Não existe nada mais na moda que a originalidade. Isso tem vínculo direto com o reconhecimento e a valorização da identidade de qualquer manifestação concreta, seja de uma personalidade ou de um povo. E por isso fico aqui pensando com meus botões (na verdade, fico coçando a barba) em que medida se pesam iniciativas “legítimas” como as que hoje querem trazer de volta a micareta a Vitória da Conquista.
Vejamos: entre as décadas de 1980 e 1990 a micareta surgiu no Brasil como um fenômeno que criava alternativas para que cidades do interior pudessem ter em suas festas de rua artistas festivos conhecidos do grande público e que, de outra forma, não achavam economicamente interessante deixar os grandes centros durante o carnaval para pautarem shows em municípios menores. Daí, o carnaval fora de época: a oportunidade de movimentar um mercado doze meses por ano em todo lugar do país, girando recursos em todos os setores das economias locais. Uma ideia interessantíssima enquanto durou, mas uma febre, que como toda febre que não passa, mata ou sequela.
Em Conquista a fórmula se desgastou paulatinamente – como, aliás, em praticamente todo o país. Os blocos foram se escasseando, as atrações se polarizando em um ou outro produtor mais articulado e a programação se tornou um desfile das mesmas coisas, sem novidades, diversidade ou esforços para se reinventar. Os últimos suspiros da micareta conquistense tiveram, por parte do poder público, atrações como Daniela Mercury e Dudu Nobre, tendo este último como uma tentativa de fugir da mesmice das programações anteriores. A derradeira tentativa de manter vivo o evento na cidade ocorreu em 2008, com ínfima participação de empresários do setor – a maioria preferiu agendar programações privadas após a data da micareta – e um minguado público que circulou nas imediações do Parque de Exposições.
Os anos seguintes já revelavam que a micareta não era há muito tempo o único caminho de trazer para a cidade atrações que antes povoavam as festas carnavalescas fora de época: em todos os meses do ano, as iniciativas privadas do ramo do entretenimento garantiram figuras artísticas do circuito comercial no calendário das chamadas festas de camisas, com nomes de destaque do axé music, sertanejo, pagode e adjacências, cobrando valores consideráveis nos ingressos de eventos de grande porte, registrando inclusive – e durante muito tempo – sérios problemas para cumprir a venda de meia-entrada, garantida por lei.
De lá para cá, o mercado do entretenimento veio se profissionalizando, as tecnologias se fizeram mais acessíveis para estruturas de eventos de pequeno, médio e grande porte, tornando uma realidade o surgimento de novos produtores e realizadores. O circuito de eventos na cidade se acentuou e – principalmente – se diversificou, fazendo de Vitória da Conquista o polo mais destacado da produção cultural do interior do estado.
Muito pesou também o entendimento da administração pública municipal com sua política de eventos nos últimos anos: atividades como o Natal da Cidade e o resgate do São João tradicional, entre outros, demonstraram que o papel do executivo das políticas públicas é o de efetivação dos valores regionais, e que é possível agregar cultura de identidade com entretenimento. Este entendimento também é expresso pelas diretrizes do próprio Ministério da Cultura: que iniciativas autossustentáveis e comerciais como artistas, estilos da moda e/ou outras manifestações voláteis de fins exclusivamente de mercado não devem fazer parte das políticas de incentivo e fomento. Daí estas iniciativas não serem contempladas em editais públicos para cultura, uma vez que estas linhas de fomento visam, entre outros aspectos, preservar estimular, registrar e articular manifestações espontâneas da cultura popular que, eventualmente e por efeito colateral, podem ou não encontrar ressonância com iniciativas de mercado.
Quando se levanta novamente a discussão sobre se Conquista deve ou não ressuscitar a falida Miconquista, sob a alegação do interesse popular, tudo o que me vem à cabeça é a lembrança recente de um fevereiro de 2012: saindo da praça em frente o Tiro de Guerra, numa tarde de segunda de Carnaval, o bloco Bloco Curtaki, com a tradicional Banda Seca Gás & Banda de Sopro desceu a Rua dos Andrades rumo à Barão do Rio Branco, no Centro. Com uma divulgação precária, um boca-a-boca solidário e recurso quase nenhum, um mundo de gente de todas as idades, adultos, crianças, cores, partidos e orientações sexuais, espontaneamente fantasiados, encheu o feriado vazio de uma cidade sem carnaval ao som das velhas marchinhas. Até ali, eu e meio mundo de gente, não havia percebido na pele o quanto estas manifestações espontâneas dos dias pândegos e mundanos do carnaval nos faziam falta.
Esta não é uma constatação da minha história pessoal – que viveu a adolescência justamente se acabando nas festas de micareta, o auge da dinâmica cultural da época – é uma constatação cultural, de uma carência de sentidos, de partilhas em momentos menos comerciais e mais valiosos. Momentos que podem ser vivenciados por Seu Cicrano ou Beltrano, que os viveu há cinquenta anos, mas também pelos meus filhos, de onze e oito anos, que nunca puderam sentir essa sensação de festança carnavalesca democrática na cidade onde nasceram.
