Itapetinga, Pedra Branca

Juscelino Souza *

Anos 70. Eu, criança, aos cinco anos de idade e recém-chegado da roça, me vi apresentado à professora Maria Sampaio, de saudosa memória, no Conjunto Assistencial Dr. Guilherme Dias, na Rua Potiraguá, mesma rua onde vivi alguns dos melhores momentos da minha vida. Ali, na imensidão daquela sala de aula, no primeiro e mais antigo módulo, meus primeiros ensinamentos pedagógicos sobre o mundo exterior. Múltiplos aprendizados, profusão de saberes para uma cabeça pueril e muito conteúdo assimilado até os dias atuais. Deixei meu torrão natal em 1992, depois de passar pelo “Polivalente” e “Alfredo Dutra”, para tentar a sorte em terras não tão distantes, mas completamente desconhecidas por mim. Aportei em Vitória da Conquista, a 100 km de distância de casa e a milhares e milhares de milhas de saudade dos meus pais, dos meus irmãos, dos meus amigos. Muito ficou para trás e outro igual volume veio comigo. Deixei minha Itapetinga, que aprendi se chamar “Pedra Branca” na língua Tupi em alusão á grande quantidade dessa rocha, especialmente ao longo dos rios Pardo e Catolé.

Itapetinga, minha querida “pedra branca”, que saudades dos bons tempos, da Biblioteca, da Concha Acústica, da ACI, dos carnavais, das gincanas. Com raras e honrosas exceções, muitos espaços agora estão ocupados por uns poucos para uso coletivo de drogas.

            Infelizmente nos dias atuais a conhecida “terra firme do gado forte”, das monumentais exposições no Parque Juvino Oliveira, já não se mostra “tão firme e tão forte”.

            Das noites de lua cheia que iluminava os bate-papos na porta de casa, sem receio do “lobisomem”, da “mula sem cabeça” e dos vultos que povoam a infância, restam apenas saudades. Agora o medo é outro: assaltos, bala perdida, arrombamentos, execuções em plena luz do dia…

            O que fizeram da minha Itapetinga, das festas de largo, dos tempos em que dormir com portas e janelas abertas era símbolo de confiança da hospitalidade do nosso povo? Portas e janelas abetas depois das 18 horas, só em raras ocasiões. Voltar a pé (ou de carro, ou moto) depois das 22 horas de uma festa já não é mais seguro.

            Com a quebra da monocultura da pecuária, advinda do pólo industrial, Itapetinga experimentou um progresso repentino e, na esteira do avanço econômico, pagou um alto preço: perdeu a tranquilidade, viu se despedir do seu solo a pureza da grande maioria do seu povo.

            Em troca, bolsões de miséria patrocinados por recorrentes invasões de terrenos urbanos, sem infraestrutura e invasão desenfreada de traficantes de drogas oriundos de todos os cantos e recantos do País.

            Perdeu-se o respeito aos mais velhos, tomar a “benção” é cafonice, desafiar autoridade constituída é tido como normal e invadir espaços públicos, como fizeram no Plenário da Câmara Municipal, é fato.

            Tatuar o nome do pai, da mãe, da namorada ou do filho (a), parecia agressão física aos mais recatados, nos anos 80, mas hoje, em vez disso, é sinal de respeito… Respeito aos chefes do tráfico, como fazem dezenas de seguidores de “Sérgio Freudenthal”, o mesmo que liderou a criminosa ocupação da Câmara este ano.

            Por fim, lanço um apelo aos homens de bem, itapetinguenses ou não, para fazermos frente a esse avanço ilícito em nossos espaços e frear os que desafiam a lei.

            Esqueçamos as distâncias pessoais, as disputas políticas e partamos para as políticas públicas. Unindo forças, somando esforços, vamos devolver a paz á Itapetinga antes que a nossa histórica “pedra branca” de verdade não se torne conhecida como a “pedra branca” de crack.

 

* Jornalista do Grupo A TARDE (www.atarde.com.br) desde 1994, com passagens pelas rádios Jornal e Cidade de Itapetinga, 100,1 (atual rede Transamérica), assessorias de comunicação do SEBRAE e Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, editor do Jornal A Conquista, produtor de jornalismo da TV Sudoeste e TV Cabrália e com textos publicados nos mais importantes jornais e revistas do País.


