Tenho procurado não entrar em sintonia com o negativo. Caso me xinguem no transito; ignoro. Ao ser provocado em qualquer fila, se entendem ainda não pertencer ao rol dos idosos, apesar dos flagrantes sinais exteriores da riqueza de rugas que ostento; finjo não ouvir. Atraso nos aeroportos seja no embarque, ou nas horas intermináveis de desembarque, desde o momento do pouso, até a restituição da bagagem; entro em estado de fleuma. A chamada não completa, a ligação cai sucessivamente durante a conversa ao celular, tento outra vez; tiro de letra. Os operadores e operadoras dos mil calls centeres me deixam a ouvir musica fúnebre, ou não resolvem nada do quanto solicitado; entendo. Afinal, neste país descoberto por acaso, pelo visto, tudo é feito ao acaso. Tanto pior quando se observa que o esmero passa pela intenção de não resolver, não fazer não cumprir, não respeitar, transgredir. Nossa! Quase entrei em sintonia. Esqueci de lembrar que escrevo, apenas para dizer que viajei compulsoriamente esta ultima semana, nas asas do tempo, e soube da história de Bizaga, graças a determinado banco onde opero.
Beneficiário de uma restituição relativa a valores pagos em consorcio, do qual desisti, tomei ciência da necessidade de chamar um call center, no sentido de receber o quanto imagino deveria ter sido automaticamente creditado na minha conta corrente. Mas, não me importei. Aprendi que conta corrente é feita para colocar dinheiro, pagar taxas sobre operações efetuadas, debitadas automaticamente, como tantas outras, dentre parcelas e moras. Os ônus dos correntistas são automáticos, os bônus, mecânicos. Por isto, nem liguei. Ao contrario, liguei. E não foram poucas vezes. Tenho-as registradas no meu aparelho de telefonia moderno. Também devem estar na operadora.
A partir do primeiro contato, após procedimentos seguindo passo a passo repetitivo, cientifiquei o atendente da minha pretensão. Repassados dados relativos ao grupo e cota do consorcio, além do CPF, findos alguns “desculpe a demora”, confirmou o que já sabia e inquiriu se desejava fosse restituída a importância que me pertence, diga-se de passagem, muito bem guardada nos cofres do banco, há anos. Tempos atrás responderia: “I just call to say i love you” e o mandaria, no mínimo, ao inferno. No entanto, apenas lhe disse sim.
Contudo, apenas começava o teste para saber se estou mesmo “ZEN”. Impôs confirmasse outros dados, a fim de que fosse possível providenciar o resgate. Numero da identidade, data de nascimento, detalhes da conta e agencia onde opero. Por termino, me disse faltar derradeiro indicativo para completar a operação. Pediu o endereço cadastrado no consorcio. Minha residência atual, anotada no registro da conta corrente, não servia.
Principiava ali, a viagem ao tempo. De pronto, lembrei. A importância que diz respeito aos valores dos quais mereço restituição, foi paga em parcelas entre meados de 2006 e início de 2007. A bordo deste raciocínio, o bólido mais que veloz dentro do meu imaginar, em segundos, enquanto o atendente aguardava a resposta, me levou ao apartamento de prédio que vimos terminar, eu e Roberta, fazendo-o mobiliado, decorado com carinho. Recordei o dezenove de junho de 2004, quando ela partiu linda daquele canto de tantas doces lembranças, para me receber oficialmente como marido diante de Dr. Leo e convidados, na Pousada da Conquista. As reminiscências suaves de um tempo terno que continua reverberando hoje invadiram meus sentidos. Recomposto do fascínio gritei: Alberto Leal, 142, apartamento 01, Vitória da Conquista, Bahia. O interlocutor me trouxe de volta a realidade e secamente arguiu: “Senhor, não é este o endereço que consta nos nossos arquivos”.
Retruquei inferindo haver mudado varias vezes depois que recolhi a primeira parcela do quanto buscava me fosse restituído, ponderei ter manifestado diversos dados identificadores de mim mesmo, sobretudo a agencia e conta onde foram descontadas as mensalidades, aquela onde pretendia fossem devolvidas, mas, inflexível repetiu. “Senhor, apenas posso fazer a operação, caso seja fornecido o endereço correto”. A sexta feira anterior, quando tudo começou sugeriu deixar de lado a tentativa, nada poderia ser feito naquele limiar do período laboral. Decidi, assim, retomar o assunto na segunda.
Fi-lo a partir do primeiro dia desta semana, até ontem. Pude, a cada cobrança dos atendentes viajar às diversas moradas onde estive daquele tempo para cá. Senti as delícias provadas em todos aqueles cantos e amarguei as agruras próprias da vida, que nos reserva surpresas dúcteis e acres em seu curso. Na sequencia me lembrei da casa amarela, na Sinfrônio Ferraz, no Caminho do Parque, a preferida de João, de todas onde viveu nestes seus quase quatorze anos, para onde fomos depois que vendemos o apartamento da Aberto Leal. Dentre inúmeras sensações rememoradas digo ter sido lá o lugar onde comecei a escrever meu livro que será publicado em breve. Entretanto, também não era o local que o atendente solicitava.
