Terreno que seria da APAE é ocupado por hotel

Por Jeremias Macário

Quem passa pela Av. Juracy Magalhães em direção ao Shopping Conquista Sul se depara, no lado direito, com uma imponente construção em fase de acabamento de um hotel de luxo do grupo Ibis, onde deveria estar alí as instalações da Apae – Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais de Vitória da Conquista, fundada em 1º de março de 1977, portanto, 35 anos de atividades. É mais um fato revoltante de administração desastrosa, inclusive do sr. Carlos Rezende de Santana. Para mim que acompanhei todo processo de retomada do terreno para a Apae, de mais de 27 mil metros quadrados, que foi vendido de forma irregular, o caso continua entalado na minha garganta, porque a área bem poderia estar hoje sendo usufruída por mais de 500 alunos portadores de deficiências e seus respectivos familiares.

Vocês vão saber como tudo aconteceu até chegar a este ponto lamentável e irresponsável. Na verdade, o terreno (dois lotes), localizado hoje num lugar nobre da cidade (zona sul), no Jardim Guanabara, era do Serrano Tênis Clube, que doou à Apae em 1987. O plano inicial era construir uma nova sede, com amplas instalações, inclusive de educação, treinamento, entretenimento e lazer.

DE FORMA IRREGULAR

Doze anos depois, em 1999 (ata da reunião de diretoria de 12 de fevereiro), a presidente da Apae, na época Jandira Braga Rodrigues Veloso, colocou em proposta a venda da área, alegando que a instituição beneficente e filantrópica passava por dificuldades financeiras.

A proposta chegou a ser questionada, mas diante dos “argumentos” da presidente, terminou sendo aceita, e o terreno foi vendido à JMC – Indústria e Comércio de Artefatos e Metais Ltda, na pessoa do sr. Galmar Souza de Oliveira, por meros R$50 mil, parcelados em dez cheques de R$5 mil cada.

 Boa parte desse dinheiro, se é que foi pago, não entrou até hoje na contabilidade da Apae. Simplesmente sumiu. Consta que na época foi feita uma avaliação e, por baixo, o imóvel valia cerca de R$200 mil.

 Por sua vez, a transação se deu de forma irregular (um dos sócios da empresa era marido da presidente), pois reza o estatuto da Apae que um bem patrimonial só pode ser vendido depois de ouvida e autorizada pela Assembléia Geral. No início dos anos 2000, em matéria jornalística, a Sucursal A Tarde de Vitória da Conquista denunciou o fato.

Em quatro de janeiro de 2001, a empresa JMC vendeu a “propriedade” para o sr. Antônio Romário Aguiar dos Santos, empresário e cafeicultor. Ao ter tomado conhecimento da situação, o Ministério Público do Estado, por volta de 2004/05, entrou com uma ação civil pública contrária a operação, embora esclarecendo que uma ação de improbidade administrativa contra os responsáveis só caberia quando um patrimônio é adquirido através de subvenções públicas, o que não era o caso.

Mesmo assim, o Ministério deu parecer de que dos autos da ação existiam fortes indícios de que a alienação representou dilapidação patrimonial da Apae, fruto de uma administração desastrosa. O promotor Valtércio Pedrosa recomendou que a entidade deveria promover as medidas necessárias à recomposição do seu patrimônio, cabendo uma ação comum.

Como diante dessa interferência do MP, o terreno ficou indisponível para qualquer negociação, inclusive fazer hipoteca no banco, em 20005 o sr. Antônio Aguiar dos Santos entrou com uma ação de embargos de terceiros contra a Apae e a JMC, na 2ª Vara Civil do Fórum João Mangabeira.

ASSINOU E NÃO COMPARECEU

 No cumprimento do seu dever, a juíza Simone Soares de Oliveira Chaves, no dia 8 de abril de 2005, determinou que a Apae fosse citada para tomar as devidas providências. A intimação para comparecer ao Fórum, no prazo legal, foi assinada em 21 de outubro de 20005, pelo sr. Carlos Rezende de Santana, então presidente da Apae na época, só que ele não foi ao Fórum, nem tomou as medidas jurídicas cabíveis.

Como não foi feita nenhuma petição por parte da Apae, entre 21/10/2005 a 21/12/2005, conforme certidão emitida pelo subescrivão Wailly José dos Santos Freitas, em 12 de abril de 2006, a juíza deu sua sentença, julgando procedente o embargo de terceiros e colocando o imóvel em disponibilidade, o que significou o cancelamento da restrição judicial.

