O Padre e a mulher do Prefeito

Paulo Ludovico 

Antigamente, nas pequenas cidades, principalmente nas cidadezinhas do interior nordestino, ninguém tomava certas atitudes sem antes fazer algumas consultas a determinados tipos de pessoa. Se o problema era com a educação do filho ou da filha, aí a conversa era com o professor (geralmente, o único da cidade). Sujeito respeitado pelos conhecimentos (Ah! Como as coisas mudaram), era sempre convidado para almoços e jantares das famílias mais tradicionais. E, na mesa, tinha lugar de distinção, perto do dono da casa. O gerente do banco (do banco, porque, outrora, em cidades pequenas, só existia, mesmo, o Banco do Brasil) era outro camarada também de muita importância, principalmente para opinar sobre os negócios. Comprar ou vender uma propriedade, sem antes falar com o “ome lá do banco”? Nem pensar! Pra esse aí, a maioria das famílias reservava a própria filha. Se o casamento fosse feito, pronto, o futuro da “rapariga” (no bom sentido, é claro) estaria garantido. É que o salário do “mardito” era alto e, por causa disso, sobrava sempre um dinheirinho para ser investido em propriedades (diria um bancário de hoje: “ah! Nesse aspecto, como as coisas também mudaram!”). Outro sujeito bem respeitado nas cidadezinhas de antigamente era o médico. Esse aí tinha tanta importância que opinava até sobre a vida sexual do dono da casa. De vez em quando vinha de lá um conselho: “compadre, hoje não. Espere pra outra semana”. Ou assim: “acho melhor o compadre dormir na sala durante esta semana, porque a comadre anda um tanto indisposta”. Ai de qualquer outro que ousasse dar um conselho dessa natureza. Era briga pra mais de um século. O delegado. Esse mesmo é que fazia parte da amizade “do peito” de muitas famílias antigas, principalmente dos “coronéis”. Vez por outra, fazia vista grossa para certas atitudes mais explosivas daqueles que detinham o poder.

Muito bem! Nosso causo de hoje, verdadeiro (pelo menos quem me contou jura que aconteceu mesmo), se passa com uma figura, que naqueles outros tempos, era não menos importante do que o professor, o gerente do banco, o médico e o delegado: tratava-se do padre! Esse tinha acesso a qualquer família, não importando a classe social. Rico ou pobre, todos recebiam bem o padre, considerado como um “santo homem”. Hoje, com os tempos mudados, os padres continuam com a própria importância, só que de uma maneira diferente. Nos dias atuais, eles não interferem tanto na vida particular das famílias. Deixaram de lado os interesses individuais e tratam mais dos interesses coletivos. Antigamente, o padre costumava visitar cada uma das famílias que compunham o seu rebanho. Se o caso fosse referente a famílias com “os burros na sombra”, isso é, muitos bois, grandes plantações, conta bancária polpuda, que pudesse alimentar as “obras da igreja”, aí, meu velho, a dedicação era quase que exclusiva. Mas vamos ao padre de nossa história.

Em Poções, cidade há pouco mais de meia hora de Conquista, existia um padre conhecidíssimo em toda a Região: o padre Honorato (que Deus o tenha). Homem bom, “quase santo”, diziam alguns. Respeitado por todos. Sempre aconselhando a quem dele esperava uma palavra de conforto. Mas o padre tinha um defeito, digamos,  “de fabricação”: surdo, como ele só, quase não ouvia o que se falava ao seu redor. Pra conversar com alguém, só encarando o interlocutor, isso pra fazer uma leitura labial, que lhe desse noção do que estava sendo dito, ou então, a solução seria falar alto, perto do ouvido do nosso querido Honorato. Pra ele era terrível conversar com aquelas pessoas que conversam cuspindo. “Saio com o ouvido todo babado”, reclamou muitas vezes o padre Honorato. Talvez, por isso, andava sempre “armado” com um lenço. Detalhe de surdez à parte, não há, na cidade, quem não se lembre da figura bondosa do padre Honorato. Batizado, nem se fala. Ele realizou mais de quinhentos (minha filha, Thaise, por exemplo, foi batizada por ele). Na vizinha Poções, cidade de Michele (pronuncia-se Miqueli), professor de Física – e dos bons, lá do Colégio Opção -, é difícil encontrar uma pessoa, com mais de quinze anos, que não tenha sido batizada pelo velho padre Honorato. Abençoar inauguração, era com ele mesmo, já andava com a garrafinha de água benta no bolso. Batizado, casamento e inauguração, o padre nem pestanejava, e o melhor é que nesses eventos a mesa era sempre farta. O padre Honorato (aliás, da mesma maneira que a maioria dos padres) não se continha, diante de uma mesa generosa. Sempre comia de tudo, e só ficava satisfeito quando o estômago estava “quase que saindo pela boca”. “Não me contenho. Cometo sempre o pecado da gula nessas ocasiões festivas”, lamentava-se o padre Honorato.  

E é justamente num desses dias de inauguração que acontece esse caso com o velho Honorato, padre da cidade de Poções. Conta-se que o prefeito de uma cidade vizinha havia convidado o padre Honorato para abençoar uma determinada obra, na festa de inauguração. É um domingo de festa, aniversário da cidade, dia do Santo Padroeiro. Gente que não acaba mais. Há muito tempo, não se via aquela multidão na cidadezinha, de pouco mais de dez mil habitantes. De tão satisfeito, o prefeito programou, em sua própria residência, um almoço de arromba, pára incontida satisfação do nosso querido padre Honorato. Na lista de convidados, mais de cem pessoas, das mais importantes da Região e do Estado. Até deputados fazem parte da lista de convidados. Puxa saco que não acaba mais. O padre Honorato, uma meia hora antes de ser servido o almoço, dá uma passadinha na cozinha e se empanturra com todos aqueles assados e cozidos. Como sempre acontecia, repetiu o prato, umas três vezes, no mínimo. A sobremesa também não escapa, duas porções (das grandes), pelo menos, são devoradas em questão de segundos. Satisfeito (e de barriga cheia), o Padre resolve procurar um lugarzinho pra se escorar. Puxar o velho e saudável cochilo.  Ao passar pela sala, onde estão todos os convidados, vê que o prefeito (acompanhado dos políticos) caminha em sua direção e de braços dado com uma senhora, que só poderia ser a primeira-dama. O padre pensa: “Já que todos estão se dirigindo à mesa do almoço, ele só pode vir me chamar para acompanhá-lo e almoçar novamente”. O prefeito, ao chegar diante do padre, diz:

– Padre Honorato, eu queria lhe apresentar a minha esposa.

O padre, sem ouvir quase nada e pensando estar sendo convidado pra almoçar, responde:

– Oh, meu filho, já comi muito. E mais de uma vez. Estava tão gostosa que até repeti.

A mulher do prefeito (a senhora em questão) sentiu as pernas lhe faltarem. Estava à beira de um desmaio. O prefeito, “desconcertadíssimo” perante seus convidados e achando aquilo um mal-entendido, insiste:

– Padre! Essa é minha esposa!

O padre, dirigindo-se à saída da sala, repete, em alto e bom som, para todos ouvirem:

– Meu filho, se você quer saber, confesso, comi três vezes. Agora, comer de novo, não. Não insista, estou satisfeito!

 


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