Marcelo Lopes, Sintoma de Cultura
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A palavra crônica tem origem no grego “chronos” e quer dizer “tempo”. A narrativa que se encerra nesse conceito ganha significado porque a vida humana é uma sucessão de “tempos”, onde a realidade e o sensível não são necessariamente a mesma coisa, nem podem ser medidos pelos ponteiros de um relógio.
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Em “O Som ao Redor”, longa-metragem de estreia do pernambucano Kleber Mendonça Filho, a narrativa foi embebida num perturbador caldo morno de rituais cotidianos, transformada numa crônica ficcional muito bem construída onde o tédio, a tensão e o anticlímax sempre nos apresentam um mundo bastante possível. Contado a história da mudança na vida de moradores de uma rua de classe média na zona sul de Recife pela presença de uma milícia que se encarrega de oferecer segurança a comunidade local – para tranquilidade de uns e desconfiança de outros – o filme vem foi exibido em 14 festivais fora do Brasil, recebendo prêmios em território nacional, no Festivalde Gramado, no Festival do Rio, na Mostra de São Paulo e no Panorama Coisa de Cinema da Bahia.
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Cheio de personagens comuns no nosso dia-a-dia, ilustrados por uma dona de casa insone, um playboyzinho encrenqueiro, milicianos em “trabalho comunitário”, um corretor de imóveis e sua namorada, empregadas domésticas – não por acaso – negras e homens de poder no rastro dos coronéis de sempre, cada um deles desfila seus microdramas em torno de vidas vazias e estéreis. Os sons e os silêncios do filme completam o cenário de espaços amplos com mais um personagem tenso, sem nenhuma catarse: entre latidos, buzinas, estouros de bombas, tragos de maconha e crianças brincando na rua.
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De tão próximo ao ritmo da rotina nossa de cada dia é fácil esperarmos que em algum momento a história exploda em algum desastre (que não vem) ou num susto brutal (que sequer se dá ao trabalho de se sugerir). As ações e as vidas morosas dos personagens que desfilam na tela destilam um incômodo sensível, mas talvez menor que o nosso como espectadores, e por isso mesmo, ficamos nos perguntando ao que isso tudo vai dar.
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A violência subjacente da história não se concentra em qualquer ato reprimido pelos seguranças da rua: a dimensão mais visível é o do conformismo, das coisas estabelecidas, de uma tradição rural que se repete na vida urbana entre os que mandam, os que obedecem e os que simplesmente existem. A estética traz abordagem pouco usual do longa, no entanto, cresce justamente sob esse tempo humano e consegue nos revelar toda sua força num desfecho subterraneamente construído e surpreendente.
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Na forma dos sons que escolhe, na graça quase ridícula dos seus personagens, na natureza de concreto que serve de cenário, Kleber Mendonça soube trazer à tona uma ótima história sobre como as coisas parecem nunca mudar, mas que tem sim um motivo para mudar, mesmo que não à vista.