Paulo Ludovico
Esta semana vou contar um casso que se “assuscedeu” comigo. Eu morava em Salvador e voltava pra casa, depois de um Bahia X Flamengo, na Fonte Nova. Ou seja, o caso não se refere ao jogo, mas ao que aconteceu depois do jogo. Estávamos no finalzinho da década de 70 ou início da de 80. Eu cursava Engenharia Civil. Começava, também, minha carreira de professor, ensinando Matemática em várias escolas da capital do Estado. Entre outras, no Curso e Colégio Águia, no Radar, no Curso e Colégio Laser. Minha vida se resumia em estudar e dar aulas. Fazia um ano, mais ou menos, que havia me casado. Algumas vezes, ia a uma academia de judô, fazer exercícios e treinamentos, já que eu era faixa-preta. Hoje, meu filho Thiago é quem se dedica ao judô. Ele é faixa-preta, 2º dan, isto é, um segundo estágio da faixa-preta.
Praticava judô (deixei há cerca de 30 anos), mas o esporte que sempre gostei (e gosto) de “apreciar”, a exemplo da maioria do povo brasileiro, é o futebol. Sou flamenguista (aliás, ser flamenguista é uma dádiva), desde a época que o time formava com Marco Aurélio (que depois jogou no Bahia), Murilo, Onça, Manicera e Paulo Henrique, Carlinhos e Nelsinho (depois Liminha) Luis Carlos, Fio Maravilha, Silva e Arilson (esse também jogou no Bahia). Mas o grande Flamengo que vi jogar foi o das décadas de 70/80. Esse time, todos tinham a escalação na ponta da língua: Raul, Leandro, Mozer, Marinho e Júnior; Andrade, Adílio e Zico; Tita, Nunes e Lico. Com essa formação (com algumas variações) fomos Campeões Brasileiro (perdi a conta), Campeões da Libertadores e, em 1981, fomos Campeões do Mundo, em Tókyo, 3 a 0 no Liverpool, da Inglaterra, que acabara de ser Campeão Europeu.
Essa história que conto hoje aconteceu no início dos anos 80. Iam jogar, na Fonte Nova, em Salvador, o meu Flamengo e o Bahia, do meu amigo Daniel Nogueira. Não, esse Bahia de hoje, mas o poderoso Bahia. Aquela equipe que, entre outras coisas, ostentava, garbosamente, o apelido de Esquadrão de Aço ou de Campeão dos Campeões. Acho até que me lembro da escalação, era assim: Butice (um argentino), Edinho, Sapatão, Roberto Rebouças (depois Zé Augusto) e Washington Luis (substituiu a Romero); Baiaco, Léo Oliveira e Fito Neves; Tirson (que recebeu do radialista Juarez Oliveira, o apelidado de Chiquitinha), Douglas, e um ponta esquerda (já houve isso no futebol) infernal, chamado Jesum. Vi vários BaVis de arrepiar. Vi, também, no finalzinho da década de 70, o time do Vitória (que entre outros tinha o driblador Mário Sérgio, o baixinho Osni e o centro avante André Catimba) bater, por 1 a 0, o Santos de Pelé e Carlos Alberto Torres, o Capitão do tri de 70. Mário Sérgio, com um drible mágico, deixa o Capita sem “pai e sem mãe”, cruza, com uma perfeição milimétrica, na cabeça de Almiro, que, com um toque certeiro, vence (inapelavelmente, dizia Jorge Cury, saudoso narrador da Rádio Globo) ao goleiro santista. Naquele dia, a Fonte Nova tremeu. Saudosismo à parte, vamos ao Bahia X Flamengo, de nossa história de hoje. Ou melhor, ao que aconteceu depois do jogo.
