Foto: Blog do Anderson
Por mais de quinze anos, um determinado público em Vitória da Conquista habituou-se a marcar seus compromissos das noites de sábado para depois das 19h. Sair de casa antes desse horário? Nada disso. Afinal, ninguém se atrevia a correr o risco de perder a transmissão do “Som da Tribo”, programa apresentado durante todo esse tempo por Miguel Côrtes (1967-2012). Quando Miguel encerrava o programa, com o indefectível bordão “Foi bom pra você?”, os fiéis ouvintes finalmente ganhavam as ruas da cidade.
Mais que um radialista, Miguel passou, para quem o conheceu de perto, a imagem de um verdadeiro militante em prol da cultura. Mas precisamente, ele sempre se doou à luta para que oportunidades fossem dadas aos artistas da cena musical invariavelmente chamada de “alternativa” – compreendida, nesse sentido, como aquela formada pelos artistas que não encontram lugar nos meios maiores de divulgação.
Para a sorte de músicos e ouvintes de bom gosto, o “Som da Tribo” surgiu nos anos 90 e atravessou toda a primeira década do século 21, até encerrar-se prematuramente com a morte de Miguel, em julho de 2012. “[o programa] preza pela qualidade musical, apoia a cultura alternativa e, principalmente, dá vez às manifestações que possam projetar a cidade Brasil afora”, disse o apresentador em entrevista utilizada pelo jornalista Caíque Santos no documentário “E aí, baby, vai encarar?”.
Histórias – O cantor e compositor Emanuel Nem Moraes, vocalista da banda Cama de Jornal, é apenas um entre os vários artistas que guardam boas lembranças de Miguel. Ele recorda que, em 2003, a banda foi desclassificada da seleção para se apresentar num festival de rock então existente na cidade, embora já houvesse, àquela altura, gravado o primeiro CD. Decidido a divulgar o grupo de qualquer maneira, ele recorreu ao apresentador do Som da Tribo.
Miguel não só tocou as músicas da Cama de Jornal no programa como convidou o vocalista para uma entrevista ao vivo. O programa ia transcorrendo, até que, a certa altura, tocou o telefone no estúdio: era o responsável pelo evento que havia barrado a Cama de Jornal, informando que a decisão fora revogada e, naquele momento, a banda podia se considerar selecionada para se apresentar para o público.
“A partir daí foi que começou a relação da Cama de Jornal com Miguel. Cada disco que gravávamos, nós lançávamos no Som da Tribo”, recorda Nem. Ainda assim, hoje o músico costuma se esquivar de todos os convites que lhe fazem para falar publicamente sobre o amigo. “Qualquer coisa que eu falar é pouco”, justifica-se.
Já o baterista Ed Goma, da banda Ladrões de Vinil, viveu uma história incomum: de fã e ouvinte assíduo do “Som da Tribo”, passou à condição de apresentador do programa, dividindo a locução com o ídolo e amigo. Participou das transmissões entre meados de 2011 até o fim do programa, com a morte do apresentador. “Realizei um sonho”, diz o músico. “O Som da Tribo fazia parte da minha vida. Os primeiros shows que assisti, foi com ingressos ganhos no programa”.
Homenagem – Em reconhecimento ao legado cultural deixado pelo apresentador, a segunda edição do Festival da Juventude, este ano, traz uma novidade: o Concurso Cultural Miguel Côrtes, que, além de eleger e premiar os melhores artistas e bandas da cidade, por meio de votação via internet, também oferecerá a esses artistas espaços para se apresentar na programação do Festival. Segundo o secretário municipal de Comunicação, Ricardo Marques, a homenagem é inevitável. “Desde os anos 80, Miguel foi um dos maiores incentivadores da cena musical local. Não só com o rock, mas com toda a música de boa qualidade”, explica. “É uma homenagem simples, mas é uma forma de lembrar sempre o nome dele”.
Aos artistas que quiserem se inscrever para participar, fica registrado o conselho dado pelo próprio Miguel, também no documentário “E aí, baby, vai encarar?”: “O rock não pode ser só coisa bonitinha, organizada, todo mundo tocando certinho. Tem que ter a diversão”.
Para conhecer os detalhes do concurso, clique aqui e confira o Edital.