algo ou alguém que se importava com ele.

O convidei a caminhar, demorou, mas um num belo dia aceitou o convite.  Devagar fui conhecendo a sua historia, aposentado na área publica,viúvo a mais de dez anos, dois filhos, uma filha que mora no exterior e um filho que mora em salvador, onde ele residia. Com o argumento, para que ele não morasse sozinho o trouxe para morar consigo, por causa de alguns problemas de saúde. Este filho, com quem residida, lhe deu dois abençoados netos, apesar de sempre saírem no final de semana, de férias, mas ele nunca os acompanhava, pois das outras vezes que assim o fez, sentiu deslocado, incomodado e não gostava dos programas, por isso decidiu não ir mais. Transformou-se em prisioneiro residencial, ora lendo um pouco, ora vendo televisão e a maior parte do tempo disponível, sentado na área externa, olhando a movimentação do corredor da vitória.

Por não ter o que fazer e para atender as recomendações do filho, ficava sentado naquele pequeno espaço – área externa do apartamento – o dia inteiro. Os seus proventos serviam para complementar o orçamento da família do seu filho, sobrava um pouco que com dificuldade, comprava os remédios de uso rotineiro, não dava para maiores extravagâncias, como ele mesmo dizia. Infelizmente essa é uma triste realidade brasileira, segundo dados fornecido pelo censo 2000, fonte Serasa,cerca de 14,5 milhões de pessoas, 8,6% da população total do País, são de idosos.Sendo que 62,4% dos idosos e 37,6% das idosas são chefes de família, somando 8,9 milhões de pessoas. Além disso, 54,5% dos idosos chefes de família vivem com os seus filhos e os sustentam.

 

Estabelecido uma amizade, conversas, comecei a argumentar com ele e um dia perguntei qual era os seus sonhos. Esse questionamento o surpreendeu e respondeu de maneira vaga, comentando que sozinho, com pouco dinheiro e já naquela idade, não tinha muita opção.           Não – retruquei – não estou falando na realização, mas sim em seus anseios, qual são os seus sonhos? Abaixou a cabeça e não prosseguiu com a conversa.

Baseado numa de nossas conversas, onde me contou que tinha um velho e querido amigo, residindo numa pequena cidade perto de Feira de Santana, chamada de ICHÚ, com quem mantinha contatos via carta. Numa certa época tinha ido la visitá-lo, que passou uns dias com este amigo e que tinha sido muito bom e gostado imensamente da pequena cidade. Incentivei-o a marcar uma visita a este amigo. Aproveitando essa conversa, voltei ao assunto dos seus anseios e sonhos, novamente com a sua negativa, disse de certa maneira, que logo depois me arrependi – “alem de ficar com os seus proventos, seu filho ainda roubou os seus sonhos?”, ficou calado por certo tempo e vi lagrimas rolar dos seus olhos. Depois de falar do seu senso grandioso de amor pelos seus, afirmou que essa era a realidade. Procurei mostrar, que a sua missão foi educar e isso ele fez. Seu filho e sua nora trabalhavam, portanto tinha que adaptar a sua vida financeira a seus ganhos e que não era justo, nesta etapa da vida mais este sacrifício dele. Se o seu filho estivesse desempregado, argumentei,claro que seria louvável a sua ajuda, mas não era essa a realidade.

Um amigo, certo dia, comentou comigo da importância de morar em cidades pequenas, lugarejos, principalmente as pessoas na terceira idade, entende ele que as pessoas se interagem mais, são mais simples, dados a gestos de amizade e de partilhar. Que o vizinho faz um bolo, um cuscuz, um cozido, uma carne de sol diferente, sempre leva um pedaço para o outro. Mantêm ainda velhos e saudáveis costumes. Nas tardes, nos finais de semana sempre havia convite para os cafés, uma conversa e almoços. Perguntei a ele, se não queria experimentar por um tempo esta experiência. Com os seus proventos, poderia alugar uma casa simples com quintal onde poderia cuidar de uma pequena horta e arrumar uma pessoa que pudesse cuidar da sua comida, casa e roupas. A idéia lhe agradou, as palavras de incentivo fizeram ver a ele que a sua vida lhe pertencia e que a maneira que estava vivendo, era triste e isso lhe traria ainda mais problemas de saúde e por conseqüência encurtaria sua vida terrena. Todos nos- repeti- em qualquer idade, precisamos de movimentação, alegria, motivação, amigos, felicidade, momentos agradáveis e isso diante de tudo que conversamos, não existia mais em sua vida. Para reforçar, fotocopiei um texto retirado do livro do professor Hermógenes que fala de um trabalho maravilhoso, da professora de yoga Marlene Franco, realizado no abrigo São Francisco, na cidade de Itabuna-Bahia e dei a ele. Diz o texto:

“Eram tristes e apáticos, conformavam-se em passar os dias inteiros deitados, debaixo dos lençóis, acomodados, sem vontade de serem convocados a levantar. Narra à professora – comecei minhas visitas conversando com cada um, convidando-os a se erguerem, andar e tomar sol. A primeira fase foi difícil. Todos gostavam muito de minha presença, mas não queria andar. Tomei a iniciativa de cantar e de fazer, com eles, os primeiros tímidos movimentos, cada um em seu cantinho. Eram cânticos de louvor (a Deus) e outros do folclore. Passaram a me imitar, e, daí por diante, as coisas foram mudando; a solidão se dissipando; a alegria a irradiar-se de cada um deles foi retornando. O trabalho foi iniciado após uma seleção baseada no critério do estado físico e montado um programa de acordo cada grupo. Foram dadas as primeiras orientações, numa atuação marcadamente vivencial, sobre como respirar etc. Com o passar dos dias, outras estratégias foram sendo usadas. Os testemunhos se afiguravam como provas de evidentes mudanças (saúde e harmonia) e, conseqüentemente, de vida melhor para os velhinhos.”

O trabalho da professora Marlene e a sua irmã e colaboradora – transformou o que antes era um entre muitos “depósitos de velhos” num verdadeiro “jardim da velhice”, comentei com meu novo amigo, citando os comentários do ilustre professor Hermógenes.

Com o passar do tempo, nossas conversas, a noticia da visita ao amigo, o chamamento do mesmo a ir morar lá, a escolha de uma linda casinha, a comunicação ao filho que o incentivou e o dia da partida, mas sem antes o compromisso meu de ir lá visitá-lo. Fiquei muito alegre.

Mantivemos contatos e um dia o visitei. Não existia mais o “velhinho do segundo andar” e sim um ancião, cheio de vida e saúde e apesar das saudades, das dificuldades uma imensa vontade de viver.

            “Passa de meio-dia

O declínio começou.

          Aqui no vale, as sombras chegam mais cedo.

                    Subirei a montanha.

Lá no alto os últimos fulgores do sol serão meus.

  E quando a noite chegar vai me encontrar lá no alto.”

                    HERMÓGENES.


Uma Resposta para “O Velhinho do 2º andar”

  1. alex

    O sistema de vida atual,torna o covívio e as relações humanas.Cada vez mais impessoal!.O ser humano necessita de forma vital dessas interações entre os demais seres humanos.

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