O “sinuquista” bom de papo

Por Paulo Ludovico

Está aumentando o número dos que apreciam essas minhas histórias. Hoje, agradeço a assiduidade da leitura de Juliana Cardoso e de Carla Pires. Vamos à história, começando, claro, pelos preparativos. Conheço uns caras bons de “papo”. Daqueles que têm a conversa bonita e, na ponta da língua, sempre uma história pra se livrar das situações mais esquisitas e difíceis possíveis. Só pra exemplificar, um desses que conheço pesava uns 150 quilos. Um cara simpático e brincalhão, como a maioria dos “gordinhos”. Certa feita, uma distinta jovem, querendo ofendê-lo depois de algumas trocas de “gentilezas” (de parte a parte) e se referindo à obesidade daquele gordinho ágil com as palavras, diz:  – O senhor deveria se olhar no espelho! Seu Gordo!!!!

Ele, que tinha (e tem) uma resposta sempre pronta pra ocasiões como essa, manda, na “lata”:

– Sou gordo, mas posso emagrecer. E você, que é feia?

Ou seja, a nossa jovem perdera uma grande oportunidade de ficar calada ao se referir à adiposidade de nosso amigo.

Outro conhecido, também bom de papo, estava com uns amigos numa festa. A certa altura da noite, ele passa a se interessar por uma jovem, que, acompanhada de uma amigas, tinha lá seus encantos. Esse “assuscedimento” ninguém me contou, eu estava presente e vi. O conquistador, de cá, lançava olhares sedutores em direção àquela gata (pelo menos ele achava que eram sedutores). Eu e os outros que estávamos no grupo entendemos que a mulher não demonstrou o menor interesse pelo nosso companheiro Dom Juan. O danado, de seu lado, não se cansava de dirigir aquele olhar, que em sua concepção era o mais tentador possível. Olhar de “peixe morto”. Manja? A mulher, por sua vez, nem “tchum”. Não agüentando mais aquela indefinição, ele, tomado de uma repentina coragem, dirige-se à jovem, dizendo:

– Como você é linda!

Ela, demonstrando não ter qualquer interesse no cidadão e tripudiando do pobre, na frente das amigas, diz:

– Infelizmente não posso dizer o mesmo em relação ao senhor.

Essa consideração veio, evidentemente, acompanhada de um sorriso que era uma mistura de um leve sadismo e um forte esnobar. O “brabo” saiu com essa, sem que ninguém esperasse:

– Então faça como eu, minta!

Pois bem, nosso caso de hoje é sobre um desses caras que se safam de qualquer situação. Um cabra direito, trabalhador e muito inteligente. Entre suas paixões, a de jogar sinuca. E o “bicho” era bom de taco (“sinucamente” falando. Claro!). Vi várias vezes ele fechar uma partida sem permitir que o adversário desse uma tacada, sequer. Roberto Carlos, Carne Frita e outros mestres da sinuca, se bobeassem, passariam vexames.

Desde solteiro, ele (o nosso amigo que chamarei de Otávio) tinha um hábito de jogar sinuca depois do trabalho. Sempre as quartas e sextas-feiras, por volta das seis e meia da tarde, as parceiradas eram certas. O joguinho ia até as oito horas, pontualmente. Nunca passava desse horário. Assim, sem se afastar do hábito, ele conheceu a mulher que veio a ser sua esposa. Todo o tempo de namoro e noivado (já existiu isso) o joguinho de sinuca, as quartas e sextas, era sagrado. E não passava disso, um joguinho inocente que durava sempre até as oito da noite, PON-TU-AL-MEN-TE. Otávio era o típico marido fiel, ou melhor, ele era a própria fidelidade conjugal, personificada. O tempo passa e já se vão quatro anos de casado. O joguinho de sinuca resiste, intocável, sempre as quartas e sextas, até as oito, em ponto.

