Por Paulo Ludovico
Da mesma maneira que todo brasileiro (ou pelo menos a maioria deles), gosto de futebol. Sempre me pergunto qual o motivo dessa paixão. Como alguém pode gostar de um esporte onde 22 homens correm atrás de uma bola, assistidos (de dentro do campo) por um que corre de um lado pra outro, com um apito na boca? Esse (o do apito), além de não poder tocar na bola, pára o jogo a todo tempo, sob o pretexto de uma irregularidade qualquer que, em muitos casos, só ele viu. Mas, é mesmo assim, como todo gostar, esse, também, não tem explicação. Gosto e pronto! Gostar ou não gostar não importa, o que importa é que o caso dessa semana aconteceu na próxima (e próspera) cidade de Anagé e envolvendo, justamente, um jogo de futebol. Ou melhor um jogo qualquer, não. Um clássico regional. Um clássico de lascar! Vaquetal X Pé do Morro.
Estava eu lá, curtindo as deliciais “barragianas” (isso é, à beira da barragem), quando, de repente, um amigo me fez o seguinte convite: “Tem um menino aí, de 12 anos. Dizem que o danado é bom de bola. Vamos conferir?” Era um domingo, perto de 10 da manhã, meio a contra gosto, deixei (momentaneamente) aquele paraíso e fomos assistir às peripécias do futuro Neymar (pelo menos é o que profetizam dele).
Depois de andar (de carro é claro) cerca de 20 minutos (numa estrada que quem fez pensou que carro tem pernas, em vez de rodas), e depois de vários sacolejos e solavancos, chegamos ao palco do embate futebolístico. O evento iria acontecer numa região alcunhada de “Pé do Morro”. Claro que, o lugar ficava no pé de um morro, que só consegui enxergar depois de algumas explicações, insistentes (no início) e ferozes (mais no final). Meu pai dizia que “boi em curral estranho, até as vacas batem nele”. Dessa maneira, sendo um estranho no local, dei por encerrada a discussão e passei a concordar com a idéia de que aquilo que me apontavam ao longe se tratava de um morro, sim. E não um “morrinho” qualquer, passei a achar que estávamos diante (ou no pé) não só de um morro, mas de uma cordilheira inteira.
De longe, vi alguns meninos de idade que variavam entre 12 e 18 anos. Todos, divididos em dois grupos, fazendo aquecimento. “Pra esticar as canelas”, justificaram alguns. Fiquei sem entender, pois, a expressão “esticar as canelas” que eu saiba é morrer, passar desta para uma melhor. Claro que fiquei calado, sem qualquer intenção de criar outra polêmica. Mesmo porque se as canelas eram deles, que a usassem como bem entendessem (esticadas ou encolhidas).
Fiquei sabendo que ali ia ser disputado um clássico regional: o poderoso Vaquetal Sporting (em perfeito inglês) Club (que se pronuncia “calub”, meio “aviadado”) X o não menos poderoso, Associação Atlética Pé do Morro. Por um momento, pensei: “porque não colocaram no nome, Association (também no puro inglês). Já pensou: Vaquetal Sporting Club X Foot of the Mount Atletic Association. Mas, para simplificar, o clássico seria entre Vaquetal (não sei o significado) X Pé do Morro. Um jogo de fazer inveja àquele Santos (de Neymar) X Flamengo (de Ronaldinho), pelo Brasileiro do ano passado.
Depois de um exaustivo aquecimento (pelo menos fiquei cansado só em olhar), o técnico de cada um dos times distribui as camisas. Os meninos menores eram, literalmente, engolidos pelo uniforme. O calção parecia mais uma calça que encolhera. Os atletas recebem, de seus respectivos treinadores, as últimas instruções. Eu, que estava perto de dos times, ouvi quando um dos técnicos chama um garoto, dos menores, e diz, com a pior cara que ele poderia esboçar: “Frieira (o apelido de menino era Frieira, pode?) faça uns dois gols, senão, em casa, o cinturão vai comer”. Entendi que o técnico só poderia ser pai do menino. Confesso que fiquei com “pena” do garoto. “Franzino daquele jeito, como ele conseguiria fazer gol”? Pensei cá, com meus botões.
