É impossível ficar imune, mais impossível ainda não sofrer e se solidarizar com as centenas de mães, pais, irmãos amigos e parentes dos jovens que, de forma trágica e dolorosa, tiveram suas vidas precocemente ceifadas em uma boate no município de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Confesso que me foi preciso tempo para refletir sobre o assunto, entender todas as suas nuances, evitar o senso comum da busca impiedosa dos “culpados”, mas, sobretudo, foi preciso um prazo para sofrer solidariamente com todos aqueles brasileiros cujas vidas estão irremediavelmente marcadas por uma tragédia que obteve repercussão internacional.
Lamentei e venho lamentando deste aquele fatídico domingo, dia 27 de janeiro, este fato que me entristeceu profundamente porque ficou estampado o quanto o Brasil, com sua vasta produção legislativa, não consegue dar conta de questões primárias, como a segurança de pessoas que frequentam espaços públicos, como boates, bares, restaurantes, auditórios, entre tantos outros ambientes nos quais as pessoas se reúnem para baladas ou para debates políticos. E é necessária uma tragédia nesse nível para que as autoridades se conscientizem do óbvio: que a insegurança reina e que não há qualquer ação dos governos, em qualquer estado, em qualquer município brasileiro, no sentido de fazer o mais elementar, que é consolidar uma política capaz de assegurar tranquilidade aos cidadãos em suas múltiplas dimensões.
Em geral, os governos reclamam da falta de dinheiro para os investimentos necessários à melhoria da qualidade de vida das pessoas, especialmente com ações nas áreas de saúde, Educação, Desenvolvimento Social, etc. Mas será realmente preciso recursos financeiros para fazer frente a tantas demandas, cuja emergência está a gritar – e forte, aos berros – na cara dos governos. Será que medidas mais duras e enérgicas em relação a casas de espetáculos, apenas para ficar nesse exemplo, não estão a exigir mais comprometimento e coragem política do que dinheiro? A resposta é evidente e é uma só: é preciso que os poderes públicos no Brasil avancem para um patamar de compreensão da nova sociedade brasileira, que está, cada vez mais, exigindo que inteligências estejam a serviço do público.
Enquanto os governantes brasileiros – nos três poderes e nas três esferas – não abrirem seus olhos para a verdadeira necessidade de harmonia na resolução dos problemas, enquanto a sociedade não for mais exigente no momento da escolha de seus representantes, e enquanto o empresariado, os capitalistas brasileiros não migrarem do feudalismo para a Idade Contemporânea, estaremos todos submetidos ao jugo da barbárie, que se manifestou com toda sua veemência em Santa Maria. Aquele acontecimento nada mais significou que a demonstração trágica da existência de um câncer na sociedade brasileira, câncer que precisa ser extirpado com inteligência, paciência, mas sobretudo com coragem. O Brasil não pode ser também um país que legisle a partir de tragédias.