Deixei Conquista embalado nas chamadas seguintes e desembarquei em Salvador. Pilotando as imagens, do esconderijo na Eduardo Diniz Gonçalves, situado no Edifício Marazul, ao Quinta do Mar, da Guadalajara, no Morro do Gato, senti o aroma e o sabor do café da manhã provados no Othon e no Monte Pascoal, mergulhei nas águas da Ondina e do Farol da Barra, pulei da cama, já sessentando, para enfrentar o arrastão de Carlinhos e Ivete nas quartas feiras de cinzas dos carnavais em que estive no entorno. Ao fim de cada quimera, de novo: “Senhor, apenas posso fazer a operação, caso seja fornecido o endereço correto”.
Após nova chamada amarguei no juízo o hiato da relação conjugal, quando meu transporte se submeteu à lembrança de uma era em que Roberta foi morar no Vila das Flores, na Avenida Oceânica e parti para a solidão do Loft, no corredor da Vitória. Imaginei, quando isto se deu, que minha agulha imantada não seria mais apontada para ela, meu único norte nestas luas cheias desde quando lhe abracei e escolhi. Porém, exultei quando revivi, ao serem reparados os mastros e panos das velas de nossas vidas e o casal aparentemente desfeito passou a ter, ao invés de dois abrigos distintos, residência de verão. Saboreei os arrepios das horas quando João se banhava nas águas tépidas e translucidas da baia de Todos os Santos, alcançadas pelo teleférico do prédio, enquanto eu e ela navegávamos como Guma Livia, de Jorge Amado, nas noites de luar a bordo do saveiro encantado, nos lençóis alvos de nossa cama do apartamento 804 e das nossas almas, ao embalo do resgate de um amor amadurecido. Findos os devaneios, outra vez: “Senhor, apenas posso fazer a operação, caso seja fornecido o endereço correto”.
Depois da enésima tentativa acordei na varanda enorme do Valério de Carvalho, no Campo Grande, onde estamos bem amalgamados por último, juntos e felizes, posto fomos capazes de enfrentar as múltiplas maratonas vivenciadas nestes anos findos, em meio a tantos sonhos e pesadelos, de certa forma imaginando terem sido miragens as recordações descritas. Isto porque, nenhum destes endereços atendia a solicitação daqueles que detinham o poder de devolver o que me pertencia.
Fui então pessoalmente a duas agencias da instituição bancária, munido de documentos pessoais, cartão de débito/crédito, comprovante de residência, certo da solução. Numa delas, em Salvador, a funcionária que poderia fazer a alteração capaz de finalizar este périplo virtual, estava fora. Precisei vir a São Paulo. Segui à seccional da Berrini, no intuito de visitar um colega e amigo de fé, irmão, camarada. Dimas Pinheiro, assistente do Diretor daquela unidade, Dr. Francisco Campos, outra figura de raro valor. Experiente no timão do barco onde navegamos nestes mares da polícia há quase quarenta anos. De lá visitaria outro irmão, perola rara da polícia paulista, brasileira, mundial, o indefectível Rui Fontes, como de fato visitei na 27 DP.
Antes passo na agencia que está nas proximidades da rua onde funciona a 96 DP. Sou atendido gentilmente por um jovem gerente. Depois de vinte minutos teclando, questionando e conferindo dados reporta que, infelizmente, não poderá concluir o procedimento. O documento que apresento, certificando meu endereço atual, se trata de extrato do cartão de crédito emitido pelo próprio banco. Segundo ele, o sistema não aceita como comprovante de residência, documento que a mesma casa emite e envia para o cliente por via postal. Concordo com Simão. Brasil. O país da piada pronta.
Contesto. Ele capitula, mas me obriga fazer carta de próprio punho, solicitando a mudança de endereço e meus papéis são todos xerocopiados. Enfim, sou cientificado pelo rapaz de que em cinco dias uteis tudo estará finalmente resolvido. Que bom!!! Dentro de mais uma semana poderei ligar de novo solicitando o que venho pedindo há dias.
Vou ao encontro do parceiro e desabafo com Dimas. Não pude fugir ao desprazer de sintonizar. Estava irado. Mas, ele me põe com sua irmã ao telefone e ela me conta a seguinte estória: Há anos, em Santa Cruz do Rio Pardo, um sapateiro conhecido por Bizaga, figura amiga de todos na região recebeu sua casa num conjunto popular. Os módulos exatamente iguais, pintadinhos de branco, como um pombal. Certo dia, depois do expediente, Bizaga toma umas pingas. Chega ao bairro e não consegue achar a própria residência face a similitude das unidades. Resolve bater numa porta qualquer e pergunta a mulher que o recepciona. A senhora sabe onde mora Bizaga? Ela retrucou. Mas, o senhor é Bizaga! Ele grita: Eu sei que sou Bizaga, só não sei aonde moro!!!” Rimos aos borbotões. Fugi da sintonia negativa. Descobri que pude sentir nos dias findos grandes emoções. Tudo. Graças ao banco.
Creiam, como num passe de mágica, de repente tudo foi resolvido. Preservo de que forma, da mesma maneira que faço em relação à casa bancária.
São Paulo, 17 de maio de 2013.