Jorge Maia
Eu era menino, e não faz muito tempo, saindo da infância e entrando na adolescência, morando na cidade, mas em casa com quintal. Sempre tive quintais, um canto da casa que hoje é desconhecido pelos mais jovens e urbanos. Naquela época meu quintal tinha abacateiro, cana caiana, em linguagem coloquial, adorável, pé de laranja e pé de pêssego. Havia galinhas poedeiras e em algumas oportunidades era tirada uma ninhada. Era um encanto. Das frutas, o pêssego era a que eu mais gostava. O pêssego tem um encanto especial. Sua polpa macia e seu doce sabor servia de merenda, pois era acompanhada da aventura de subir na fruteira para colher, ou mais perigoso ainda; subir no muro do vizinho para pegar os pêssegos nas galhas que pendiam para o nosso muro. Muitas vezes eu ouvia: saia dai menino, você vai cair, era meu pai, ou era a voz do vizinho que dizia a mesma coisa e nestas ocasiões eu descia desembalado do muro, quase caindo e quebrando a perna ou o braço.
Mas não era só isso; guardava os caroços dos pêssegos, e quando secos, comia a massa que ali existia, só depois é que descobri que daquele conteúdo poderia ser extraído cianeto, um veneno muito forte, mas tranquilizei-me quando descobri que para morrer era necessário comer o conteúdo de mais de quinhentos caroços. Eu já havia comido por volta de 496. Pensei: escapei.
Um cheiro de amanhecer era aquele que logo cedo invadia o meu quarto; o era o cheiro do café de minha mãe. Eu acordava, estava vivo. Era uma alegria saber que a vida continuava e que em pouco tempo eu estaria indo para a escola, aquele cheiro suave era o que despertava o apetite do dia, o prazer gustativo, antes, acompanhado do som da colher mexendo o café na chocolateira, sim, era assim que era chamada aquela vasilha. Era um som tão característico que nunca outro alguém conseguiu reproduzi-lo, coisas de mãe, ouvidos de filho.
Tudo isso era antecedido pelo cantar do galo do nosso quintal e do quintal dos vizinhos. Relógios naturais que saudando o amanhecer, transformavam-se em orquestra em trabalho coletivo de despertar os homens, lembrando-lhes do dia que começava, era um encanto.
Em minha casa havia galo e quintal. Mais tarde pude compreender: Catulo, Drumond e Belchior. Ainda hoje, quando acontece ouvir um galo triste espalhar o seu canto mundo afora e me despertar, fico calado, ouvindo e aceito o chamado para um novo despertar, como aquele da juventude nas ruas do meu país: vem p’ra rua, vem, p’ra rua…
Vit. Conquista, 21.06.2013
10 Respostas para “Sabores, cheiros e sons da infância”
Valmir Henrique de Araújo
O bom escritor permite que a gente leia e o releia. O ótimo escritor é aquele que a gente degusta e desiste de escrever algo, sobre a infância, por exemplo. Depois de Jorge… a gente assiste à nossa infância. Desperta para o dia, mira a lua e grita VIVA JORGE! E como áurea e alma são duas fontes de mistérios o nome mais próximo delas é MAIA.
Rodrigo Maia
Quintal tem cheio de infância. Lá no condomínio da Fernando Spínola tinha uma pé de siriguela onde a gente escalava e não saia de lá. E o quintal de vovó Déia sempre gostei: um silêncio bucólico no meio da cidade.
Leo
Lembranças são bem contadas quando nos fazem sentir e imaginar o que sequer conhecemos. Salve, grande Jorge Maia. Que seus dias sejam longos para que possamos sorver de seu saber e, quem sabe, apreciar mais alguns de seus contos.
Bruno Maia Santos
A infância tem de fato sons, cheiros e sabores característicos, é a prova da viagem no tempo e espaço!
Nay Pereira
Perfeito, prezado professor Jorge Maia, sempre especial!
Lindy
Também recordei a minha infância. Nós éramos felizes e não sabia
Minha cidade era bem pequena e todos tinham uma vida muito simples.
Todas as casas tinham quintais e às vezes eram separados por pequenas cercas . Todos gostavam de cultivar plantas frutíferas e flores, principalmente rosas vermelhas ou brancas… Era comum os galhos das plantas de uma casa perpassar para a casa do vizinho, mas aí que estava a nossa alegria, apanhar aqueles frutos que tinham sabor especial… não sabia eu que aquele sabor lembraria minha infância… hoje quando como goiaba ou tamarinho recordo da minha doce infância…
Jorge Maia
Obrigado a todos vocês, além de gentis, incentivadores. Jorge Maia.
Joelma Maria de Carvalho
Pois é querido Jorge Maia, acredito que sou um pouco mais nova que o senhor e viajei na minha infância ao ler sobre a importância de duas coisas mencionadas em seu texto: o quintal e as frutas. São tão importantes para mim, a ponto de deixar um AP que comprei e alugar uma modesta casa pra que meu filho possa curtir de forma saudável a sua infância. Apesar de não ter as frutas , vejo a sua felicidade ao rodar de bicicleta de um lado pra outro e ao me ajudar a molhar as plantinhas no nosso pequeno jardim. Interessante por demais o seu texto e só quem teve uma bela infância pode entender o que isso representa na nossa memória de adulto. Que outras crianças possam ter esse privilégio. Um forte abraço meu e do meu garotinho Cauã Menotti.
Juliano Azevedo Paim
Citando nosso amigo Jorge Maia, se você já leu este texto, Releia! Sensacional. Muito Talentoso esse Professor. Me lembro que na minha casa, na infância tinha pé de Caqui, Pitanga, Café, Mamão, galinha e até um bode, isso em 200m², hoje tomados pela cerâmica. Saudade!!
Karla Pozzi
Texto simplesmente sensacional!! Quem tem ou já teve a experiência de vivenciar tudo isso, sabe exatamente como são essas sensações… a simplicidade em nossa vida é a essência para que vivamos com qualidade!!!