Acham que é mentira

Por Jeremias Macário

Tem gente que ouve o galo cantar, mas não sabe aonde. Tem gente que ainda acha que é mentira que o homem pisou na lua, como não acredita que houve torturas e horrores nos porões da ditadura civil-militar. Por falta de leitura e pesquisa, essa gente sai por aí falando e escrevendo coisas deturpadas que simplesmente ouviu da boca de outras pessoas que também não se aprofundaram no assunto. Nos últimos tempos tenho acompanhado e lido na imprensa escrita, principalmente, uma enxurrada de “comentários” desinformados da parte de leitores sobre os anos de chumbo da ditadura civil-militar. Usam a raiva para combater os que defendem a comissão da verdade e ainda acham que os pesquisadores estão enganados e nada sabem. A primeira impressão que dá é que se trata de uma campanha orquestrada da direita conservadora para apagar a luta da esquerda no Brasil contra o regime da época (1964-1985, ou até 1988 ou 1990 para alguns estudiosos). A outra impressão que fica é que se trata mesmo da falta de conhecimento (a pessoa não sabe aonde o galo cantou). É um quadro perigoso e preocupante. 

Ainda tem gente que não acredita nas denúncias de corrupção e sai dizendo por aí que é tudo mentira da mídia elitizada contra o governo. Tem gente que ainda acha que comunista come criancinhas e mata os idosos para fazer sabão.

No caso da ditadura, que teve total apoio da classe média e até foi financiada pela burguesia, tenho lido afirmações e ouvido opiniões a favor dos torturadores criminosos, que me deixam estarrecido e assustado. São posições contrárias ao levantamento da memória, repetindo o formato dos militares da linha dura de que o movimento não passa de revanchismo da esquerda “terrorista”.

Ao se referir à situação atual de violência, aos desmandos das “autoridades” e ao quadro de impunidade, infelizmente, ainda tem gente que sai por aí pregando que se fosse na ditadura as coisas seriam diferentes. Essa gente não tem nenhuma noção do que foi a repressão militar e a falta total de liberdade e dos direitos civis.

Sobre declarações ameaçadoras de generais contra a comissão da verdade (boa parte dos arquivos já foi queimada e destruída), um estudioso afirmou num artigo no jornal que não existe mais ambiente para quaisquer tentativas ilegais das Forças Armadas. Completou que apenas existem manifestações aqui e ali do pijamato militar, que não conta.

Em parte, discordo dessa análise, mesmo porque a ditadura de 1964 começou com esse tipo de ensaio a partir do suicídio de Getúlio Vargas, em 1954. Engrossou no final dos anos 50 e início dos anos 60, e foi deflagrada por um general de pijama, Olímpio de Mourão Filho.

Portanto, devemos continuar sempre vigilantes. Até hoje, depois de quase 30 anos, os militares linha dura continuam mandando ameaças. A culpa maior disso está nos governos eleitos democraticamente, inclusive de esquerda, que por falta de coragem, optaram por não investigar e punir os crimes cometidos durante o regime. Não fizeram como os governos do Uruguai, Argentina e do Chile. Enquanto o tempo vai passando, a memória vai se apagando e ficando mais difícil eliminar de vez essa sombra que nos aterroriza.

Um exemplo de retrocesso foi a decisão lamentável do Superior Tribunal Federal, ratificando a Lei da Anistia tal como foi concebida em 1979, isto é, beneficiando também os torturadores e executores que praticaram crimes e não ação política de guerra.

Como esses criminosos e sequestradores podem ser anistiados, se nem foram julgados como foram as organizações de esquerda? Se era uma guerra, os presos políticos deveriam ser tratados como tal, isto é, conforme reza as convenções internacionais, e não esquartejados, estuprados e torturados barbaramente nas casas dos horrores. A anistia foi imposta quando o regime estava dividido e apodrecendo.

“Conquista Cassada”

Mas, para muita gente, tudo não passa de mentira e invencionice. Desaparecimento de corpos é mentira, e nem mesmo a ditadura existiu. Para essas pessoas, recomendo ler e pesquisar profundamente sobre o assunto como venho fazendo há quase cinco anos na elaboração do livro “Uma Conquista Cassada”, sobre como se deu a ditadura em nossa cidade.

A obra está praticamente concluída para ser publicada, mas, infelizmente, depois de tanto sacrifício, sofreu solução de continuidade por falta de recursos e apoio. A luta é enorme, mas não vou desistir do objetivo porque tenho certeza de que é uma trabalho valioso para nossa história, apesar da pouca leitura, principalmente da nova geração, o que é muito triste.

Para essa gente que ainda sabe onde o galo cantou, recomendo ler os livros “Brasil: Nunca Mais”, organizado pelo Conselho Mundial das Igrejas, “O Baú do Guerrilheiro”, Ottoni Fernandes, “Combate nas Trevas”, Jacob Gorender, “1968: O Ano que não Terminou”, de Zuenir Ventura, “Os Carbonários”, Alfredo Sirkis,”…dos filhos deste solo…”, Nilmário Miranda,” Operação Araguaia”, Taís Morais e Eumano Silva, “Caparaó”, de José Carlos Costa, “Autópsia do Medo”, Percival Souza, a coleção de Hélio Gaspari, as obras de Emiliano José e tantas outras.

O assunto é muito amplo, mas só uma observação para finalizar. Infelizmente, as novas gerações não têm noção sobre o que foi a ditadura. Para reavivar nossa memória e prevenir a juventude para que ditadura nunca mais no nosso país, deveria haver nas escolas públicas e particulares uma disciplina específica sobre o tema. Lamentavelmente, esse episódio de terror está se diluindo aos poucos, não passando hoje de uma simples menção dentro dos livros de História do Brasil.


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