2 Respostas para “Itapetinga, Pedra Branca”

  1. Cássio Montalvão

    Amigo de infância, de brincar na’Concha’ e ler na ‘Biblioteca’, onde minha mãe durante anos esteve Diretora, de conversês sobre cultura, e arte,de gincanas da cidade, festas, de ativa participação na sociedade itapetinguense, e de brilhantismo no universo jornalístico, Juscelino Souza é um ímpar itapetinguense, bom cidadão, profissional, filho, marido e pai.
    Orgulho-me ao reconhecer que as pessoas de nossa geração conseguem reconhecer a decadência moral, social e cultural de nossa Itapetinga, mas ainda amando-a tentar encontrar soluções ou alertar aos mais novos que existem possibilidades e formas de celebrar a vida bem interessantes e inteligentes.
    O saudo em nome daqueles que como nós ainda que ‘longe’, nunca paramos de amar a ‘pedra branca’, e o farei copiando e colando aqui, ainda que extenso(reconheço), um ensaio de nossa autoria publicado no Caderno Municípios do Jornal A Tarde, onde já elocubrava e citava semelhantes fatos como os alertados e tocados tão coerentemente pelo amigo, e recebido por este não menos importante colega e jornalista, que é o Anderson, um jovem empreendedor, e que muita seriedade e convicção constrói a cada dia sua estória na comunicação de nosso estado e país.
    A você ‘Juça’, meus sinceros abraços, extensivo a bela família que tens. Abaixo segue o texto, que dedico aos quem amam Itapetinga, ao passo que solicito ao caro Blogueiro e amigo Anderson, que, em ensejando reproduzir neste importante veículo, nossos escritos, esteja desde já a vontade:

    “O tempo dita: reflexões sobre patrimônio cultural, material e imaterial de Itapetinga.”

    Cássio Montalvão (*)