Em outras palavras: o sr. Antônio Aguiar poderia fazer o que bem quisesse  com o terreno. A juíza alegou que os réus (Apae e JMC) foram citados, tendo deixado transcorrer o prazo para a contestação. Não se sabe se o ato foi intencional, de má fé ou negligência.

A história é longa, mas vou procurar resumi-la. Na época (2005 a 2008), fiz parte da diretoria e incentivei (tomei à frente dos trabalhos) que se corresse atrás para recuperarmos o terreno, mas não sabia que a Apae havia sido citada, em 2005, e seu presidente não tomou as devidas providências.

Tanto que em 2007/08 procuramos uma advogada (não vou citar seu nome porque não tenho permissão) que se prontificou, com base no processo de ação civil pública de responsabilidade por atos de improbidade praticados em prejuízo da Apae, a entrar (sem cobrar honorários) com uma medida cautelar para retomar o terreno, isto em 25 de janeiro de 2008.

Em nenhum momento do processo, o sr. Carlos Rezende nos disse que a Apae havia sido citada em 2005. Só depois, em 2008, soubemos do fato quando a juíza da 2ª Vara Civil levou ao nosso conhecimento a sentença dada em 2006. O sr. Carlos Rezende afirmou que “não se lembrava da intimação”.

Mesmo assim, a advogada tentou entrar com recurso de apelação contra a decisão, mas carecia do consentimento do sr. Carlos Rezende como procurador da Apae. Evitando que na frente fosse julgado pela sua negligência e outros fatos decorridos (sua esposa havia assinado a venda do terreno), o presidente negou a procuração e a prosseguir com a ação. Assim ficamos sem o nosso terreno, onde foi erguido um luxuoso hotel.

Só para finalizar, em 2008 realizamos movimentos de luta dentro da Apae, reunindo pais e alunos, com vistas a cobrar na justiça a reparação pelo erro cometido, inclusive com passeata nas ruas.

Fiz pronunciamento na tribuna da Câmara de Vereadores, pedindo apoio dos parlamentares e de toda comunidade, inclusive com entrevistas na mídia local. Numa avaliação feita por uma imobiliária, em 2008, o valor da área foi calculado em mais de  R$ 4 milhões.


7 Respostas para “Terreno que seria da APAE é ocupado por hotel”

  1. Rubens

    Isso é o que dá, permitir que pessoas irresponsáveis e inescrupulosas assumam a administração de entidades públicas ou filantrópicas.

  2. brito

    Lamentavel!!
    Infelizmente é o resultado da escolha de pessoas sem competencia e de má intenção para a administração do orgão e agora é hora de refletir nesta triste historia para vermos em quem damos um voto de confiança para administrar a cidade em que vivemos.

  3. Carlos Costa

    Parabenizo o ilustre jornalista pela brilhante matéria sobre a venda do terreno da APAE. Infelizmente, jamais a APAE deveria ter vendido aquele terreno. Vale ressaltar que o terreno foi desmembrado e os lotes foram repassados para outras pessoas.
    O terreno vale hoje mais de oito milhões de reais, e se tivessem ainda nas mãos da APAE, esta entidade só teria a lucrar.
    Parabéns nobre jornalista Jeremias Macário!

  4. Daniel Caires

    Agora que o hotel está com suas obras em conclusão acho de pouca pertinência trazer este fato a público, exceto para que seja de conhecimento de todos a gestão desastrosa da APAE. Espero que não se cometa com o empreendimento do Grupo Ibis algo parecido com o que fizeram com o Centro Cultural Banco do Nordeste (embora sejam casos distintos). O Grupo Ibis não tem qualquer culpa sobre transações anteriores a compra. Que os culpados sejam julgados e compensem a APAE de outros meios.

  5. bernardo

    PERGUNTA-SE:
    Quem colocou o SR. José Carlos na APAE??È por aì que saberemos a resposta para estes fatos.
    A APAE sempre foi vítima da ação de grupos políticos locais que sempre interferirram em sua gestão.
    Vejam a data de entrada de SR. José Carlos e vejam quem estava no pode em Conquista.Aí dá pra entender o que aconteceu antes e o que está acontecendo agora.

  6. Marcelo Guerra

    Como esses ex-diretores tiveram a coragem de realizarem negócios excusos, favorecendo a sí próprios e esquecendo crianças deficientes, amiúde desprovidas até de alimento e aféto. Quanta falta de honestidade e compaixão.

  7. Flávio Gusmão Sá

    O que o autor da matéria esqueceu de citar, é que o Sr. Galmar sócia da empresa JMC, era também sócio do Antônio Romário que foi quem comprou o terreno das mãos da empresa JMC. Tudo não passou de uma grande jogada como forma de enriquecimento às custas de um terreno que foi doado a APAE.

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