Medidas sejam dadas: existe espaço para todos, para os que lucram, para os que especulam, para os que trabalham, os que prestam serviços e o que se divertem. A realidade de hoje permite que isso ocorra a qualquer tempo no calendário da cidade, mas efetivamente não cabe ao poder público reativar um evento como um carnaval fora de época, quando o mais verdadeiro manifesto da vontade popular se faz sozinha e nem mesmo ocorre fora de época.
Não há nada errado em querer reviver um passado lucrativo, mas isso não papel do poder público. Existe uma clara diferença entre Bem Cultural de interesse público e produto de consumo público e mercadológico, qualquer que seja sua natureza, embora muitos dos que se filiam a esta proposta anacrônica façam de conta que não saibam. É sobre isto que este texto fala.
E viva o Seca Gás!
11 Respostas para “Micareta em Conquista por quem?”
Tomas D.
Parabéns pelo lúcido artigo, Micareta é um evento de alto custo, tem que ser feita por empresarios
com fins lucrativos, em recinto particular e com ingresso.
Sormany Portela
Prabéns Marcelo, seu texto foi explicativo e oportuno, uma vez que mostrou o real interesse por lucros de certos empresários.E viva Seca Gás!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Foliao
Estão querendo exumar o cadáver da miconquista. Não sei o que fede mais, se é isto ou a atual coligação política desta cidade, junto com suas enxurradas e asfalto eleitoreiro.
Wesley
Adorava a Micareta, mas com o tempo os Blocos foram acabando e no final só ficou o Massicas, ai não tem Prefeitura que faça milagre né?
O Papel da prefeitura é fundamental, mas fazer uma Micareta com apenas UM Bloco não dá.
Acho que o tempo da Micareta já se foi…
MAURA
ESSA MICARETA JÁ MORREU.PORTANTO VAMOS ESQUECER OS MORTOS, Q ELES NÃO LEVANTAM MAIS.QUANTO AS CRIANÇAS Q NÃO TIVERAM OPORTUNIDADE DE PARTICIPAREM DAS MICARETAS DAQUI, OS PAIS DEVERIAM AGRADECER A DEUS.ABAIXO A “MICONQUISTA” VIVA O SOSSEGO!!!
Marneres
INDEPENDENTE A MICONQUISTA VOLTAR OU NÃO , O MUNICÍPIO TEM POR OBRIGAÇÃO DE PROVER FESTAS POPULARES, LAZER E ENTRETERIMENTO PARA TODA CLASSE SOCIA ECONÕMICA PARTICIPAREM! PRINCIPALMENTE AS MAIS CARENTES!
Pedro Alexandre Massinha
Marcelo, que brilhante o seu artigo; parabéns pela sua analise, pelos dados apresentados e, principalmente, porque você se posiciona, mas não é intolerante; você respeita o livre mercado. Desde que a Miconquista foi criada, nunca recorremos ao poder publico em busca de verba para o nosso bloco desfilar; Ivete; Chiclete; Asa; Timbalada; Eva; Claudinha, etc. eram pagos com o dinheiro do folião e da iniciativa privada que nos patrocinava; portanto, o que uma parcela da população quer da prefeitura é a liberação das ruas, só isso, nada mais. Como você sabe, temos que ter a elegancia de comunicar ao Executivo Municipal e pedir o seu apoio para orientar o transito; limpeza, etc.. Enfim, debate com pessoas igual a você, vale a pena. E Viva Seca Gas! Eu também sou desses tempos; continuo curtindo, não é nem a questão do mundo estar vivendo um momento RETRO!
NAO AO MICARETA
DEIXA QUETO ESSE CARNIÇA PELO AMOR DE DEUS, SO VAI DA OS NOIAS, KKKKK E MUITA VIOLENCIA
RICARDO
PARABÉNS MARCELO.NOS CONVIDA A DISCUSSÃO.SENDO ASSIM QUERO LEMBRAR QUE NO AUGE DAS MICARETAS EM NOSSA CIDADE OS HOTÉIS TINHA,NOS DIAS DA FESTA,A SUA LOTAÇÃO ESGOTADA,BARES E RESTAURANTES CHEIOS,LOJAS DE ACESSÓRIOS(TÊNIS,BERMUDA ETC.)COM GRANDE MOVIMENTO NA SEMANA QUE ANTECEDIA A FESTA,SEM CONTAR AS INDUSTRIAS DE ABADÁS E CAMISETAS COM SUA PRODUÇÃO A TODO VAPOR.TODO ESSE CONJUNTO DE COISAS GERAVA EMPREGO E RENDA PARA NOSSA CIDADE,ATRAINDO TURISTAS(ERAM MUITOS)COM UMA FESTA DE DIVULGAÇÃO DA NOSSA CIDADE NACIONALMENTE(FAUSTÃO,FANTÁSTICO,JN ETC.)PENSANDO BEM ERA UM GRANDE EVENTO COM A PARTICIPAÇÃO POPULAR.SOU A FAVOR DO SEU RETORNO.É A MINHA MODESTA OPINIÃO.E VIVA SECA GÁS!
Alexandre Damião
eesse papinho de que conquista não pode ter mais micareta, e uma balela. Na verdade tem muita gente com preguiça de fazer festa para o povo e só faz aquilo que lhe convém.
ESPERTO
Conquista virou um gueto” pertencente a alguns e para alguns.Rendendo lucro e bem estar para poucos.