Geraldo Alckmin e as outras inquietações

Dimitri

Dimitri Sales

A imprensa potencializou os atos de violência ocorridos nas primeiras manifestações contrárias ao aumento da tarifa do transporte público, relativizando a reação da Polícia Militar em face das condutas equivocadas de alguns manifestantes. Até o momento que a própria imprensa amargou o dessabor de suas tendenciosas informações. Após os atos de violência gratuita promovida pela própria PM na última manifestação, em 13 de junho de 2013, que não mediu esforços em reprimir com extrema violência os cidadãos, manifestantes, jornalistas ou simples transeuntes, a imprensa resolveu revelar a verdade dos fatos, apontando equívocos de certos manifestantes, ao tempo que desnudou o “heroísmo” das forças de segurança, assinalando a covardia de seus gestos.

Na mesma direção, diante da violência policial da última quinta-feira, o Governador Geraldo Alckmin não adotou um único discurso que apontasse o excesso da Polícia Militar. A todo o momento, relativizou os atos de violência do Estado, buscando justificá-los pela presença de um “pequeno grupo” violento, ou a ações com “viés político”, sem fundamentar sua vazia retórica. Limitou-se a dizer que “se houver um abuso isolado”, será rigorosamente apurado (isolado?). Afirmação essa que não goza de qualquer poder de convencimento, considerando o conjunto de suas falas. 

Asseverando sua pálida retórica, o Governador apostou no enfrentamento: anunciou o aumento do efetivo da força policial para a manifestação de hoje à tarde.

A postura do Governador, suas palavras ou silêncio, não apenas legitima os atos arbitrários praticados por sua Polícia, como, por vias indiretas, estimula e reforça uma prática enraizada na cultura autoritária há anos alimentada no Brasil. Sendo o Chefe da Polícia Militar, deveria ser o porta-voz de um processo de modernização da cultura policial no Estado Democrático de Direito.

Por outro lado, os atos de violência da última quinta-feira despertaram na população um sentimento de insatisfação, capaz de tornar percebidas inquietações silenciadas. Há muito que muita coisa incomoda as pessoas, individualmente consideradas. Mas essas inquietações não estão sendo expressadas, especialmente em razão de uma cultura de acomodação política, de não-participação. Aos poucos, canais de expressão vão surgindo, canalizando os incômodos, abrindo caminhos para reivindicações comuns.

Duraram muitos anos para que as inquietações dos povos árabes fossem canalizadas para a luta comum contra os regimes autoritários. Não foi a imolação de um cidadão egípcio absolutamente anônimo que justificou as manifestações que levaram à derrubada de regimes autoritários na Tunísia, Egito, Líbia e (ainda em movimento) na Síria, além dos efeitos sentidos no Iêmen, Sudão e Jordânia – a chamada Primavera Árabe.

Certamente, a luta na Turquia não se resume à preservação de árvores da praça Taksim, mas a insatisfação com a possível derrubada fez canalizar a expressão de desejos silenciados, inquietações pulsantes, para uma luta maior, comum.

No Brasil, há muito que a sociedade não experimenta canais de expressão de insatisfação. Certamente, os que haviam num passado recente se esgotaram na década de 80. Pouco se vivenciou nos anos seguintes. Mas as inquietações existem e vão sendo sentidas, percebidas, ainda que individualmente. As redes sociais têm servido para que elas se tornem conhecidas e, ao poucos, compartilhadas.

O desafio do Movimento do Passe Livre, responsável pelos protestos contra o aumento das tarifas, neste momento em que a sociedade se soma à sua luta, é fazer ampliar o debate para além do valor da tarifa em si, pautando desde a questão da qualidade do transporte público até a discussão em torno da construção de uma cidade sustentável e politicamente saudável. É possibilitar que as insatisfações possam ser canalizadas nas suas manifestações e para além delas.

A manifestação da tarde de hoje tenderá a ser, numericamente, maior. Ante a violência da Polícia Militar na última manifestação, a sociedade se somará contra a violência do próprio Estado, sentida a partir de diversos ângulos, mas com a mesma raiz. Seja pelo abuso de autoridade dos agentes da segurança pública, seja pela insatisfação quanto aos gastos bilionários com as Copas ou pelo aumento das tarifas, por diversas razões as inquietações vão se expressando, se tornando visíveis e, mais adiante, comuns.

Destaca-se um fator interessante: o recrudescimento de um pensamento conservador nos últimos tempos no Brasil é fator impulsionante de insatisfações. Tradicionalmente, os jovens são os porta-vozes da vanguarda reivindicatória, das ousadias de pensamento. Neste momento, o avanço de ideias moralizantes, que buscam enquadrar a sociedade em antigos modelos fechado de experimentação humana, nos tempos da informação tecnológica, é estimulante da atuação da juventude em iniciais espaços de expressão de inquietações. Tome como exemplo as permanentes manifestações contrárias à eleição do Dep. Pastor Marco Feliciano para a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados ou as manifestações contra o Projeto de Lei que cria o “Estatuto do Nascituro”.

Um aspecto se sobressai neste particular: as atuais formas de manifestações das insatisfações saem dos tradicionais cânones das organizações sociais, assumem novas maneiras de expressões. Desta maneira, fica difícil identificar e cooptar “os líderes”, estabelecer controle sobre os insatisfeitos, utilizá-los para interesses partidários. A espontaneidade que, especialmente, as redes sociais propiciam faz inaugurar uma nova forma de “organização” da sociedade civil, tão legítima e eficiente quanto os tradicionais sindicatos e organizações não governamentais.

Diante deste cenário, a postura do Governador de São Paulo se mostra anacrônica e aponta para mais confrontos no front das lutas sociais. Incapaz de perceber as mudanças ao redor, bem como o surgimento de canais de expressão de insatisfações, assevera uma postura que resulta na afirmação do Estado-total, centralizado, preconceituoso, avesso à participação dialógica.


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