Por Jeremias Macário
– A saúde está zerada, no descaso total. Não aguento mais. Estou no limite máximo. Estou sobrecarregada e eles (diretores, governantes e políticos) não estão nem aí para a situação. Os médicos não querem mais trabalhar na saúde pública.
É o desabafo de uma médica (Dra. Renata) num dos hospitais no Rio de Janeiro, dedo em riste e aos gritos frente às câmaras de uma rede nacional de televisão, mas não teve repercussão além disso. O eco da sua voz ficou ali naquele recinto sujo, misturado aos lamentos dos pacientes que apoiaram o protesto. A dor do próximo não importa mais.
Devem estar dizendo: mais uma vez! É isso, novamente volto a falar do quadro caótico da saúde no país, onde o Congresso Nacional é o mais caro do mundo; um boi de Alagoas tem o preço mais alto; e uma casa, em Goiás, tem uma negociata mais enrolada, de difícil entendimento.
É a saúde dos hospitais eleitoreiros do Rio Grande do Norte e do Maranhão, exibidos por outra rede de televisão, onde prefeitos de cidades, de oito a dez mil habitantes, em conluio com seus governadores, constroem prédios caros para abrigar unidades que depois não funcionam por falta de manutenção de seus equipamentos importados. Sem técnicos, os aparelhos começam a enferrujar.
Cada cidade pequena, uma próxima a outra, edifica seu “grande hospital de fachada”, para atrair a boa fé do eleitor nordestino analfabeto ou semi. Todo eleitor indagado pela reportagem respondeu, sem vacilar, que ia votar no prefeito que construiu o hospital. A imagem mostrou unidades vazias e, em algumas, funcionários de braços cruzados.
Enquanto isso, nos centros maiores e nas metrópoles, a carnificina continua nos “corredores da morte”, mais parecendo com campos de concentração, ou lugares bombardeados pelas guerras. A denúncia da médica do Rio de Janeiro passou praticamente despercebida. Sua revolta e a dos doentes terminais nas filas permanece entalada na garganta.
Cada um de nós continua com sua vidinha medíocre de sempre, achando que a desgraça de perder um ente querido numa fila miserável de um hospital, não vai acontecer consigo. Sua energia é toda reservada para destilar raiva contra o presidente ou o técnico do seu time de futebol que perdeu no final de semana, ou no juiz e na sua mãe. E tome protestos nas redes sociais e nas ruas, com pancadarias e manifestações.
Os estádios da Copa são prioridades. A discussão maior é se a seleção brasileira vai jogar. Não pode faltar o carnaval. O pagode de final de semana está garantido, e tome alienação. Vamos realizar o São João da Seca, com famintos e tudo mais. A eleição vem aí, e o voto não pode falhar na urna. É dever de todo cidadão. É expressão da “democracia”.
A saúde pública e a educação que se explodam. Cada um que se vire como bem puder. Dizia Caio Prado Júnior, que nascemos de um negócio rentável, não de um negócio qualquer, mas o ele mais violento e rentável da cadeia produtiva da acumulação primitiva.
Todos roubam: os ricos e poderosos dos pobres, e os pobres dos próprios pobres. No fim, todos seguem “felizes” para sempre. Não é o país que mais esbanja felicidade e alegria de viver? Pra que, então, ficar contestando, se tenho meu carrinho, com prestações a perder de vista, e a minha cervejinha de final de semana? Danem-se os que morrem nas filas dos hospitais.