Azeite doce nos cabelos

Jorge_Maia

Por Jorge Maia

Eu era menino, e não faz muito tempo. A lembrança permanece viva. Foram tantas vezes as repetições que se tornaram inesquecíveis. Vou falar de apenas uma delas.  O outono se encerrava. Algumas folhas secas se antecipavam ao inverno e eram sopradas pelo vento ainda morno, farfalhando sua voz inconfundível, estabelecendo limites entre tempos programados pela natureza. Embora seja sertão, onde as estações não se diferenciam, com raras exceções, no inverno, percebia-se que o tempo mudava, ainda que de modo brando.  Na primeira parte da tarde, quando o sol ainda mostrava vigor, depois das brincadeiras, correrias pelas ruas, sem nada a temer, na pacata Aracatu, onde o perigo era escasso e as recomendações eram: tomar cuidado com caco de vidro, não andar descalço, tomar cuidado com cachorro e olhar para os lados quando fosse atravessar a rua. Não havia sequestro e nem outro perigos, como ocorre hoje.

Depois desse lazer natural, em que imperava a criatividade e muita imaginação, ouvia o grito das mães chamando os filhos para o banho. Sim, eu era rico, em minha casa tinha água para o banho. Água trazida de uma pequena cacimba. Era carregada por meu pai, a quem muitas  vezes acompanhei, mais pela curiosidade de ser um passeio do que pela possibilidade de ajudar.

Mas, enfim, era a hora do banho. Agradável, tal qual todo carinho de mãe. Depois, enxuto e vestido a roupa limpa, vinha a parte mais difícil para mim. Aquele era o dia de passar azeite doce nos cabelos. Os mais jovens não sabem o que azeite doce, simples; é azeite de oliva. Minha dizia que era para afinar os cabelos, mas eu não gostava do cheiro do azeite, dava a impressão de trazer na cabeça um cheiro de comida.

Aí, começava a maratona, eu corria, girando ao redor da mesa da sala, minha mãe  atrás, não tinha como escapar, entre lágrimas e protestos meus cabelos eram oleados em  nome da proteção que o azeite doce garantia.

Atualmente é uma parafernália para os cabelos: shampoos, condicionadres, cremes e tantos produtos que alimentam a indústria de cosméticos que parece não ter fim. Quando contemplo no espelho os meus poucos cabelos, já brancos,  crédito ao azeite doce a   permanência dos poucos fios que resistiram e tenho um sentimento de agradecimento a minha mãe, que em sua correria atrás de mim, lambuzando meus anelados e  dourados cabelos, queria conservá-los. Conseguiu um pouco, mas conseguiu  a  minha gratidão permanente. Hoje, uso em minhas saladas o mesmo azeite antes usados nos cabelos, mas não conheço quem use o seu shampoo ou condicionador em sua salada.

Jorge Maia 02 de junho de 2013


3 Respostas para “Azeite doce nos cabelos”

  1. Clara

    Professor Jorge Maia, parabéns pelas suas crônicas, são divertidas, leves, nos enriquecem com as suas histórias. Estamos aguardando o livro!!!

  2. Jorge Maia

    Obrigado, menina. Quem sabe chegaremos lá.Jorge Maia.

  3. Dablio Ferraz

    Jorge Maia,
    como sempre nos encanta suas histórias, desde os idos da Faculdade.
    Me lembro dos casos hilários das suas provas, recheada de personagens da literatura mundial que se interagiam no campo das obrigações, contratos. direito de família, entre outros, mas que com certeza ninguém jamais esqueceu, e melhor, depois de muito você insistir com o seu célebre RELEIAM, acabei que relendo muito daqueles livros, até mesmo as histórias da Turma da Mônica.
    Agradeço também em nome de todos os seus alunos. Obrigado!!

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