Academia do Papo

A derrota da máscara (2)

Por Paulo Pires

David Nasser, o fecundo jornalista da revista O Cruzeiro, foi contratado pelo endiabrado Assis Chateaubriand por intermédio de uma rapidíssima entrevista. Doutor Assis, como gostava de ser chamado, depois de fazer perguntas sobre jornalismo, pediu-lhe que mostrasse seu talento fazendo ali “na perna” uma crônica sobre Deus. Nasser, que também parecia ter pacto com outras entidades, olhou firme para o futuro patrão e perguntou: “A favor ou contra?”.  O dono das Associadas, surpreso pela audácia do moço, disse, bem ao seu estilo: “Tá contratado!”. Isso mesmo. Nasser nem precisou escrever o texto; sua resposta já dava a entender como ele se comportaria na função de jornalista. O homem escrevia sobre os mais variados assuntos e tão importante quanto isso, o fazia em belo estilo.  O Brasil que lia a revista ao abrir O Cruzeiro procurava a crônica de Nasser e se espantava com o inusitado de suas colocações. Ao longo da vida e apesar do bom estilo, Nasser colheu grandes amizades e também muitos desafetos. A vida é assim mesmo. Ninguém pode agradar a gregos e troianos. Ou, como disse o Padre Vieira: “Ninguém pode agradar a dois senhores ao mesmo tempo”.

            E a máscara? Nasser não era mascarado, mas muitos dos seus críticos eram e, um pequeno detalhe: As pessoas e as instituições que ele criticava geralmente mereciam o malho.  Zezé Moreira, por exemplo, que se “achava” grande treinador de futebol, era um dos seus alvos preferidos. No entendimento do jornalista, o treinador que nunca fora alguém brilhante jogando futebol teimava em ensinar ao grande Zizinho como jogar. Nasser considerava inadmissível que um sujeito que mal sabia que a bola era redonda se arrogasse ensinar a um gênio do quilate de Zizinho como se comportar em campo. Ironizava e, meu Deus, como ironizava. Dizia que entre Zezé Moreira e Zizinho a distância era a mesma do escritor Freire Júnior para Shakespeare. Arrematava dizendo que o que Zezé pretendia seria comparável a uma professora de Física de uma Escola Primária de Brás de Pina (subúrbio do Rio de Janeiro) querer dar aula dessa matéria a Albert Einstein.

            A máscara é um dos mais perturbadores artifícios que a humanidade criou para disfarçar suas fraquezas. No teatro sua aplicação é de uma necessariedade impressionante. A maioria dos atores e artistas vive sob um mascaramento total. Muitos chegam a se confundir, abandonam seus caracteres e se transformam em personagens derivados de suas fantasias, ilusões, desilusões, comédias, dramas e tragédias. Tenho uma grande amiga (não psicóloga) que tem uma facilidade para entrar na alma dos interlocutores e desvendar-lhes as fraquezas. Ela me deixa impressionado. Com meia hora de conversa sabe perfeitamente com quem está falando e se o que está ouvindo é verdade ou farsa. Já lhe disse repetidas vezes sobre os dotes que possui para penetrar na alma humana. Ela se esquiva, mas se quisesse seria uma escritora no mesmo nível de Clarice Lispector.

            Mas qual é o mal da máscara? Acho que nenhum. Ninguém deve ser contra a máscara, mesmo porque ela é apenas um artefato; Mas devemos reconhecer que seu uso propicia o surgimento de um tipo recriminável: o mascarado. É contra esse que devemos lutar.  Vejo com apreensão e muitos parecem me acompanhar sobre o mal que um mascarado faz. Quando o Brasil perdeu a Copa de 1950, o laureado David Nasser escreveu a famosa crônica a que deu o título de A derrota da Máscara. Se não estou enganado o texto saiu em O Cruzeiro de 29 de junho de 1950 e causou, como não poderia deixar de ser, grande rebuliço não só nos meios especializados, mas também em toda a sociedade brasileira. Naquela época já conservávamos a ilusão de que éramos os melhores do mundo. Desde 1938 cantávamos em versos e prosas as maravilhas do nosso futebol, exaltando a superioridade dos nossos atletas. Falávamos como se todos fossem iguais ao Diamante Negro, Leônidas da Silva.

            Pelo que acompanhamos desse esporte, até hoje nossa mentalidade esportiva não consegue se livrar da carga excessiva de auto-suficiência infantilmente incorporada ao nosso espírito futebolístico. Por esse motivo, algumas de nossas equipes – para não dizer todas – nos empurram para os mais decepcionantes e inesperados resultados. É uma droga pensar assim, mas é verdade!

            Ao contrário de esportistas consagrados em outros países e em outros esportes, nossos futebolistas se repetem nos erros, descuidam das obrigações e acabam comprometendo todo o conjunto de planejamento e perspectivas, produzindo em quem acreditava neles um container cheio de frustrações.  Semana passada, numa só noite tivemos quatro times brasileiros desclassificados na Copa América. Neste domingo no Barradão, o Bahia de Feira de Santana aplicou um chega prá lá no Vitória de Salvador. Até hoje a Imprensa, a Diretoria e os torcedores da Capital estão se perguntando o que houve. O que houve? Nada. Só máscara. Mais uma vez o que ocorreu foi: A derrota da máscara. Só isso!  Mas valeu: o Interior do Estado saiu triunfante sem máscara e mascarados.


Uma Resposta para “Academia do Papo”

  1. JOSE MARIA CAIRES

    Valeu Paulo Pires, matéria interessatíssima.

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