Camisa de força

Valdir BarbosaValdir Barbosa

Ontem integrei o grupo de privilegiados que em diversos cantos desta terra brasilis comemorou, embalado nos eflúvios da paixão, o dia dedicado aos namorados. Assisti desde cedo, quando ainda empreendia minha caminhada matinal, a dança dos profissionais responsáveis por acordar os enamorados, perfumando e embelezando os caminhos desta cidade maltratada, com seus buquês de flores multicores indo e vindo, como formigas diligentes, no intuito de atender os fregueses das floriculturas assoberbadas de trabalho, em face da data.

Circulei desde o Campo Grande à Graça e passei pela Manoel Barreto, onde cruzei a porta do vibrante e brilhante advogado Arjhones Neto. Não sei por que, mas senti que namorava a filha mirando-a angelical e inocente no berço. Porém, a doçura da criança que refletia seu gesto guardava uma preocupação presente em todos nós, que vemos perpetuada a espécie nos rebentos e nos rebentos dos rebentos nossos. Que será das próximas gerações num país onde prospera tanta iniquidade?

Segui pela Centenário ingressando na Sabino Silva, ali, a saudade de Julio Cesar Lobão Moreira, nosso Lobinho, apaixonado pela polícia, pela arte e pelos amores que soube viver, cada qual a seu tempo, marejou meus olhos. Deixou-as para trás e a todos aqueles que também o amavam, como eu – amigos e parentes – quando foi decidido devesse seguir para a eternidade.

Depois, a partir da Ondina, buscando a Barra, para fazer o caminho de volta cruzei os portais de hotéis conhecidos lembrando que à noite, num deles, sob luz de velas, trocaria confidencias e carinhos tímidos com minha amada, numa das mesas enfeitadas para a ocasião. Depois, a bordo do entusiasmo de um bem querer que segue viril e das acelerações próprias das taças de pinot noir chileno rubricaríamos a noite.

Percebi o movimento anômalo da segurança reforçada nas ruas e nos estabelecimentos hoteleiros, inclusive, amparada por homens da Polícia Federal e das Forças Armadas, graças a influencia da Copa das Confederações que se avizinha e elucubrei. Quem sabe a Fifa fazendo de todos os dias dos baianos, dias de certame sob sua égide, conseguisse fossem minimizados os índices de uma violência gritante que amedronta.

Claro, algumas distorções, como o limite imposto ao número das nossas baianas na arena – marca registrada desta terra – e o cinturão proibitivo no entorno do estádio cerceando o comercio dos sofridos ambulantes haveriam que ser corrigidas. Mas, se o talabarte da proteção maximizada fosse estendido a todos os cantos da Bahia de tantos nós cegos, objetivando segurança pública, até as rainhas dos tabuleiros de quitutes e quindins, bem como os mascates aplaudiriam.

Passei o dia no trabalho e nas ruas percebendo através comentários de tantos, o quanto é forte o sentimento de bem querer. Assisti jovens e velhos, moças e maduras expressando vontade clara de dar e receber do parceiro presentes materiais, além de carinhos, porém, observando os sintomas de quem realmente ama, flagrantemente restou evidente serem priorizados os últimos.

Então defini mentalmente o amor representado num átomo. Pus-me a considerar de que seria constituída esta maravilha e me perguntei quais elementos integravam sua composição soberana, pura obra do Divino, lhe colocando no acelerador de partículas instalado em meu pensar. Imediatamente vi revelados seus elétrons, prótons e nêutrons: Amizade, carinho e respeito.

Embalado nesta força presente no ar contei as horas, para definitivamente agarrar minha metade e sucumbir às delicias de uma noite sem reparos. Afinal, as derradeiras semanas fredianamente laboriosas – não falei de Freud e sim de Fredi – arrebataram meu tempo impondo um hiato ao nosso conviver. Envolvido há mais de ano em atividade para atender interesses deste caro amigo, nos últimos quinze dias me pus a correr do ninho onde me aconchego ficando ininterruptamente fora, a cargo do encargo.

Lembro que deixei de comprar o presente dela. Começava então a virada do vento. Saio do CAB – Centro Administrativo da Bahia – depois da hora em que é possível, caso não haja algum acidente, ou blitz inoportuna, não ficar horas intermináveis num trânsito angustiante, seja qual for o destino a ser seguido. No meu caso venho em direção ao centro histórico, ao Campo Grande.