Como era mesmo de se esperar, o Flamengo não tomou conhecimento daquele poderoso Bahia, que no banco de reservas tinha, entre outros, o cabeça de área Paulo Rodrigues, o meio campo Emo e o atacante Beijoca. Flamengo 3, Bahia 0, os três gols, de Zico. Na saída, perto da meia noite (acho que era umas onze e meia), querendo ganhar tempo, subi, a pé, a ladeira da Fonte Nova, pra “pegar” o ônibus na Praça da Sé (uma espécie de Lauro de Freitas em Conquista, de onde partiam os ônibus para os bairros). Seria uma meia hora de caminhada, tudo para ir sentado, já que da Fonte Nova, no Centro da cidade, até onde eu morava, no Largo de Amaralina, seriam, no máximo, uns 40 minutos de ônibus. Havia andado uns 4 minutos, quando avistei um ônibus que trazia, na bandeira, como indicação do trajeto, Praça da Sé, Pituba, via Fonte Nova. “Esse é o meu ônibus’, pensei com alegria, pois me evitaria uma caminhada até o terminal de ônibus. Olhando “de cá de baixo” o ônibus estava vazio. Ao passar por mim, o motorista, com uma inesperada compreensão, aliviou o pé, o suficiente para que eu entrasse no “mardito”. Não tinha lugar para se sentar, estava tudo tomado. Em pé, só eu. Mas, à medida que se aproximava da Fonte Nova, fiquei com a impressão de que havia entrado (invadido) no coletivo toda a torcida do Bahia. Novamente, pensei: “Ainda bem que, na última hora, resolvi não vestir a camisa do Flamengo”. Quando não cabia ninguém mais, avistamos (já passando pela ladeira da Fonte Nova) metade da charanga do Bahia, que também, pareceu-me, com o propósito de entrar naquele ônibus. E, pra minha infelicidade, acertei, entraram todos eles. E cada um com seu instrumento (musical, claro!): cornetas, tamboris, timbaus e os “cambaus”. E já chagaram fazendo o maior barulho. Os que estavam no interior do ônibus (só não eu) queriam, a todo custo, mostrara que eram exímios sambistas. Em alguns deles, cheguei a pensar que a cabeça iria se descolar do pescoço. O calor, que já era ‘escaldante”, ficou mais ainda. O deserto do Saara, ao meio dia, seria ar condicionado, perto do clima que “reinava” naquele ônibus. Num determinado momento, do teto do coletivo, começaram a cair uns pingos, parecia uma espécie de panela de pressão, com a tampa toda suada, tal era o calor. Mais uma vez pensei: “Meu Deus! Até o ônibus está suando”. Meia hora depois, havíamos percorrido menos de 1 quilômetro (em volta do dique do Tororó), o engarrafamento era gigantesco. Os rapazes (uns 10) que estavam perto de mim pareciam ter 2 metros de altura, cada um (por um momento pensei se tratar de um time de basquete americano). Era cada “guarda roupa”! De repente, ouvi um espirro, vindo de perto do chão. Procurei o autor do danado e depois de alguns segundos, percebi que se tratava de um anão que, inadvertidamente, ousou entrar naquele “busú”. O rosto dele estava a centímetros (milímetros eu diria) da região glútea de um imenso afro-descendente. Talvez, o pequenino homem tenha espirrado como defesa, depois de sentir os desagradáveis efeitos dos acarajés ou abarás (5 ou 6), devorados no intervalo da partida, por aquele rapaz de mais de 1 metro e 90 de altura. É que o espirro do anão se fez seguir de uma cara pra lá de feia (aquela cara que fazemos quando a coisa não cheira bem). Se não fosse o calor (que já deixava a roupa grudada no corpo) e o mal estar, teria rido à vontade pela difícil situação (e posição) daquele pobre anão. Ele, ainda que desesperadamente tentasse, não conseguiu sair daquele incômodo lugar, tal era o aglomerado de torcedores, sarados (para desespero de alguns, inclusive o meu), trajando só bermudas. Do corpo de cada um deles, escorriam “cachoeiras” de suor. A partir de um determinado momento, e durou quase a viagem inteira, entre eu e um daqueles jovens, só havia a minha camisa (impregnada de suor, meu e dele). Para minha sorte (e graças a Deus), nós estávamos de costas um para o outro. Até hoje, não sei como consegui me deslocar pra perto da porta de saída (que naquele tempo era, a da frente). É que nesse deslocar percebi que meus pés estavam a alguns centímetros do chão (um palmo, talvez). Ou seja, fui literalmente carregado por aquele povo, que no meu entender já se tratava de multidão. Ainda que eu não quisesse ir, fui. De repente, um passageiro que ia descer (aliás, infelizmente, um dos dois únicos que desceram, antes do meu ponto, em Amaralina) disse: “Motorista, pare o coletivo que vai descer um viado”. Já no chão, gritou: “Leve os outros”. A gargalhada no ônibus só não foi geral por que eu, tamanho era o desespero, não esbocei a menor expressão que lembrasse riso.
Esse sofrimento já durava uma hora e meia e estávamos longe de casa. Ah! O anão? Nunca mais o vi, nem depois daquele espirro. O segundo e último passageiro que desceu antes de mim, tratava-se de um cara alto e magro (tão magro que conseguiria, se tentasse, passar entre um e outro passageiro). Só que ele não fez isso, passou por cima de todos e com uma cara de sofrimento de dar dó. E lá se foi ele, como se estivesse nadando (juro que foi verdade!) por cima da cabeça de todos. Naquela altura, nem os 3 a 0 do Flamengo deixavam-me alegre. Só não chorei, com vergonha. Acredite, era pouco mais de uma da manhã, quando consegui chegar ao meu destino. Ao descer, tirei a camisa, e sem desabotoar, isto é, arranquei-a, encharcada de suor (meu e daquele afro descendente gigantesco), e a joguei fora. “Ainda bem, pensei mais uma vez, que não era a do Flamengo”.
Naquela época, não havia celular, por isso, quando cheguei em casa, tive de acalmar minha mulher, que sofria preocupada. Aliás, sofremos os dois, eu pela infeliz idéia de “pegar” aquele ônibus, ela, pela minha demora de chegar em casa. Depois disso, fui a alguns jogos na Fonte Nova, do próprio Flamengo e de BaVis (pelo campeonato Baiano e Brasileiro). A todos eles, ia de carro, ônibus, nunca mais. É que não sou louco e nem tenho a memória curta. Por causa desse episódio, hoje, prefiro os jogos pela TV.
Uma Resposta para “Um Flamengo e Bahia, pra lá de inesquecível”
Daniel Filho
Show, Paulão ! Vascooo