Pílula aa Dolce Far Niente – Número 40

Por Marco Antônio Jardim

O sociólogo italiano Domenico De Masi deveria voltar a ser influência dos meus dias. Destes que me disponho a responder a mandriice alheia. Se me consultam é para perguntar quem tem pé de abacate, piscina inflável ou cão sem dono. Indagações sem aparente coerência, como os riscos que faço na palma das mãos e que termino por manchar as roupas claras. Minha medida de duração de tolerância está entre passar pela ponte de casa, em dia claro, e chegar ao observatório da solidão na madrugada semivazia. De um lado a outro, a abulia tem dois mistérios: o da poesia e o daquele que a lê, com as devidas interseções. Daí começo a me vestir de pedaços de panos velhos, para alegria de Raquel. Naturalmente que não estou falando do traje Calvin Klein que vesti no casamento do meu irmão, porque este provoca certa culpa. Nem das roupas neutras dos dias de sábado, vestes que não são ácidas nem básicas.   Falo é de me vestir independente, feito ócio criativo. Com um pouco de recato, claro, porque é uma questão de conservação. Dizem que ando mais careta, chupando bala soft, ouvindo Sade, soul, jazz. Outros dizem que quero ser notado, não exatamente amado. Todas notícias de botequim. O que desejo é a junção de certo ar de naturalidade e outro punhado de liberdade. Into the wild. Minha esperança é que voltem a declarar (e difundir) o saudoso hábito do bom gosto. Seria uma ideal e suave indolência, meu dolce far niente. Algumas cenas me ocorrem, corroborando esta sensação: Luan de preto na webcam, Ros vestindo uma boneca pin up, Guto elogiando as vicissitudes da vida, os sorrisos de Mila e Breno no altar, o abraço leve de Jardel, o beijo de Di em sonho e Ana Paula, às 5h, numa esquina fria, falando sobre o suíço Stephan. Saudade de certa juventude e de mim mesmo assim tão frugal. De escrever em meu velho moleskine no topo da montanha. De alguma essência entre o sopro do dia e outro do crepúsculo. De ser célebre pelo que sou, não pelo que visto. De caminhar despido. Chamam tudo isso de geração schuffle, mas estou mesmo é retirando a roupa toda, retrô ou vintage, pra caminhar cantando, pensando nas invenções dos séculos. Cinema, rádio, avião.

Cena de "Into The Wild"

Foguete, biquíni, psicanálise, comunicação. TV, carro, globalização. Amor. Tiro a roupa porque fico me perguntando sobre certo torpor de minha essência, bem-estar, conforto e equilíbrio. Tirei a bermuda utilitária sem grife, a camiseta verde com estampa de estêncil, a cueca de listras e ando nu. Se criarem um jeans humanizado e eu perceber que estou, de certa forma e fato, transformado, volto a me vestir. Por enquanto, vou revolvendo a memória e fico tentando entender o que aconteceu pra eu digerir. O presente soa como um país estrangeiro, muito bem postado em seu terno cortado de viés em morno tom de azul. Meu irmão casou e me perguntam se não farei o mesmo. Sorrio em canto de boca e digo que, quem sabe, um pouco mais ao sul do tempo, depois de rodar o mundo. Sou só um cara jovem, de trinta e poucos anos, em que a única extravagância é ficar nu. Minha impressão de futuro é olhar o horizonte do alto, por vezes com um cigarro aceso, sem a pretensão de ser antena do futuro. “O futuro não será dos velhos cardeais, nem dos velhos políticos, nem dos velhos magistrados, nem dos velhos policiais. O futuro pertence aos jovens”, escreveu o cineasta Pasolini em 1973. Eu sou, então, esse passado desataviado e um futuro, quem sabe, desarmado, desafetado. Nu e cru: sem disfarce.


Uma Resposta para “Pílula aa Dolce Far Niente – Número 40”

  1. Cássio Montalvão - Psicólogo/Psicanalista

    Gosto da forma como ‘Marquinho’, traduz existencialidade em crônicas… Penso que, em dias onde 10% dos que planejam ler, venham a entendê-lo, estarão atendendo a uma ordem de chamamento que de frugal nada tem, menos ainda carece de rótulos temporais algum.
    Suas falas grafadas neste e n’outros blogs, ecoam em amplos e difusos ares…
    Aos que conseguirem bebericar, beberiquem, aos que não, quiçá permitam-se respirar mais, crer mais, ler/ver/ser mais sobre e, por to(L)dos, posto que pílulas nem sempre resolvem, especialmente ao que não é de ordem especular.

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