Ócio, pai de todos os vícios

Valdir BarbosaValdir Barbosa

Pousado em Conquista, na Pousada da Conquista, que tem me acolhido nestes mais de trinta e cinco anos, no dia em que completo sessenta e uma eras, divago acerca do quanto já sabia, desde tempos imemoriais. O ócio é pai de todos os vícios. Confesso ter me entregue a ele nos dois últimos dias. As cidades do interior, com suas peculiaridades, onde tudo é mais fácil, permite agilizar providencias, findas as quais, na falta do que fazer, junto a amigos sempre solícitos, sobretudo nestas horas, nos tornamos andarilhos. Então, Johnnies, Seletas, ou Periquitas (falo de vinho), comandam nossos caminhares. La para as tantas, meio trôpegos, contamos vantagens e mentiras, perdemos o rumo e o prumo. Assim fiz eu. Perdi até o voo que me levaria de volta para casa, onde deveria acordar ao lado dos meus amores, para receber deles os primeiros abraços e beijos por conta da data.

Qual nada. Ao abrir olhos, sozinho na cama do hotel onde me acho, amarguei, entre uma ponta de ressaca e a dor da solidão lendo mensagem acida da minha santa esposa, diga-se de passagem, coberta de razão. Estou seguindo finalmente ao seu encontro. Espero que desfaça a ira, sou carente dos seus abraços, viciado nela.

Voltando aos ócios e vícios, digo que acomodados nos mínimos, de forma errante, maximizando poderes sem poder, seres desocupados imaginam fazer e acontecer. Não produzir induz à sensação de fluir o tempo em brevidade, mas, realmente vive o ocioso meio que partindo do tudo para o nada. A inércia os leva do querer ao desquerer, lhes torna juízes a prolatar inverossímeis sentenças. Contrariando o norte, desviando rotas, desconstruindo vias certas, os inativos assumem ares de reis, porém, sem trono, proprietários de castelos irreais, facilmente derrubáveis por qualquer mínima brisa.

Nisto reside o perigo do assistencialismo desenfreado. Assim entende meu sentir. As bolsas, nos últimos tempos distribuídas à mancheia, de certa forma não passam de meras esmolas incapazes de levantar o ânimo. Lembro então do velho Luiz, o Gonzaga quando cantava: “Mas Doutor, uma esmola, para o homem que é são, ou lhe mata de vergonha, ou vicia o cidadão”.

O homem apenas se sente verdadeiramente animado, quando ganha para fazer. Recebendo para não fazer o ser vivente vai minguando e, mesmo sem querer, pouco a pouco se transforma num pária. Cria-se então um circulo perigoso.

O ócio que conduz a todo tipo de vício, como dito, esbarra na impossibilidade de sustentá-lo, com os recursos oriundos desta mesma fonte que engessa, pois alimenta a preguiça. Então, os fatores condicionantes dele decorrentes, obrigam o viciado a buscar de todas as formas, meios de satisfazer seus desejos. Abrem-se diante disto as porteiras da deliquencia e o crime eleva seus patamares a níveis insustentáveis, da forma que se tem visto ultimamente.

Claro que o aumento da criminalidade envolve uma gama de fatores, sejam eles de cunho socioeconômicos, psicológicos, ou culturais. De certa forma ocioso passeando nesta terra que amo e que abracei como minha segunda urbe, me permito considerar sobre o assunto, deixando que o leitor reflita sobre esta questão preocupante.

Faço-o com lastro na experiência de vida laboral, do alto dos trinta e sete anos de profissão, delegado de policia desde quando deixei os bancos acadêmicos, nos idos de 1975. Existe tempo de fazer história e de contar estórias e histórias. Chegou meu tempo das narrativas e reminiscências.

De toda sorte, por sorte, nestes dois dias que passei por cá, consoante comentei meio na inatividade, fui presenteado pela companhia de dois personagens, protagonistas de duas das minhas histórias. Cada um deles, no seu canto e ao seu tempo viveram dramas, que por pouco não lhes fez passar à eternidade precocemente. Doval e Cesar.

O primeiro, ainda garoto, foi vitima de sequestro. Juntamente com a irmã ficaram em cativeiro por mais de um mês, apenas sendo libertados mediante pagamento de quantia expressiva. Pude revê-lo já adulto, no comando de um estabelecimento que lhe pertence, casado e feliz.

Cesar levou doze tiros, muitos deles na cabeça, disparados por pistoleiro que invadiu sua empresa na cidade de Mortugaba. Uma das balas estourou seu olho direito deixando sequela irreparável. Sua situação ao chegar no hospital era tão crítica que, dias depois, o médico que o atendeu na urgência, sendo instado a fornecer laudo que autorizaria sua transferência por via aérea para outra cidade, duvidou que ele houvesse sobrevivido.

Tomamos café juntos na Mássima, lanchonete existente no posto que pertenceu a meu saudoso amigo Sergio Gonçalves, na Vitor Brito. Afora a perda da visão direita e um pequeno comprometimento do dedo de uma das mãos, ele está ótimo. Disse-me que enquanto era atacado pelo indivíduo que atirava contra si, defendeu-se bravamente apenas com a força dos braços tendo sentido a presença de Deus, o que lhe deu, mesmo naquela hora trágica, a certeza de que sobreviveria. E sobreviveu, realmente por milagre.

No caso de Doval comandei equipe que esclareceu o crime, em trabalho realizado com colegas paulistas do Grupo Anti-Sequestro. Foram identificados e presos todos os bandidos responsáveis pelo delito que o vitimou e a sua irmã Miriam.

Atendendo a pedidos, autorizado pelo meu chefe no Tribunal de Contas, onde me acho lotado, colaborei na investigação que logrou localizar o autor do atentado contra Cesar. Pude, juntamente com parceiros da divisão de capturas paulista localizá-lo naquela metrópole, cuidando de auxiliar na escolta que o trouxe para a Bahia. Esta providencia objetivou o esclarecimento do delito, com a identificação dos mandantes e intermediários que participaram da empreitada, em operação comanda por Dr. Odilson, o Coordenador de Policia de Conquista que os prendeu a todos.

Os encontros inusitados me fizeram estar tomado de emoção. Talvez, por conta disto tenha me deixado entregar aos prazeres de Baco e exagerei. Volto para casa mais velho do que saí, agradecendo ao Criador por me conceder a graça de chegar até aqui com saúde. Retorno aos meus, disposto a não exagerar de novo. Sei lá. Depois dos sessenta creio merecer curtir, de vez em quando, o ócio sadio que me aquece a lembrança transformando o velho polícia, num simples contador de histórias e estórias.

Vitória da Conquista, 25 de maio de 2013


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