Comendo, só, carne branca

Por Paulo Ludovico

Existem muitos camaradas gozadores. Aqueles, para os quais, a vida é uma grande brincadeira. Eles estão eternamente felizes e, na ponta da língua, hospeda, sempre, uma piada pronta, de tudo e de todos. É aquele tipo de sujeito que passando (com a nova namorada) em frente ao boteco onde tem uma conta pendente, o proprietário do estabelecimento, aproveitando-se da oportunidade para cobrar a dívida, diz, bem alto:

– Amigo! Aqui tem três cervejas suas!

Ao que, prontamente, recebe a resposta:

– Guarde, que mais tarde passo pra bebê-las!

É esse tipo de cara que vai protagonizar nosso causo dessa semana. Ronaldo! O velho e bom Ronaldo, vendedor de carro. Ele já trabalhou numa concessionária em Conquista e hoje trabalha numa dessas lojas especializadas em veículos usados.

As gozações de Ronaldo não respeitavam hora e nem local. Certa feita, fomos visitar um amigo que acabara de se submeter a uma delicada cirurgia. As dores, causadas pelos cortes já se faziam presentes. Isso é que se supunha, pela cara que esse amigo fazia, quando despendia qualquer esforço. Sorrir, nem pensar, era motivo de dores, “quase que insuportáveis”, dizia ele.

Ronaldo e eu, ao adentrarmos ao quarto, vimos a esposa, a mãe e a filha desse nosso enfermo amigo. As três, obviamente, com aquela fisionomia de dar dó, estavam preocupadas com a saúde e restabelecimento do recém operado. Ronaldo, acintosamente e sem se importar com o sofrimento das mulheres, tira uma fita métrica do bolso e começa a medir o deitado e inerte amigo (altura, largura e espessura). O doente não se continha. Fazia mil caras, num esforço supremo para não sorrir. O gozador, alheio a tudo e a todos continua com sua tarefa “meditória”. Não satisfeito, tira um bloquinho de notas e começa a fazer suas anotações. A dona do doente, ou melhor, esposa, dirige (já com o tom reprovador) a seguinte pergunta, em direção ao “medidor”:

– O que o senhor está fazendo?

Ronaldo responde:

– Estou conferindo o tamanho dele.

Ela perguntou:

– E prá que?!!!

Ele respondeu:

– Prá encomendar o caixão. E nas medidas certas!

Por pouco, as três mulheres não nos expulsam do local. Acho até que só não o fizeram por causa da expressão de reprovação que consegui aparentar em minha fisionomia.

Pois bem, esse é o nosso querido Ronaldo, autor de inúmeras situações hilárias, como, por exemplo, essa outra, que vou contar hoje.

Há cerca de 20 anos, estávamos num churrasco em Jequié, em comemoração ao aniversário do pai de um nosso amigo comum ou aniversário de casamento dos pais desse nosso amigo, que era de cor negra. Compúnhamos uma caravana (saudosos tempos), com cerca de 20 pessoas. Ronaldo, muito prestativo e pensando ser o melhor dos churrasqueiros (coisa que ele pensa ser até hoje), tal como se estivesse possuído pelo espírito de um gaúcho, começa a servir o suculento churrasco. Nos espetos, as chamadas carnes nobres, para tal ocasião (fraldinha, picanha, alcatra, filé ao alho e óleo, grelhado disso, daquilo, coração etc. etc. etc.) Lá vai, rodeando a mesa de nosso grupo, o velho Ronaldo, cortando generosíssimos pedaços de carne. Serve a um, a outro, faz uma observação dali, diz uma brincadeira acolá. De repente, para diante da esposa de nosso amigo (o de cor negra, filho do homenageado), arma-se do mais franco e simpático sorriso que foi capaz de esboçar, faz o tradicional gesto (levantando o espeto e a faca) para cortar a carne, ao mesmo tempo em que pergunta:

– Fulana, vai um pedacinho. Está irresitível!

A mulher, que estava ao lado do negro esposo, com uma cara de nojo, olha para a “pingante” carne e diz:

– Ronaldo, fique você sabendo com só como carne branca!

Ato contínuo a essas palavras ela se vira pro outro lado.

O velho Ronaldo, que perde o amigo mas não perde a piada, sai com essa, apontando para o marido dela:

– Só carne branca? É? E esse “negão” aí, você não está comendo mais não!    


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