Antes de falar do jogo em si, o campo (que obviamente não era gramado) merece alguns comentários. Tratava-se de um morro. De uma grande área subia-se até o meio de campo e, a partir daí, até a grande área adversária, era um descida que, de tão íngreme, deveria ter uma placa: “atenção verifique os freios”. Poderíamos dizer que, de uma trave, um goleiro não via o outro goleiro. É que, o “morro” estava no meio. O que me levou a deduzir que o jogo não seria no Pé do Morro e sim em Cima do Morro. Para um dos goleiros saber se acontecera gol, só pela reação da torcida. Aquele HUUUUU!!!! Quer dizer: PASSOU PERTO!!!
Depois do apito do juiz (que era um assovio forte, com os dois dedos indicadores na boca), começou a peleja. Êpa! Cadê o juiz? Procurei sua senhoria, o árbitro, por toda parte, geralmente, vestido de preto (ou de outras cores, como se vestem os juízes atuais) e não o vi. Só depois, é que entendi a razão de minha “cegueira”. É que o goleiro de um dos times era o juiz. Perguntei: “e esse juiz, marca direito?” Ao que responderam: “tem de marcar, porque, no segundo tempo, o juiz é o goleiro do time adversário”. AAAAH! Foi tudo o que consegui balbuciar.
Lá pelos 10 minutos de partida, vi um menino (o que fora ameaçado pelo pai) descer numa velocidade espantosa, de dar inveja a atleta, corredor de 100 metros rasos. Os toques na bola eram curtos e rápidos. Não sei se a bola era grande ou se o garoto era pequeno, porque, de longe, só conseguíamos enxergar-lo da metade da coxa, pra cima. A velocidade daquela pequenina figura era tamanha que só poderia ser por um dos três motivos: primeiro – o guri é mesmo veloz, segundo – a descida, do meio campo até a área, é tão íngreme, que ele não consegue frear ou, terceiro – o medo do pai seria a razão de tanta velocidade. Claro! O menino era o velho Frieira. Naquela velocidade toda, e apesar dela, ele dá um toque por cima do arqueiro (nome antigo que se dava a goleiro) domina a bola na frente, há cerca de dois metros do gol, e empurra sutilmente a danada para as redes. Depois de uma acrobática cambalhota (de deixar Diego Hypólito de água na boca), sai numa comemoração que misturava os estilos de Ronaldinho Gaúcho e de Neymar (essas danças malucas de hoje). Um torcedor, evidentemente fã do pequeno Frieira, claro, comentou: “esse menino é bom de bola, é canhoto, mas chuta com as duas pernas”. Arrisquei comentar: “amigo, com uma perna de cada vez, porque se chutar com as duas, inevitavelmente, ele cai”. O meu interlocutor, sem entender a brincadeira, dirige-me um olhar pouco amigável, o que, imediatamente, fez minha atenção voltar para o jogo. Prometi, silenciosamente, evitar, dali em diante, qualquer tipo de comentário.
Já no segundo tempo, lá no pico do morro (ou seja, no meio do campo), desponta um garoto com um perfeito domínio de bola. Com uma ginga de corpo, deixa dois zagueiros sentados (só ouvi o seguinte comentário de um nativo: ”ele fez que não foi e acabou fondo”). De novo era o velho Frieira. Já dentro da área, ali pela marca do pênalti, e, no contra pé do goleiro, o menino toca no canto, fazendo o segundo gol, dele e da partida. Pensei: “é, dessa vez o cinturão do treinador vai ficar sem comer”.
Terminou o clássico. 2 a 0 para o time do “Frieira”. Pelo sorriso do meu amigo, entendi que “Frieira” era exatamente o guri de 12 anos, que nos fez deixar, momentaneamente, as mordomias ”barragianas”, para ver, de perto, aquele clássico ”anageense”. Eu já soube até que ele, com outro nome, evidentemente, já está treinando no time do infantil do Serrano.
“O que Frieira vai ser? O tempo é que vai dizer”. O certo é que, naquele domingo, o pequenino atleta saiu de campo nos braços da galera.