O irmão ciumento

Paulo Ludovico

Mais uma vez, volto para contar um episódio (causo) que aconteceu, quando morávamos em pensionato, lá em Salvador. Naquela moradia (mais de 20 pessoas), tudo era motivo para brincadeiras e gozações. O sujeito enfezado, aquele que chamamos de ferrado e que pega ar com a maior facilidade, sofria. O pior é que a “galera”, ao descobrir alguém assim, não deixava o coitado em paz. Se o cabra fica p. da vida por causa de um apelido, aí é que pega mesmo. Todos passam a chamá-lo pelo apelido. E são vários. Se o cara é gordo, existe um leque der alternativas, meio quilo, casa da banha, baleia, entre outros. Se é possuidor de orelhas grandes, certamente, lebre ou coelho são os principais apelidos. O baixo é sempre chamado de pintor de roda pé, tamborete de forró, anão de jardim e por aí vai.

Naquela época na pensão, existia um sujeito bem feio, daqueles de doer, com o olho estufado (os óculos eram em formato de sutiã, pra caber o olho). Esse tinha o apelido de zoião. O problema é que todos eles se aborreciam com o apelido, não dava outra, pegava mesmo.

Tínhamos um colega (Zé Gaveta, já falei dele neste espaço) que procurava logo saber o ponto fraco de quem chegava. Ao descobrir, ele não deixava a “vítima” em paz. Havia um sujeito (esse estudava pra fazer Medicina), do tipo mauricinho, todo metódico. A gaveta sempre arrumada, meias e cuecas sempre dobradas, guardadas uma a uma, de fazer gosto. O guarda roupas era impecável, tudo no devido lugar. De tão arrumado, só não pensávamos ser o danado um (ou será, uma) “boiola”, porque tinha uma namorada lindíssima, diga-se de passagem. E ter uma namorada era, pelo menos, um indício de heterossexualidade. Semanalmente cortava o cabelo, e olhe que naquela época usávamos todos, cabelos grandes (talvez, influência dos hippies, parte de um movimento contra cultural, que surgiu nos Estados Unidos, por volta dos anos 60). Mas esse nosso mauricinho não, cabelo e barba eram sempre bem aparados. Aquele cara que só pela aparência já sabíamos tratar-se de um chato. O velho Zé Gaveta, só pra pirraçar, saia pegando roupas e cuecas usadas e colocava na gaveta do chato. Seu moço, em muitas oportunidades, tivemos de apartar embates físicos entre Zé Gaveta e o mauricinho. Algumas dessas vezes, não era nem Zé Gaveta o autor da brincadeira, éramos nós mesmos. Mas a vítima ao encontrar o “estrago”, só partia pra cima do velho Zé, para tomar satisfações e já pronto para a agressão.

Mas, e o nosso caso de hoje? É o seguinte. Num belo dia (e põe belo nisso), chega um novo colega de Conquista. Traz consigo a irmã. E que irmã! Foi a nossa felicidade. Uma morena lindíssima, cabelos longos e sempre bem cuidados, cintura fina, pernas grossas e bem torneadas, sempre à mostra em razão de uma minúscula minissaia (artefato do vestuário, largamente usado na época). Seios proporcionais, compondo “belamente” o conjunto aqui descrito. Os dois (seios, claro), só pra pirraçar, parecem sempre querer saltar da blusa. Uma tentação que, quando chega “é um colírio”, dizia sempre um dos moradores. O irmão é um caso à parte. Feio de doer. Nem, de longe, parecia ser irmão daquele monumento. O bicho é o ciúme em pessoa (só podia ser). Ele ia aos píncaros do desespero quando, dirigindo um olhar lascivo em direção à irmã, o chamávamos de cunhado. Certo dia, estávamos uns cinco ou seis, reunidos numa sala, onde costumávamos ficar para descansar do almoço. O nosso amigo, não suportando aquele tratamento de cunhado e ao perceber que todos nós dirigimos um impertinente e desejoso olhar para a fêmea acima descrita, disse, aos gritos e com a veia do pescoço pra lá de inchada:

– Saio na porrada com quem me chamar de cunhado!!!

Logo em seguida, depois de encarar firmemente a cada um de nós e já num tom de voz mais brando, pediu à irmã que se preparasse, pois iriam buscar os pais na rodoviária. Eu, que, até hoje, perco o amigo, mas não perco a piada (ou a gozação), já correndo em direção à porta da rua, disse a ele, na tampa:

– Fulano, aproveite e dê lembranças a meus sogros.

Claro que falei isso dirigindo aquele mesmo olhar de “peixe morto” em direção à irmã dele. Seu moço, a ira, novamente, tomou conta do semblante de nosso ciumento amigo. Ele, que estava tomando um cafezinho (ficava sempre numa garrafa térmica em cima de uma mesinha), arremessou a xícara, pires, colherzinha, café e tudo em minha direção, com tamanha força, que a danada passou pela porta, atravessou a rua e espatifou-se na parede da casa em frente. Só pra pirraçar mais ainda, eu disse, com a voz bem alta e voltado o olhar em sua direção:

– Você falou se lhe chamasse de cunhado, eu chamei seus pais de sogros, o que é muito diferente.

Disse isso e acelerei a corrida, tal qual a esses corredores de 100 metros rasos. Se eu estivesse em Londres, certamente o Brasil ganharia mais uma medalha… e de ouro. Eram os velocistas Michael Phelps (o nadador) nas piscinas, o jamaicano Usain Bolt nas pistas de atletismo e eu correndo na rua em frente ao pensionato. É difícil aferir o mais veloz.

Hoje, sempre encontro esse amigo (que mora em Conquista) e damos boas risadas, quando nos lembramos daqueles tempos. Ah! Num desses encontros, inocentemente (e apenas para ser educado, juro), perguntei pela irmã dele. A resposta foi um olhar tão frio, que desconversei, emendando logo outro assunto na prosa.


3 Respostas para “O irmão ciumento”

  1. milton alencar

    Paulão abrir esse blog por acaso e deparei com esses casos q fizem parte das nossas vidas de estudante no Areal de Cima 14. Lembras de Fernandão o ¨CAMELÔ¨? O Branquinho que tb. brigou com o Belga Fedorento? O Belga disse que iria apertar o pescoso dele? O Samoel irmão de Ze Gaveta o famoso Tonho?
    O Paulista Egoista O Dailto e vc com a sua fungeira nos jogos do Flamengo?Um forte abraço. Continue com esse grande humor de um amigo gente boa. Seu amigo Gaia.

  2. Bell

    Muito engraçado!!!!
    você sempre mandando muito bem Paulo!!!
    Adoro seus “causos”!!!!
    “rachei o bico”

  3. PAULO lUDOVICO

    Valeu Gaia

    Foi um grande prazer ler seu comentário. Você me fez lembrar de outros personagens daqueles tempos. Por onde você anda?

    Um abração

    Paulo Ludovico

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