Pequenas Notas

Paulo Pires

Uma breve teoria sobre o erro

Os seres humanos são incríveis. E se tornam mais inacreditáveis quando opinam sobre coisas e fatos.  Para exemplificar, tomemos apenas dois tipos: O otimista e o pessimista. Se colocarmos diante deles um copo de vidro com água pela metade teremos invariavelmente duas opiniões. O otimista dirá que o copo está quase cheio. O pessimista dá um muxoxo e diz peremptoriamente que o copo está quase vazio. Daí surge diferenças que abrangem não só aspectos quantitativos, mas dezenas de outras divergências que avançam em quase tudo que os envolve. Esses dois divergem em qualidade, cores, gostos, aptidões, opções e o diabo a quatro. O que ajuda a explicar isso? Um conjunto de fatores que se desenvolvem a partir do ambiente familiar, passando pelos relacionamentos sociais, formação cultural, educacional, idiossincrasias, filosofia, psicologia, até chegar a heranças atávicas, entre outros.

O importante nesses caracteres é que a partir deles a sociedade pode construir raciocínios,  inferir e aferir sobre comportamentos no que tange a posicionamento que assumem em torno da realidade. O fato é que esses dois tipos são capazes de avaliar fenômenos iguais de modo totalmente diferentes. Outro aspecto a ser destacado é o político. Todo cidadão habituado a viver em regimes democráticos goza do sagrado direito de avaliar a realidade com o mais absoluto senso de liberdade. Usufruímos [às vezes até excessivamente] daquilo que os cientistas sociais denominaram de liberdade individual. Em suma: todo mundo é livre para pensar e se expressar do jeito que quiser.

A liberdade é uma grande conquista dos indivíduos. O ideal, sob esse aspecto, está quase atingido.  Entretanto, é necessário reconhecer: Tão significativo quanto ter opinião pessoal é o sujeito reconhecer que seu livre arbítrio pode também levá-lo a erros.  Reconhecer que “pisou na bola” é elogiável. Penso que todos nós respeitamos alguém que se reconhece errado.  Gente assim revela dignidade.

Infelizmente existe por aí um “povo” que não reconhece os erros. Pior ainda: Quando é flagrado fazendo besteira tenta repassá-lo para outras pessoas e diz que a coisa que fez, deu errada por motivos involuntários aos seus critérios. Dá uma de sonso e conclui sua defesa afirmando que nunca erra. A culpa é sempre dos outros, por isso, cabeça dura que é, mantém os mesmos critérios para repetir-se, continuar errando.

Mestre Anísio Teixeira dizia: “Não tenho compromisso com as minhas idéias”. Quem o ouvia pensava tratar-se de uma afirmação de um sujeito sem caráter, sem personalidade. Aí é que o “cabôco” se enganava. Anísio sabia do que estava falando. Outro sujeito genial, o irlandês Samuel Beckett, alertava para o seguinte aspecto: “Se existem tantos novos erros para você cometer, porque cometer os mesmos do passado?”. Tem gente cuja teimosia não dá oportunidade para “errar pela primeira vez, ou seja, cometer um erro novo”. Esquece-se de que: “Errar é humano, mas permanecer cometendo o mesmo erro é imperdoável”.

Eu não tenho medo de erros. Passei boa maior parte de minha vida cometendo-os. Claro que diante de um mundo com tanta gente errando, sinto-me redimido porque não sou o único.  Estou em companhia de homens excepcionais. Um deles [um dos meus mentores] é o mestre Darci Ribeiro.   Em discurso memorável para receber homenagem na UNB o saudoso professor disse: “não me envergonho das derrotas que sofri e dos erros que cometi ao longo da vida. Colecionei mais derrotas do que vitórias, mas não me sinto derrotado. Infeliz estaria se tivesse ficado ao lado dos vitoriosos”. Uma afirmação como essa aparentemente pode nos induzir a uma avaliação equivocada, mas não é. Quem conhecia Darci sabia perfeitamente o significado das suas palavras.

Santo Agostinho dizia que “o erro é uma deformação da realidade”. Nessa direção poderia dizer que se isso que chamamos de realidade apresenta-se de um jeito e estamos dentro dela fazendo coisas que lhe contradizem, então estamos errados.  Mas se essa mesma realidade está eivada de vícios, dolos e erros, é óbvio que quem está errando nela nunca vai achar que está em erro. Se eu estiver em uma estrada onde todos estão correndo a 160 km/hora, e eu me mantiver a uma velocidade de 80, certamente quem está errado sou.

Camões, o grande bardo da língua portuguesa, disse em um dos poemas que havia errado todo o percurso de sua vida e que havia dado causa para que a fortuna (a sorte) lhe castigasse todas as mal fundadas esperanças. Não sei se já errei tanto quanto o autor de Os Lusíadas, mas já estou satisfeito com os meus erros. Tomara que Deus me ilumine para que eu erre o mínimo possível. Mas se eu errar peço aos amigos que meu puxem as orelhas. Podem puxar. Não faço parte daquele Clube de gente ordinária que vive errando e teimando em afirmar que não cometeu os erros que lhes atribuem. Por que erramos tanto?


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