Seca, lixo, fogo, energia e destruição no Sudoeste

Por Jeremias Macário

Em “O Sertão Chora”, canta meu companheiro e amigo Wilson Aragão, lá das terras da minha querida Piritiba. Na canção, ele diz que as mulheres morrem de parto na mão de uma parteira. Vem a chuva e nada melhora. As escolas desmoronam… As criancinhas engrossam o exército da ignorância…Lembrei da sua canção de lamento e protesto quando viajava semana passada para Guanambi, numa visita ao meu amigo jornalista catingueiro João Martins, da revista “Integração”, que logo completará 20 anos de circulação. Denuncia o cantor e compositor, que o povo é escravizado no açoite do couro cru.  No sofrimento, os sertanejos nutrem a esperança de um milagre de Jesus. A seca que abate a gente e tira a comida da mesa… O sertanejo resiste como pau Pereira. Na seca politicagem, os homens são tratados como se fossem boiada, e a vida nada vale – brada a voz de Aragão.

   Fala ainda o cancioneiro, de um seio sem leite, mucho, e reclama que o governo nega a semente para semear, e o latifundiário nega a terra para plantar.  O canto de Aragão é triste e penoso. Mais de mil municípios nordestinos perderam suas safras e, na Bahia, dos 417, mais de 200 estão em situação de calamidade.

     Seu Olinto José Fiel, da região de Baixa das Flores, município de Rio do Antônio, é um personagem desse canto. Fiel em sua persistência de enfrentar sozinho o castigo da seca. Em seu semblante está estampado o flagelo de quem vive abaixo da linha da pobreza absoluta.

   Num sol de “rachar”, trazendo à sua cabeça um grande chapéu de palha para se proteger do braseiro dos raios solares, seu Olinto e o seu “compadre” catavam as últimas espigas de milho que sobraram da seca. Sem ajuda dos governos, Fiel plantou um hectare de milho, na esperança de colher umas 40 sacas.

   Depois de muita luta e sacrifício, seu Olinto acredita apanhar umas 10 sacas, o equivalente a cerca de R$100,00. Ele gastou na roça uns R$200,00, mas não esbraveja, e nem incluía aí o custo do seu trabalho. Seguia em frente, proseando com seu compadre, na confiança da chuva chegar.

    Olinto não teve a mesma “sorte” na roça de feijão. Perdeu tudo. Nada de flores na Baixa das Flores. Só pedregulho no riacho seco. A pior seca dos últimos 36 anos já deixou uma rastro de destruição, fome e miséria. “A pior seca que eu vi, seu moço, foi em 1976” – desabafa seu Olinto, confundindo-se com a palha seca do “milharal”.

    A paisagem cinzenta e árida dos tanques, poços e açudes estorricados do sertão do sudoeste baiano se mistura também com o lixo despejado às margens das rodovias BA-030 e BA-262, nos municípios de Aracatu e Brumado (contorno da cidade). Tudo parece contribuir para a imagem de uma terra arrasada.

   Como se não bastassem a estiagem e o lixo, o fogo se espalha como fogueiras lambendo o chão, transformando o resto de vida em cinzas. Só a chuva renova a natureza que brota o verde em fartura e criação, mas o sertanejo não sabe quando ela virá. “Só Deus saberá”

   Quando cair, por uns tempos os carros-pipa vão parar de rodar. As medidas paliativas e burocráticas, à base da conta-gota, voltarão a ser acionadas na outra temporada de seca. Os homens de lá demoram de se reunir, e o pouco dinheiro chega devagar.

   No chamado “triângulo da miséria” (Caetanos, Mirante e Bom Jesus da Serra), o povo aguarda o dia do sorteio do carro-pipa passar. Um pouco de água barrenta fica a 100 quilômetros de distância. O jeito é rezar para ser sorteado. Muita gente disputa com os animais o pouco do líquido que resta.

  Depois da calamidade instalada (não é mais situação de emergência), o governo federal se reúne para anunciar um “pacote” de R$2,7 bilhões, divididos entre nove estados nordestinos e norte de Minas Gerais (mais de 160 milhões para o carro-pipa). Nesse “pacote” vamos ter até o Bolsa Estiagem, e tome bolsa. Ninguém sabe quando o dinheiro virá.

   Mas, o sertão do sudoeste não é somente destruição. Como disse o jornalista João Martins, vai soprar energia, que virá dos ventos dos morros de Guanambi, Caetité e Igaporã. Como foguetes eólicos, os aerogeradores da empresa “Renova Energia”, transportados em grandes carretas, começam a formar os 14 parques que vão produzir 393,6 MW de energia limpa.

  As serras estão sendo retalhadas, como está fazendo a Bahia Mineração para implantar sua mina de ferro. Do outro lado, as Indústrias Nucleares do Brasil (INB), com sua Unidade de Concentrado de Urânio (URA), rasga o subterrâneo para produzir mais energia. A estrada de ferro Oeste Leste coloca os trilhos para transportar a produção e levar progresso ao sertão.

   Só que todo este desenvolvimento de bilhões de reais industriais e públicos não satisfaz o sertanejo agricultor, se não houver água suficiente para matar a sua sede e a de seus animais. Nada disso servirá se não houver água nos açudes e poços para criar e plantar.

    Estes projetos bilionários em nada adiantarão, se o homem do semiárido continuar passando fome e fugindo da sua terra natal todas as vezes que a seca bater em sua porta. Vem aí o São João, e o governo quer fazer mais fogueiras no sertão, para mostrar seca para o turista.

       Há séculos que o sertanejo espera por medidas efetivas de convívio com a seca, prevista pelos serviços da meteorologia, mas industrializada pelos governantes para angariar votos como nos tempos do coronelismo de cabresto, com um prato de comida numa mão e o chicote na outra.


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