Tombamento dos carros-pipa

Jeremias Macário

Rasguei por muito tempo o sertão baiano para fazer coberturas jornalísticas sobre a seca que sempre foi o flagelo do homem do campo, especialmente do semiárido. Os carros-pipa sempre fizeram parte desse cenário desolador, e cabia uma foto de destaque na matéria.  O pior de tudo é que depois de muitos anos ainda se fala nesses carros como meio de transporte de água para angariar votos, isto é, o uso político dos novos coronéis de conversa afiada e bem engomados. Fica aqui a minha sugestão de um projeto de tombamento cultural dos carros-pipa, a ser aprovado no Congresso pelos parlamentares.

 Afinal de contas eles (os carros, ou os governantes que temos) merecem esse tombamento, com direito a monumentos em todas as cidades do Nordeste. Com toda tecnologia avançada sobre o clima, a seca ainda é um elemento de “surpresa”, e o carro-pipa um dos paliativos chamados de “salvação”. Não pode ficar esquecido também aqui o “pau-de-arara”, utilizado por Lula e sua família a caminho de São Paulo.

  Nasci no sertão e desde menino sofria com minha família os efeitos das estiagens, inclusive passando fome, catando ouricuri, ou licuri, para misturar os coquinhos com farinha. Era nosso alimento. Dos meus pais ouvia causos e histórias de horror das secas mais duras, como a de 1932.

 Fala-se agora que esta de 2012/13 é a pior dos últimos 50 anos, ou seja, a de 1962/63. Pesquisando a história de Conquista para meu próximo livro sobre a ditadura, encontrei passagens que contam que neste período, muitas pessoas morreram de fome nas ruas da cidade. A situação foi tão grave que teve gente que se escondia no mato quando alguém aparecia porque não tinha roupa para se vestir.

 Outros “entendidos” dizem que está é a pior dos últimos 60 anos, e por aí vai. Tem a de 1913 como narra a escritora Raquel de Queiroz. Tem as da década de 30 e 40, de “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos. Do final do século XIX, por volta de 1887, o imperador D. Pedro II “jurou” vender as joias da coroa, se fosse o bastante para matar a fome dos nordestinos da seca.

 Os tempos se passaram e aqui estamos hoje no mesmo lamento, de maior dimensão em termos quantitativos de perdas e negligência dos governantes. O país atual possui bem mais joias e recursos que nos tempos do Império, mas o sertanejo e toda população brasileira continuam recebendo os mesmos paliativos dos tempos dos coronéis.

 O pior é que não é somente a seca que nos encurrala. Junto com ela temos uma corrupção cada vez mais crescente, uma economia em declínio e uma educação em frangalhos, sem falar na saúde.

  Passou despercebida a notícia vinda de Sergipe de que dois jogadores do time do América desmaiaram de fome depois de uma partida de futebol. É o profissionalismo de fachada, como acontece no campeonato baiano que a mídia faz um esforço tremendo para chamar de “Baianão”.

  Não convivemos somente com a fome da seca. Temos fome de justiça, como no caso local do menino Maicon, desaparecido há quase cinco meses numa operação desastrosa da polícia militar, em Vitória da Conquista. Temos fome de coerência política e sobra de impunidade e leis, as quais não são iguais para todos. Temos fome de meritocracia neste emaranhado de ministérios e cargos políticos comissionados.

   Vivemos sim, à base de doses paliativas de políticas públicas, como as cotas universitárias e outras tantas que constroem “cidadãos de chumbo”, que neste sistema perverso e bruto, mal sabem cuidar de seu quintal. Enquanto isso, milhares de aposentados, não marajás, passam fome, como nossos irmãos nordestinos da seca.

  O pastor Feliciano não é só uma dessas mazelas. Pior é que ele agora deixa muita gente calada quando propôs deixar a Comissão de Direitos Humanos da Câmara se os mensaleiros saírem da Comissão de Constituição e Justiça. E os presidentes do Senado e da Câmara?

  Precisamos sim, de uma faxina geral para limpar toda essa sujeira. Tudo neste país é feito de forma sorrateira para privilegiar uma oligarquia privilegiada Tem razão o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Joaquim Barbosa, quando apontou o “dedo” para os magistrados.

 


Uma Resposta para “Tombamento dos carros-pipa”

  1. Adelson

    sem dúvidas uma ótima reflexão…

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