A Pesca

Por Paulo Ludovico

Acho difícil que alguém se esqueça dos tempos de escola. Eu, pelo menos, nunca me esqueço dos meus. Escola de Dona Mariquinha. Foi lá onde tomei contato, pela primeira vez, com o viver em sociedade. Certamente, quem passou pelas mãos de Dona Mariquinha, tem a letra bonita e bem desenhada. Era exigência dela. Tínhamos de escrever com aquela letra bem feita, quase uma obra de arte e “dentro da linha do caderno”, dizia a velha mestra. Lembro-me de um colega daquela época: João José, filho de Clínio Almeida e Iolanda Assis, o irmão dele, Clininho, foi outro daqueles tempos. Escola São Tarcísio, não o dos últimos dias (Instituto São Tarcísio), mas o princípio dele. Antes de se transformar em Ginásio São Tarcísio e, depois, Instituto São Tarcísio, eram duas salas no fundo da casa dos pais das irmãs Edna (de saudosa memória), Edméa, Ednalva e Ednália. Freqüentei a escola até o último ano ginasial, já na Olívia Flores. Isso em 1971. Não havendo, naquela época, o 2º grau no São Tarcísio, saímos de lá, eu e tantos outros colegas que nunca deixarão de alimentar as minhas lembranças. Perpétua Correia, Fernando e Crésio (filhos de Dr. Fernando Dantas Alves), Pedrinho Moraes, Sandra Ferraz e a bela e cobiçada Gracinha Duarte.

Escola Normal, o IEED, lá comecei o 2º Grau (o científico). Fiz novos amigos, o Pedro Ivo (hoje Psicólogo), Sebastião Ferraz (hoje, médico). Rosália, que trabalhou (ou trabalha) no Sebrae, Hércules, também médico, Ruiderval (esse não sei por onde anda) e Rita Amorim (Ritinha. Casou-se com um pastor de sua própria igreja. Os dois não moram mais em Conquista). Ritinha é tia da advogada Carla Lopes, professora do Curso de Direito da Fainor. Foi uma época de ouro para a Escola Normal. A escola tinha um 2º Grau de respeito (digo tinha, apenas referindo-me à época). O Diretor de então era Dr. Arthur Seixas. Ainda me lembro de alguns professores: Helena Glass, responsável pelo Inglês, Português ficava por conta das professoras Nilda (com quem aprendi muito) e Zélia Chéquer, Matemática, era o velho Zilton (o mesmo do Paulo VI), História ficava por conta da professora Norilde, Física, o padre Guilherme (um holandês que tinha um irmão gêmeo, o padre Henrique), Geografia, o nosso professor era Durval Menezes, e tantos outros.

Veio o 3º ano do Segundo Grau, aí meu amigo, a responsabilidade passou a ser maior, o vestibular se avizinhava, saímos para estudar na capital do Estado. Eu, Luciano Ferraz (Engenheiro Elétrico), Gilson Moura Filho (hoje médico dermatologista), Watson Barros (irmão do advogado Washington Barros), Setímio Orrico, atualmente médico e pecuarista em Itapetinga, Denise Cordier, da cidade de Itabuna, uma ruiva de curvas avantajadas e seios (sempre à mostra) fartos. Esses são alguns dos que saíram do interior para estudar no Colégio Águia, em Salvador.

Chegamos lá, na capital do Estado da Bahia. Fui morar num pensionato (que é cenário de muitos outros causos, que ficam para outro dia). O Colégio Águia. O prédio parecia com aquelas casas mal-assombradas, tipo “A Mansão do Terror”, “A Casa Mal Assombrada” e filmes do gênero. A Diretora era uma mulher magra, quase esquelética, feia de doer. A figura se adequava como uma luva ao ambiente. “Para bruxa, só falta a vassoura”, diziam alguns de nossos colegas (certamente eu não me incluía entre eles). O ambiente era estranho, as pessoas mais se assemelhavam a zumbis. Só se falava em vestibular. Num canto, o assunto só podia ser o índice de aprovação do vestibular do ano anterior, outros já comentavam sobre a relação vaga/número de candidatos. Num corredor, um grupinho apontava o número de pontos necessários para passar no tão temível concurso. Nós, de Conquista, procurávamos sufocar a saudade de casa, enquanto tateávamos à procura do nosso próprio espaço. Havia certo preconceito com “os matutos do interior”. Luciano todo dia chorava, com saudade de seus pais, Nivaldo Torres e Marizete Ferraz (irmã da saudosa Gerúzia Ferraz, da Getur). Assim, nesse clima, começamos a assistir às primeiras aulas no Águia, ali na Praça da Piedade, em Salvador.

Nosso professor de Matemática era o Rubem Soares, que, para surpresa de nós, de Conquista, tratava-se de “um conquistense da gema”, dizia ele. Era filho do Sr. Neném Soares. “Estamos em casa”, pensamos todos. Definindo Rubem Soares. Era aquele tipo de professor com resposta pra tudo (nessa parte, aprendi muito com ele). Criativo como ele só, era o aluno dar a deixa, e o “bicho” mandava de lá, uma resposta. Se o problema era de matemática, o “marvado” inventava logo um artifício (uma espécie de jeitinho pra resolver a questão de uma forma mais fácil). Viajado, contador de histórias. Muitas ele inventava, e outras realmente aconteceram. Feio de doer. Usava um “bigodão”, tipo Fernando Sancho (ator mexicano, que atuava em filmes de “bangue-bangue” italiano). Dentes grandes e amarelados, pelo uso excessivo do cigarro. Orgulhava-se, sempre que, valendo-se de artifícios matemáticos, “macetes”, como ele mesmo chamava, resolvia uma questão das difíceis. E eram tantos, que o velho Rubem recebera o apelido de “Kid Macetão”. Suas provas eram difíceis, de “lascar”. Nunca estudei tanto quanto o fiz, preparando-me para as provas do velho Rubem. Até hoje o “Macetão” é professor de Matemática, e dos bons. Tive notícias de que anda pros lados do Colégio Sartre, em Salvador.