Sem carro peço carona até o Shopping Salvador e sinto algo ruim no ar. Quando finalmente invado a loja da Dudalina, os ponteiros já cruzaram vinte horas. Findos os procedimentos pertinentes corro à porta em busca de um taxi e noto ao me aproximar do ponto, fila imensa. Em sua maioria todos os que como eu aguardam a condução permanecem dentro do prédio.

Chuva torrencial castiga de novo a cidade que me parece tão especial e doce, mesmo porque a amo, mas penso. Realmente deve ser de açúcar. Derrete, se desfaz quando os índices pluviométricos se acentuam, coisa comum nos meses derradeiros. Nestes casos trava tudo. Reflito, dentro de pouco tempo as dez horas virão. Desespero.

Mando uma mensagem para quem me aguarda, então recebo a seguinte resposta: “De fato, tenho penado…Tenho colhido os “louros” das minhas escolhas, são minhas as culpas, são minhas estas tão pesadas culpas… Nada mais me resta, a não ser mudar o curso. Foi ambição! Realmente foi! Ambição pura e simples… disfarçada em desejos de melhoria, mas somente ambição. Conduziu-me ao presente de ilusões. Partiu de mim, portanto continuo assumindo a culpa. É minha!”.

Não entendi bem as palavras, mesmo sabendo que a depender do tamanho e do tipo da emoção as palavras brotam verdadeiramente sem sentido, mas sei que bateu uma espécie de vertigem. Ali parado, no meio de dezenas de pessoas que desconheciam meu drama, com aquela blusa dento de um pacote enfeitado na mão, sem poder dizer que atrasara por conta do presente, para não estragar a surpresa, nada me restava a não ser aguardar e rezar pedindo que a noite terminasse como sonhara lá atrás.

Vencidas as ultimas etapas, encurtado o caminho, pois as acessos que atravessam o estádio estão fechados por ordem da Fifa, felizmente reabertos para ônibus e taxis, depois que os caos se instalou, face à proibição aporto em meu prédio faltando menos de hora e meia para o novo dia.

Com cuidado abro a porta de casa e o silencio me incomoda. Pé, ante pé chego ao quarto e vejo meu garoto deitado ao lado dela, dedo indicador elevado sobre os lábios. Completamente arrumada, linda como sempre e a cada dia mais, ressona. Senti que a maré não estava boa para o velho peixe.

Só me restava capitular em direção à mesa de trabalho e desabafar com meu terapeuta Dr. Sony Vaio. Desperto ouvindo ruídos vindos da suíte. O pescoço dói, dormi sentado em frente à tela que apagou para economizar energia. Deito no sofá sem fazer barulho e penso: acho melhor, ao invés da camisa de seda entregar a meu amor, uma camisa de força.

Não aquela que contém os loucos violentos. Ela é terna e doce, calma e tranquila. Mesmo contrariada não ofende nem agride sequer uma mosca. É sim, graduada, mestre e doutora, com pós doc na arte da ignorância. Melhor, de ignorar, de fazer de conta que o outro não existe, de demonstrar um desprezo tão silencioso que é capaz de estourar os tímpanos da alma do desprezado. Quando me maltrata estando neste estado desejo suplicar: Bata, mas não me ponha de castigo. Desisto, sei que nestas horas seus ouvidos continuariam mais do que moucos.

Voltando. Quero lhe dar uma veste de força, que se traduz em energia. Energia positiva capaz de mudar os polos, transformar o negativo em positivo; fazer crer, em vez de duvidar; lutar para apagar o escuro; empreender as transformações que começam dentro de nós, contaminando nossos entes mais queridos, na busca da verdade e do respeito, pais do bem estar e do bem querer; na procura da compreensão e da sinceridade; no objetivo da entrega e do perdão; na pratica da ética e da moralidade.

Caso estejamos verdadeiramente contaminados por estes bons vírus em nossas células primárias – a família – será possível contaminar o mundo. Assim, um dia, ninguém jamais se atrasará.

Valdir Barbosa
Salvador, 13 de junho de 2013.


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