Paulo Ludovico
Em todo início de ano, é a mesma coisa, nas escolas que se espalham por esse Brasil a fora. São as velhas, intermináveis e enfadonhas reuniões de planejamento pedagógico. No dizer dos entendidos elas servem para planejar o ano letivo inteirinho. Eu, de minha parte, nunca entendi como é possível se preparar um ano letivo inteirinho, apenas, numa ou duas manhãs. Era começar o ano, ali pelo mês de fevereiro, e você recebe a comunicação, escrita com letras garrafais:
“Professor, no próximo dia tal, a partir de tal hora, reunião pedagógica para programar o ano letivo. Não falte, sua presença é muito importante para o processo que pretendemos implantar este ano.
Logo abaixo vem a programação:
8:00 encheção de saco
9:00 mais encheção de saco, ainda etc.
Eram “encheções de saco” que jamais, em tempo algum, qualquer professor, pelo que se tem notícia, colocava em prática. Nunca, acerca do que é tratado ali, acontece na sala de aula. Nem de longe. Na frente de uma turma de estudantes, a dinâmica é bem diferente, daquela imaginada pelas mentes de quem não tem mais nada o que fazer. Muitas vezes eu pensava: “o cara que inventou essas teorias pedagógicas é muito chato”. Só podia ser aquele cara chato, chatíssimo (que, geralmente, todo mundo acha), do tipo que, quando está bem gripado, tossindo e com o nariz escorrendo, vai ao cinema, se senta na poltrona, atrás de alguém (ainda que houvesse outras poltronas afastadas das pessoas), só para espirrar bastante e, com uma pontaria de fazer inveja ao mais hábil atirador de elite, acertar o pescoço de quem está sentado à frente. Conheço uns dois, desse tipo. Vai ser chato assim, na casa de “XUNDA”! Certamente, os teóricos em tais encontros (sob disfarces pedagógicos) tem pós-graduação, mestrado e doutorado em tortura chinesa e “chatisse”.
A melhor parte desses encontros (lá da vida dos colégios) é quando encerram o palavreado e vem a comilança. Aí, meu amigo, se Deus ajudar, é covardia.
Passou o tempo, vislumbrou-se, em minha vida de professor, trabalhar em faculdade. E fui. Fiquei aliviado (mais do que quem tira um sapato bem apertado e tem, no pé, um calo, de tão grande que só não é confundido com um dedo porque falta a unha), quando pensei: “que beleza! Estou livre dos insuportáveis planejamentos pedagógicos”. Ledo engano, o danado está, também, no mundo do ensino superior. E com muito mais força. “Na faculdade, ele é bicho criado, indestrutível”. E o pior, são dois por ano, no início de cada semestre. Nesse caso, os teóricos chatos são mais pomposos. Eles, cheios de títulos (mestre, doutor, pós-doutor, os “cambau”), chegam de todo lado: daqui, dacolá e, até, de alhures.
Acho que, a partir desse causo, serei alvo da mais terrível ira das Coordenadoras Pedagógicas.
Mas, vamos ao nosso caso, que aconteceu, justamente, num desses encontros de planejamento pedagógico. E foi com o professor Aparecido (o mesmo do caso da pimenta, de algumas semanas atrás).
Estávamos por volta do meio dia, de um sábado (típico dia ideal para ficar em casa e aproveitar para não fazer absolutamente nada). O encontro já se arrastava desde as primeiras horas da manhã. O pior é que, à tarde, ainda teria mais. É que, a tortura tem de ser em doses homeopáticas. Fazer o sujeito se danar, lentamente.
Eu olhava para a cara cada um dos professores e minha vontade era a de “pocar” na gargalhada, tal a indisfarçável angústia, estampada no semblante da maioria deles. Um professor de Direito, o velho flamenguista (como eu) Kleber, não escondeu o próprio desespero, ao tomar conhecimento da extensa programação vespertina daquele sábado. Em vários momentos, quando eu sentia que não ia segurar o riso, tive de sair do ambiente, usando como desculpa a necessidade de ir “ao quartinho” (lembro-me de quando éramos meninos, no querido São Tarcísio, e pedíamos pra ir à sentina. Pode??? Sentina!!!???).
Num desses meus retornos ao encontro pedagógico, vejo professora (mestra e doutora) oriunda de outras paragens, despendendo esforços hercúleos (e debalde, acrescentaria o professor Kleber), tentando convencer a todos nós, daquelas maluquices. Em determinado momento, num último esforço, com o objetivo de manter a atenção de todos, a mestra traz, de bem do fundo da própria imaginação, o seguinte:
– Professores! Vamos utilizar uma técnica para nos conhecermos melhor. Formem os pares.
Aquelas palavras foram ditas num tom tal, que me senti menino novamente, quando, nossas professoras primárias (que, bem depois, passaram a ser tratadas de “tias”) nos chamavam para formar um círculo e entoar canções do tipo Ciranda Cirandinha ou Atirei o Pau no Gato. Eu, naquele passado bem distante, trajando bermuda azul marinho (com suspensório), camisa “volta ao mundo”, creme e gravata (também azul marinho), pensava ser o mais cantor dos cantores.
De volta ao presente, Aparecido, muito gozador, dirige-me um olhar que mais parece uma gargalhada (pelo menos eu entendi assim). Obedecendo à determinação da douta-mestra, formamos os pares, até que, sobraram, bem no meio da sala, dois professores: o próprio Aparecido e outro professor, juiz aposentado, exemplar no exercício da magistratura, e professor de Direito, dos mais competentes, que atuam em nossa cidade. Aparecido, a gozação em pessoa. O professor ex-juiz, ainda que, muito perspicaz nas brincadeiras, é mais sisudo, em muitos momentos, de uma seriedade que impõe respeito, própria de quem passou a vida decidindo, nos meios forenses. Muitos não ousariam arriscar qualquer brincadeira. Ainda assim, meio tímido, quase que pé ante pé (para não chamar a atenção), Aparecido se encaminha até o professor, também sem um par, e (como se estivesse chamando alguém pra dançar) o convida para formarem a dupla solicitada pela doutora palestrante. O ex-juiz, brincando, claro, mas como o ar sério, como se estivesse prolatando uma sentença, diz:
– Não! Com você, não! Você é feio!
Gargalhada geral. Aparecido que, além de gozador, é muito tranqüilo, afasta-se um pouco e, sentindo-se rejeitado, volta pra onde estava. Da frente da sala, observando os dois “solteiros”, a professora palestrante insiste:
– Vamos! Vocês dois, formem um par.
Aparecido, numa rapidez de raciocínio, própria dos que ensinam Matemática e querendo dar o troco, diz, apontando para o ex-juiz:
– Com ele, não posso! Ele só gosta de homem… bonito!