Ezequiel Sena
O sistema educacional brasileiro dissimula a própria ineficiência. Oficializa o erro e reverencia a suscetibilidade de alunos. Parece mais fácil a tolerância do que encarar a realidade dos fatos. Com isso, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), a cada ano, perde a credibilidade como aferidor da qualidade do ensino. Este de 2012, por exemplo, reinou a precariedade de expressões e de bons modos; basta dizer que para o tema ‘movimentos migratórios para o Brasil no século XXI’ a leniência de avaliadores foi tanta que aceitaram uma redação com uma receita de preparo de macarrão instantâneo. O que culinária tem a ver com o tema? A princípio, nada. Mas dois avaliadores consideraram adequada.
O histórico do Enem, nos últimos anos, tem sido assim quando não exibe fragilidades estruturais, que causam vazamentos e pendências, revela o baixo nível de domínio da língua portuguesa. Um prato cheio para inflamar os internautas nas redes sociais. Deboche, achincalhe e agressões gratuitas não faltaram. Raramente um comentário coerente, sério, comedido. Não é pra menos, além das falhas desastrosas de pontuação, acentuação e concordância verbal, erros irredimíveis como “enchergar” “rasoável” e “trousse” foram aceitos e, mesmo assim, algumas redações obtiveram a nota máxima.
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Muitos docentes que primam pela qualidade no ensino público postaram textos de indignação em sites e blogs, a exemplo do professor e administrador Hélio Denni Filho, de Itabuna: “Quem disse aos nossos governantes que estudar leva alguém a algum lugar? Em tempos remotos, estudar e se qualificar era enobrecedor. Houve um tempo em que saber datilografar era um grande diferencial. O profissional que detinha esse conhecimento tinha que ser ágil, preciso, saber escrever e se comunicar por meio da escrita (…)”.
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Mais adiante ele diz: “Infelizmente, esses tempos acabaram. Os professores e intelectuais não são mais os escolhidos pela sociedade para serem formadores de opinião, muito menos os escolhidos para conduzi-los. Essa classe profissional perdeu espaço para celebridades. Os jogadores de futebol, os dançarinos de pagode (principalmente aqueles que têm apelo sexual), os artistas, os participantes de BBBs e os compositores de músicas ricas em “tchu tchu tchu tcha tcha tcha” viraram a elite intelectual do nosso país. É triste ver como os nossos governantes conduzem a nossa nação para o mais pobre nível intelectual possível (…)”.
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No editorial do jornal A Tarde de domingo 24, o professor titular de língua portuguesa na Uerj, Claudio Cezar Henriques, admite que “a demagogia política anda de braço dado com a demagogia linguística”. E observa que a banca corretora prefere o eufemismo à verdade: “desvio” em lugar de “erro”, por exemplo. Já o especialista em educação e colunista da Veja, Cláudio de Moura Castro, “um candidato com erros assim não pode tirar nota máxima. Ele se apresenta mal. Portanto, não é uma pessoa educada. Não deve ganhar nota máxima”.
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Creio que para reverter esse quadro só mesmo o professor qualificado e mais investimento no ensino fundamental. Fazer do livro um alimento palatável porque a leitura além de divertir, instrui e ensina a pensar. Quanto à reprovação, não acho ser castigo; apenas uma maneira de fazer com que o estudante reflita melhor sobre a sua real falta de esforço. Do contrário, continuaremos tendo redações medíocres, erros absurdos e formandos incapazes de interpretar um texto ou, ainda, de elaborá-lo com lógica.
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Por outro lado, não há como negar a importância do Enem para a classe estudantil, notadamente como projeto novo para substituição dos vestibulares. Mas, apesar dessa intensidade, o Exame vem expondo falhas técnicas repetidas, tanto de logística como de concepção, dando a impressão de fragilidade por insuficiência na gestão. (mas isso é assunto para outro artigo).
Ezequiel Sena
2 Respostas para “Um outro olhar sobre o ENEM”
Pedro
Caro Eziquiel,
Na minha opinião suas observações são todas pertinentes. De fato,o ENEM perdeu a sua finalidade maior que seria a de avaliar o sistema educacional do país. Agora só serve para os filhos da elite e da classe média terem acesso as universidades públicas, uam vez que, o governo não tem interesse de realmente avaliar a rede pública de educação.Toda sociedade brasileira já sabe o diagnóstico da educação pública do país(sofrível) e já sebe o que é preciso fazer, contudo, nossos polícos nos decepcionam, quando não priorizam em seus governos e mandatos a educação. O resultado dessa decisão política é um prejuízo para a geração atual e futura…Diga-se de passagem, estamos vivendo extamente isso agora. O governo federal, por exmeplo, vem financiado o programa Ciência Sem Fronteira, mas, os candidatos não conseguem o desempenho mínimo na prova de língua, por não dominar uma segunda língua…..A SAÍDA É EDUCAÇÃO DE TEMPO INTEGRA E FEDERALIZADA…ABRAÇOS!!!
Sidney Borges
Tema forte, polemico e uma expressão concreta do sentimento dos professores e pais que querem uma melhor qualidade para o ensino de seus filhos. Muito feliz o Ezequiel Sena em comentar o assunto. Tenho lido suas colunas e observo que os seus textos são muito bem escritos e com qualidade.
Faz grande sentido, o senador Cristovam Buarque sonhar com a federalizacao do ensino e isso nao eh de hoje, como falou o Pedro no comentário acima.