Mas, as tentações rondam e insistem em mostrar seus tentáculos. Numa dessas quartas feiras (ou teria sido sexta, o dia da semana é o que menos importa), lá pelo meio de umas tacadas, surge no trecho uma morena, aliás, morenaça. Parece que Deus, de próprio punho, esculpiu aquele pedaço de mau caminho. Cabelos longos e bem tratados, seios fartos e levemente à mostra, como se estivessem convidando para o pecado (no caso em questão, convidando para o adultério) e um par de pernas, simetricamente perfeitas e grossas o bastante para fazer inveja a panicats e a quaisquer outras dessas que “bailam” em programas de TV. Por mais (ou menos, nunca se sabe) que se esforçasse, nosso “sinuquista” juramentado não conseguia deixar de encarar o “boing”. O melhor (ou pior) é que os olhares estavam sendo convidativamente correspondidos. Otávio já não se concentrava mais no jogo. Vencedor contumaz, ele passou a perder todas as partidas, tal era a justificável distração.

Conversa vai, conversa vem e aquele casual encontro, inevitavelmente, termina no aconchego de um “caliente” motel. O que eles fizeram lá não interessa à nossa história. O certo é que após o presumível “embate” (corpo a corpo), os dois, totalmente relaxados e exaustos, caem nos braços de Morfeu (sono profundo). Quando Otávio acorda e confere o relógio, pula da cama: “PQP! Estou ferrado, uma da manhã! Diz ele, numa voz tão alta que, certamente, acordou todos que ali estavam dormindo (os que estavam dormindo. Óbvio!). Passado o susto inicial, Otávio sai do desespero para uma inexplicável traquilidade. A sua acompanhante (o “boing”) começa a se vestir, exigindo pressa. Ele, calminho, calminho responde:

– Fique tranqüila, não precisa mais de pressa. O estrago já está feito. Tanto faz eu chegar uma, duas ou três horas da manhã. A catástrofe é a mesma.

Diz isso e, pensativo, se cala. Como justificar à esposa aquele prolongado atraso? Já fazendo planos para voltar à vida de solteiro, paga a conta pelos serviços do estabelecimento do prazer (diz ele, referindo-se a motéis), deixa a morena em casa e vai resolver a difícil situação que o espera em casa. No caminho, tem uma idéia. “Pode dar certo”, pensa. Perto de casa, ainda dentro do carro, lambuza-se da cabeça aos pés, com o giz de taco de sinuca (daqueles azuis). E de tal maneira que, perto de uma mesa de sinuca, ele seria confundido com o próprio giz.

Quando entrou em casa, a mulher estava desesperada, havia telefonado pra hospitais, delegacias de polícia, pra família inteira, pro padre, pro gerente do banco…, pra Deus e o mundo. Mas, passando da preocupação à ira, ela, parcialmente refeita, pergunta ao “tranquilíssimo” (ainda que só na aparência) marido:

– Onde o senhor estava? Vá me dizendo logo!

Quando é pra reclamar elas sempre nos chama de “senhor”.  E olhe que ela, no dia-a-dia, dengosamente, trata o marido de Tatá.

Otávio, ainda aparentando uma intrigante traquilidade, com aquela voz melosa e “orgásmica”, de locutora de aeroporto, anunciando que o próximo vôo é o seu, responde:

– Amorzinho, você nem vai acreditar.

– Então, me diga logo! Exclama a mulher, já totalmente refeita.

E ele diz:

– Estava eu, como sempre, jogando meu sinuquinha quando, nem sei de onde, apareceu uma morena. Linda! Olhe! Mais bonita que ela, só você.

Otávio, até hoje, diz ter percebido um leve sorriso no rosto da esposa, o que lhe deu ânimo para continuar a narrativa:

– Pois bem, sai com ela, fomos ao motel. Transamos de todo jeito e, depois, cansado, peguei no sono. Eu e ela acordamos há poucos minutos. Deixei-a em casa e, agora, aqui estou.

A mulher de Otávio, que já havia percebido o marido todo sujo de giz, impera:

– Morena, o que, Tatá? Conta outra!

E continua a bronca:

– Tome vergonha! Fica jogando sinuca até uma hora dessas! Vá se lavar que estou colocando a janta. E não vou esquentar a comida!

Otávio, que odeia comida fria, diz que, naquela madrugada, jantaria tudo que a mulher colocasse na mesa, ainda que a janta tivesse saído direto do freezer.


2 Respostas para “O “sinuquista” bom de papo”

  1. Luís Fernandes

    Muito Bom,sempre vejo as histórias do nosso amigo.
    Um Abraço.

    Luis F.Fernandes

  2. rejane

    Que “causo”.Esse senhor merece o oscar.

    Sua Fã.
    Rejane

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