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Estreia no próximo dia 18, na Rede Globo de Televisão, o remake da novela Gabriela, inspirada na obra do escritor Jorge Amado. Nesta quinta-feira (14), um evento em Ilhéus, ambiente da trama, divulgou a atração global. O local escolhido foi o famoso Bar Vesúvio, de Nacib e Gabriela, a mulata sensual, cor de cravo e canela, que na segunda versão da novela será interpretada pela atriz Juliana Paes. Fora da ficção, o CENABAHIANA conversou no mesmo dia com um neto de “Gabriela”, ou melhor, de Dona Lurdes Maron, a mulher de verdade que teria inspirado a história escrita por Jorge Amado. Ou não! Hélio Lima Júnior, ilheense de 38 anos, trabalha como educador e agente de viagens. Neto de Lurdes e Emílio Maron, ele conta que as histórias de sua avó e da personagem da literatura têm muito pouco em comum, a começar pelo local de nascimento. Gabriela é uma retirante sertaneja, enquanto Dona Lurdes nasceu em Ilhéus mesmo, filha de um imigrante português. E as diferenças não param por aí.
Mas onde é que se cruzam a vida dessas duas mulheres, a da ficção e a da realidade? Descubra nas linhas abaixo:
CENA BAHIANA – Você conhece bem a história de seus avós?
Hélio Lima Jr. – Desde muito cedo sempre busquei referências da família através das historias que sentava para ouvir meu avô e tios-avós contarem. Isso me deixava fascinado e, à medida em que ia crescendo, entendia todo aquele problema gerado pelo livro do Jorge Amado, e a cada visita aos parentes mais velhos e aos amigos de meus avós, eu buscava conversar, compreender e questionar.
CENA BAHIANA – Quem foi Lurdes Maron?
Hélio Lima Jr. – Dona Lourdes, e assim a trato por uma questão de respeito, foi uma mulher antes de mais nada sempre dedicada à família, ao marido e aos filhos. Ao contrário do personagem do livro, e dispenso entrar no assunto, uma vez que é uma história que todos conhecem, Dona Lourdes nasceu em Ilhéus, em 1920. Era filha de um imigrante português, teve quatro irmãos, seu pai se estabeleceu comercialmente na cidade, porém faleceu muito jovem, quando Lourdes ainda entrava na adolescência. Pouco tempo depois a se jovem casou com Emílio, que acabara de entrar nos 20 anos, filho do imigrante libanês Assad Maron e sua primeira esposa Amelie, uma francesa filha de oficial que atuava no Líbano. Após o casamento, imigraram para o Brasil a convite de um primo que já havia se estabelecido aqui anos antes. O casal Lourdes e Emilio logo formou uma numerosa família, compraram o Vesúvio em 1945, quando ja tinham quatro filhos, incluindo minha mãe, que recorda essa época. Minha avó sempre foi uma mulher muito ativa, trabalhava pela manha e durante a tarde cuidava dos filhos, era dedicadíssima à educação das crianças, cuidava para que todos estivessem sempre muito bem vestidos, mesa bem posta como hoje raramente vemos, aulas de francês e inglês, que eram ministradas por Mr. Brown, o cônsul da Inglaterra, que vivia próximo à casa da família. Enfim, era uma mulher muito correta e respeitada. Foi uma das grandes contribuidoras para a construção da catedral de Ilhéus e de várias obras de caridade. Apos a publicação do livro, ela passou a sofrer de problemas cardíacos, o que acabou sendo a causa precoce de seu falecimento.
CENABAHIANA – Mas nãi existe nenhuma semelhança entre Lurdes e a personagem Gabriela?