Pois muito bem, a história de hoje é justamente do Kid Macetão, ou melhor, do professor de Matemática, Rubem Soares. Bicho sagaz (bicho no bom sentido, é claro) e inteligente.

Há muito tempo atrás (sempre me indaguei se essa expressão não seria um redundância, claro que “há muito tempo”, só pode ser passado, isto é, atrás). Criada a discussão, volto ao enredo de nossa história, que se deu quando Rubem ainda era um adolescente.

Lá estava o filho de seu Neném, preocupado com uma prova que deveria fazer no dia seguinte. Brincara muito e “esquecera” de estudar a matéria. Fórmulas e mais fórmulas pra decorar. “Um absurdo fazer aquela perversidade com uma criança”, chegavam a lamentar algumas mães.  Rubem teve uma idéia e resolveu gravar as fórmulas, eram perto de 30. À noite, pegou o livro, o caderno de apontamentos e “sentou o martelo pra dentro”. Em umas folhas de cartolina, escreveu todas as “malditas” fórmulas. Letra grande e bem redonda (era possível enxergar há 50 metros de distância). Não tinha jeito e “não podia esquecer qualquer uma daquelas fórmulas”, pensou Rubem. Agora, tudo o que precisava era de uma conveniente “arrumação” (um plano maquiavélico) com um determinado primo. E assim fez, tudo maldosamente planejado e estrategicamente organizado. De volta pra casa, quando o danado bateu na cama, já era de madrugada.

No dia seguinte, já no velho Ginásio de Conquista, o mesmo, do severo Padre Palmeira, lá está o nosso Kid Macetão (que ainda não tinha esse apelido) prontinho pro exame. E diz a cada colega:

– Se a prova vier difícil, deixa com o papai aqui. Fórmula é comigo mesmo! Mato uma por uma. Desafiava.

Arrumada a sala de forma estratégica, para que cada aluno não visse a prova do outro, Rubem senta-se perto de uma janela (não sei se por coincidência ou se provocado por ele). Começa o exame e lá vai o velho Rubem, responde uma questão, parte pra outra, nem pensa direito e já está na terceira, a quarta questão é moleza, e assim vai. No rosto, um sorriso de deboche, de quem domina a situação, afinal, todo esforço da noite anterior valera a pena.

O velho professor, sentado em sua carteira, fiscaliza tudo. Aluno pescar? “Só se for com outro, comigo, não”, pensava o mestre, redondamente enganado. Dali de onde estava, tinha amplo domínio sobre cada canto do ambiente. Nenhum aluno olhava para a prova do outro, nem aquele menino inquieto, o Rubem Soares, acerca de quem já fora prevenido.

O professor tinha razão, nenhum aluno, nem Rubem, pescou… quer dizer, Rubem não pescou do colega vizinho. Só que, enquanto viveu, o velho professor nunca descobriu que se tivesse levantado e olhado pela janela, talvez pudesse ter descoberto que, escondido, sob as folhas de uma das árvores do quintal da escola, o primo de Rubem que, a cada sinal previamente combinado, mostrava uma das cartolinas, convenientemente preparadas. Em cada uma delas, escritas em letras agigantadas, cerca de seis fórmulas. Todas, da prova daquele dia, muito bem utilizadas pelo “encapetado” Rubens Soares.


3 Respostas para “A Pesca”

  1. alberto

    Paulo

    Muita saudade do velho Aguia. Nas “viradas” geralmente nos sabados para domingo, ( á meia noite) saiamos, e não voltavamos mais!! Eu Hermison, de sua memoria e cronica, e Zé Zamilute para beber no Oasis. Bar da melhor qualidade, cercados de prostitutas, pois não existiam mulheres de programas, cafetões e etc., ali na Carlos Gomes,na rua proxima a Praça da Piedade, onde se localizava o Aguia. A aula se afogava nas caixas de cervejas, disputadas no ” palitinho”, Esqueciamos quase tudo do ensinado.

    Saudades de Roque, professor de portugues, com as suas historias inacreditaveis e ponograficas, na epoca, sobre os livros de Jorge Amado ( teve uma freira que abandonou aos aulas, a que falava sobre Vadinho de D. Flor, no quesito vadiagem!!! ). Enfim amigo uma epoca que, infelimente, de tão romantica, não volta mais, mas vai ficar na nossa historia/memoria para sempre.

    OBS: Você continua escrevendo na maior qualidade!!!

    Abraços

    Alberto

  2. Carla

    Paulo afinal quem não cola não sai da escola.kkkkkkkkkkkkkkkkk

  3. Marinez Norberto

    Após ler A Pesca (Paulo Ludovico),fiquei questionado o seguinte:como é que ainda tem gente que diz que a juventude de hoje é terrível na escola.Digo com relação a peraltices.Observe no texto A Pesca o que Paulo Ludovico narra a respeito do Macetão digo:Rubens Soares.Nem as árvores dos quintais escapavam as peraltices daqueles jovens endiabrados.
    Em tempo.Leio sempre as narrativas de Paulo Ludovico, são sempre engraçadas e cheias de boas recordações.

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