    Houve tempo, em que uma simples pedra jogada por qualquer moleque a fazia ressoar, gritos, falas dirigidas as suas paredes, reverberavam, ecoavam, embasbacando neófitos, transeuntes semi-alheios ou ainda desconhecedores daquele emblemático fenômeno…
    Faz tempo, mas recordo-me ainda das muitas e tantas frases, canções, gaiatices, palavrões e brincadeiras semânticas que saracoteavam naquele espaço ocupado por uma leva de infantes que desciam e subiam as escadarias da “Concha”, quando esta era conhecida por sua ainda real condição enquanto: “Concha Acústica”.
    Aí o tempo ditou, e alguém teve a (in)feliz idéia de vitrinescamente ornar a Concha, metamorfese-a-ram-na e atijolaram-na em tom magenta, lhe deram um anexo para abrigar emergentes movimentos, que volta e meia pairavam, ou residiam temporariamente por ali, em forma de ensaios, oficinas, encontros, amores, fé e subversão.
    Eventos inclusive lá foram re-editados num passado recente, cobrando daqueles que seriam tecnicamente, responsáveis por projetar vozes cantantes, declamantes, politiqueiras, anunciantes e sons que dariam sustentação a bailados grupais ou autônomos, um alto preço. O motivo? A “Concha”, já não mais era acústica, a sofisticada peça de engenharia e arquitetura ao passar por “re-engenharias” perdeu sua proposição inicial, não mais ouviríamos nossas e outras vozes ecoar, ao menos naquele espaço físico…
    Como palavra é palavra falada, pensada, e grafada, tentarei em brincantes e, tomara desconcertantes rogos, utiliza-las no afã de contar algumas particularidades da cultura em Itapetinga, e, aproveitando o espaço ora facultado, demonstrar meu lamento, pensamentos e posições ideológicas, e da ordem de saberes distintos, passíveis de re-visitação e aberto a críticas e construção de novos e edificantes saberes acerca da falta de responsabilidade, sensibilidade e tecnicidade frente à preservação, do que podemos entender enquanto patrimônio cultural, material e imaterial de Itapetinga, que de forma negligente vem desaparecendo, perdendo-se, sem que algozes sejam sequer questionados.
    Quiçá este escrito-denúncia, torne-se colaboração para que as mentes destas bandas tornem-se pensantes, irrequietas, menos desavisadas e possam antes de por em prática brilhantes idéias, lembrar que céu e inferno são zonas proximais, sendo a segunda abrigo para um cem número de intenções…
    Enquanto munícipe, tive contato íntimo com o “Museu de Artes e Ciência de Itapetinga”, cenário criminosamente extirpado da cena cidadina, transformado em sede do Instituto Nacional de Seguridade Social local, numa surreal negociação que demonstra à práxis sucessiva das não-políticas culturais, e capacidade administrativa que vitimiza e torna órfã toda uma geração… Como cidadão não posso reprimir lembranças…
    Cerrando os olhos com força, pois minha ira, de santa, nada tem… Visualizo com lágrimas dioramas, que seriam modernosamente chamados de instalações, as “casas de farinha e do vaqueiro”, com um fundo que mais que impressões, determinavam inscrições e produziam marcas indeléveis, arquetípicas, naqueles que tiveram a feliz-cidade de vê-las.
    As memórias convidam-me a lembrar ainda dos recipientes guardadores de fetos, que além de fases biológicas, sinalizavam para valores já perdidos por esta Ita(pedra) tinga(branca), que hoje encontra-se ironicamente: pedra de crack e branco de pó, em quantidades inapreensíveis, corroendo psicodinâmicas familiar e societal.
    Mas o tempo dita, e agora a ordem era transformar em praça, o que poderia apenas com bom senso e coerência ser revitalizado. E não venham dizer que seria impossível, caro ou inviável, pois mesmo que engatinhando já existia a época políticas de subsídios econômicos para tais ordens. Faltava o que sempre falta: Discernimento, cultura geral, no plural e vontade política!
    Era mais fácil derrubar, e assim o “feio e mal cheiroso Mercado Municipal”, não menos rico histórica e arquitetonicamente, não mais iria, embolar, engarrafar, expor vísceras, farinha, feijão, rouparia e outras quinquilharias, que muitas vezes só se avistava na “Casa Velha de Oscofon”, outro patrimônio erguido e mantido por um mestre, apreciador do belo, das artes em geral e bom vivant. Silenciaram de vez sua voz e alma, calaram em especial, sextas e sábados…
    Derruba, quebra, assenta nova pedra. E põe a Bíblia, aí talvez o tempo encarregue-se de calar… Faz-se praça no lugar, mesmo que de maneira politicamente equivocada e arquitetonicamente simplista.
    Berro! Não calo! Falam de mil modos, fala-se até quando intolerantemente acendem fogueiras para queimar o monumento “A Rótula dos Orixás”, que não tem como, mas quem defendê-la… E aí vale ir de Ogunhê, Ê Parrei ou Atotô!
    Ofenderam-se? Ó paí, ó, somos ou não a Bahia iá iá? Estaríamos numa Itapetingagá?
    Desculpar-me? Ao menos não por isso, alias entendo que desculpas devem ser pedidas aos autores das obras “Índio e Totem”, respectivamente retirados, desaparecidos e jamais recambiados aos seus lugares de origem, em total falta de respeito e preocupação com o significado daquelas obras para seus criadores e demais atores sociais a que acostumados estavam em apreciá-las…
    Como sempre é possível a redenção, que tal sociedade civil organizada, artistas, instituições, autoridades e todos que se sentirem lesados, despossuídos, identificados com a causa que aqui se enuncia tornarem-se co-responsáveis por ditar outro novo tempo para Itapetinga, que ainda tem valores humanos, nosso grande patrimônio imaterial e espaços físicos atraentes e capazes de atrair… Comecemos por Júlio de Sousa Barbosa, o “São Félix”, é hora de socorrer este ícone que se encontra castigado por intempéries, jazendo ao reconhecer que suas dezenove obras cravadas na “Matinha”, esfacelam-se frente descasos administrativos e nenhuma sensibilidade.(Nota atual do ensaísta: São Félix, desencarna em 17 de janeiro de 2011, após ser furtado e agredido barbaramente por um menor adicto e uma jovem cidadina de vida pouco convencional).
    Pensemos, remetamo-nos a compreensão, que mais que cimento, tinta e ferro, pulsam em cada obra e monumento desta cidade, fantásticas aventuras humanas e artísticas, uma história que conta e traduz-se, re-significa, faz emergir inúmeras estórias na, da, e de vida que podemos encontrar ainda na “Rótula dos Pioneiros”, emblemática e eternizada narrativa da saga dos desbravadores, no “Marco Dairy Walley”, a nossa e não menos dairywallyana: “Pça. do Boi”, que traduz a pujança que outrora a monocultura do gado outorgou-nos.
    Olhemos ainda para as casas e edificações, que vem sendo entregues ao mundo empresarial-capitalista, que visceralmente, derruba fachadas e construções inteiras, quando bem poderia haver espaços dialógicos e danos menores ao patrimônio local.
    Entendo que, emergindo uma nova percepção e cultura, teremos mais orgulho, espaços preservados, histórias, prosas e causos que futuros cronistas e escrivinhadores contarão. Itapetinga agradecerá e nós, “judiths, maurícios, emersons, getros e cássios”(Outra nota recente do ensaísta:” e agora juscelinos”, certamente haveremos com nossos pequenos legados encontrar no amanhã, maior zelo com nossa história, e continuadores/construtores destas e d’outras narrativas…

    (*) Cássio Montalvão, é Psicólogo, Educador e metido a ensaísta.

  2. Josenilton Freire

    Muito bom o texto. Me emocionei com as palavras que refletem a história, cultura e, também, o ostracismo a que está exposta a juventude itapetinguense. São perdas irreparáveis, consequência da crescente despolitização da sociedade.

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