Hélio Lima Jr. – Dona Lourdes era exímia na cozinha, não apenas na especialidade árabe que aprendeu logo, mas em outros pratos, dos mais comuns aos mais sofisticados, doces e tortas. Seu caderno com receitas triviais é muito utilizado em nossa casa. No mais, não ha nenhuma semelhança com a personagem do livro de Jorge Amado. Como já respondi acima, qualquer pessoa que comparar a história de Emilio e Lourdes verá que não há similaridades com Gabriela e Nacib. É importante registrar que toda essa comparação começou a ser feita logo após o lançamento do livro, quando um jornalista ilheense e radicado em Sao Paulo, muito amigo de Jorge Amado, publicou na revista de maior circulação da época, ”O Cruzeiro”, uma matéria em que relacionava os protagonistas do livro com meus avós. A partir daí, surgiu todo esse incômodo, toda essa lenda criada e recontada ano após ano. Meu avô dizia que foi um golpe de publicidade bolado por Jorge Amado e pelo jornalista amigo dele. Seja como for, sabemos que o grande sucesso de Gabriela foi devido a essa associação feita, inclusive rendendo a Jorge Amado dividendos suficientes para a compra da casa do Rio Vermelho.
CENABAHIANA – Mas Jorge assumia que Gabriela era inspirada em Lurdes Maron?
Hélio Lima Jr. – Ele, muito inteligente, sempre negou a relação feita pelo jornalista. Claro, se assumisse, teria de pagar indenizações sobre a venda de seus livros. Genial a coisa toda, não? Mas essa matéria rendeu ao jornalista uma história ainda mais interessante, que ele deve ter lembrado pelo resto da vida, após a primeira matéria, quando ele retornou a Ilhéus e tentou tirar fotografias de minha avó para publicar na revista. Foi descoberto e tomou uma surra daquelas que só os antigos sabiam dar, além de ter sido alvejado por um tiro desferido por meu tio e que atingiu a perna, infelizmente. Naquele dia, minha avó o avisou de que, se ele ou o Jorge Amado voltassem a ilhéus enquanto ela vivesse, não pisariam em terreno tranquilo, e ambos levaram o recado bem a sério. Jorge Amado retornou a Ilhéus dois anos após a morte de minha avo, chegou e saiu sem deixar rastros, sem festas ou aplausos, as pessoas ainda se ressentiam com toda aquela história. Hoje nao, com a cidade sem cacau e praticamente sem opção do que explorar, essa associação virou um verdadeiro carnaval.
CENABAHIANA – Curiosa essa reação contra o escritor, exatamente na cidade onde ele viveu a infância e foi cenário de muitas de suas histórias…
Hélio Lima Jr. – Preferimos outros autores quando o assunto é literatura. Minha mãe foi criada com o hábito da leitura e também nos transmitiu isso. Tínhamos de ler sempre alguns livros por ano e interpretá-los para ela ter a certeza de que compreendemos a mensagem. Porém, os livros de Jorge Amado nós dispensamos. Eu li “Gabriela” para pesquisar sobre o assunto e poder compreender e assinalar as diferenças existentes na comparação que as pessoas fazem. Para poder criticar, é necessário conhecer.
CENABAHIANA – O que você sabe sobre a história do período em seus avós comandavam o Vesúvio?
Hélio Lima Jr. – O bar pertenceu à família de 1945 até fins da década de 80. Foi um período ainda de efervescência da cidade, ainda se vivia uma época de grande riqueza na região. O Vesúvio era o centro nervoso de Ilhéus, todos passavam por lá, fossem políticos ou pessoas comuns da cidade, e todos eram tratados da mesma forma por meus avós, não havia distinções quanto à origem ou status social. Minha avó ajudava muitas pessoas e isso foi reconhecido quando ela faleceu e foi velada na catedral de São Sebastião. A praça em frente foi interditada com a quantidade de gente que foi se despedir. Há muitas histórias interessantíssimas a respeito, e seria impossível contá-las todas aqui.
CENA BAHIANA – Você não pensa em escrever a história verdadeira?
Hélio Lima Jr. – Eu estou escrevendo diversos textos, com lembranças de minha mãe e amigos antigos da família. Vou publicá-los inicialmente no próprio Facebook, que é uma rede à qual todos têm acesso. Paralelamente, junto com minha mãe, estou escrevendo um livro de memórias, e creio que será interessante até para que os mais novos possam saber um pouco da cidade de Ilhéus.