Por Marco Antônio Jardim
Tem lugares que lembram vida, histórias, caminhos. Lembram destinos inteiros. Cenas de filme em preto e branco também. Uma brisa que passou pela janela. Amores, amigos, afeições. Tem lugares que são a cara de alguém. Que estão descritos em livros, mesmo os que ainda não foram publicados. Lugares que foram fotografados numa viagem inesquecível. Lugares que se sonha e outros que a gente transforma em quadro com moldura azul. Tem outros que a própria vida vai fazendo. Uma rua, uma casa, uma praça, uma praia. E até uma cidade inteira de memórias. Mas de todos os lugares bons, o melhor é aqui e agora, lembrou Stela, citando Gil. É desse que não quero esquecer. Mundo que penso e que busco por formas novas. Saí da pupa da Pedra do Sal, lugar de bambas, aos pés do Morro da Conceição, na Gamboa, e desci pra cortar o cabelo, jogar pra trás, mostrar o rosto inteiro.
Preciso de pele nova, marrom. Pra refletir algum dourado do creme de damasco. Pra interagir, fluir, ouvir o cantar de galo que diz que o tempo passa e o mundo também. Atravessar a estrada do próprio instante. Aí a gente abandona roupas usadas e veste valores. A gente esquece os mesmos lugares e busca um caminho distinto. A gente abre os olhos e só fecha ao bom descanso. É o tempo de travessia. Primeiro numa vila, na Lapinha, depois Belo Horizonte. E aí o destino que liga Minas ao porto, ao mar. Mundo inteiro azul esse. O short jeans, velho, desbotado, bom de usar. Mundo livre esse há. E ser livre é, em meio à angústia da saudade, calar pra ouvir “Summertime” no folhetim. É o centro de Tóquio calado no tempo, talvez 75. É ver trens, aviões e nuvens passando. Dá pra ver a lua cheia a olho nu. Artistas, malucos-beleza, famílias inteiras em busca de encontros transformadores, únicos. Mundo resistente esse. O da força da alma em não ceder à falta de ar. Estou falando de Kiki Joachin. De viver como se não houvesse mesmo o amanhã. De comer o doce predileto, abraçar um cachorro, fazer foto com quem se gosta, batizar estrelas com o próprio nome, acreditar que uma partícula pode explicar o mundo. Mundo de símbolos esse. De eternidade, enchendo a graça da gente de esperança tardia. Mundo de alarde. De topless em St. Bart. De Cris com esmalte fluo. De Dorgi em lítio e entropia hipster. De Mickey e Mallory em “Natural Born Killers”. De Dalila atravessando uma faixa de pedestres. De Etiópia, regime híbrido, museu de povos, novela meio esquecida. Mundo inesperado esse. O sumiço de Alex O. e o sorriso de Alex O. num fim de semana em Santo Amaro. Mundo quente esse. Bom de chupar picolé Capelinha no Solar do Unhão e desapegar, como Nalim costuma sugerir. Ela que chegou, abriu portas e janelas, e foi. Minhas irmãs também vão. Meu filho vai. Pra onde vou? Fico tão cheio de saudade que qualquer beijo de cinema me faz chorar contido, meio que escondido pra depois aliviar. Se eu dominasse esse mundo, cada dia seria o primeiro do verão. Cada coração teria uma canção predileta. Toda manhã a alegria nasceria repentina. Esse mundo seria um lindo lugar para se tecer sonhos e sorrisos nos rostos vistos. Em cada céu, um por-do-sol. E garças brancas no amanhecer. Sem sombras de esquecimentos e árvores alheias. Mundo pra se ver gente, regar plantas, amar rosas e preparar-se ao infinito, ao mar. Um dia, num mundo saudoso assim, a gente aprenderia a amar.