Uma festa de arromba

Jeremias Macário

Jeremias Macário

Quis sempre cobrir uma festa de arromba, mas sempre fui eliminado da lista como persona non grata, como aqueles barrados no baile, que ficam na entrada da portaria acompanhando o movimento de fora. Teve uma festa de arromba na Ilha do Governador, se não me engano lá pelos anos 60, que deu muito que falar e até hoje é comentada.  Vez por outra, a festa, programada por reis, rainhas, duques, condes, marqueses, barões, tribunos, lordes, chefes e membros da nobreza, é contestada bravamente com manifestações de todo tipo, desde as pacíficas com palavras de ordem às mais agressivas com quebra-quebra, pichações e depredações. Dessa vez, os movimentos resolveram acompanhar os convidados em todos os lugares, fazendo barulhos e protestando contra a esbórnia que chegou a um nível intolerável de orgias.

 

 A festa de arromba em terras brasílias é muito diferente de outras pelo mundo. Aqui demora anos e anos, até séculos, e não tem data para terminar. Quando os gritos estão altos demais lá fora e começa o empurra-empurra entre os seguranças, para forçar a entrada do prédio, alguém aparece da sacada do palácio, pedindo calma e anunciando um parlatório para encerrar a festança, só que não passa de engano.

  Para aplacar os ânimos e fazer uma média, um nobre cara-de-pau diz da janela superior que apoia a revolução e até promete reduzir a comilança lá dentro, mas não pode abrir mão das bebidas e das comidas mais sofisticadas. O apreciador do vinho francês Romanée-Conti chama os opositores de elite burguesa. Xinga-os de canalhas  e fala palavrões.

 Quando a situação vai ficando cada vez mais confusa e incontrolável, pipocam avisos de todos os lados, como a de que se vai fazer emendas e reformas da festa, como não contratar mais donzela, quando alguém da manifestação exibe um cartaz com os dizeres de que também quer quebrar o cabaço dela. O movimento avança e mais gente engrossa o tom, pedindo para acabar logo com a festa.

  Os seguranças, que mais parecem com jagunços da antiga, lançam gás lacrimogênio, gás de pimenta, jatos d´água, balas de borracha e entram até com porretes e armas de verdade. Muitos caem feridos. A multidão se afasta e depois retorna com pedras e bombas de molotov. Um cara da festa, “cheio da cana”, aliás de uísque 20 anos (nem sei se existe), sai noutra janela e, com fala embola, assegura que vai mandar investigar as truculências.

  No decorrer da festa, quando o cerco aperta, eles se desentendem, brigam entre si e ameaçam se separar, jogando a conta no colo um do outro. Uns reclamam da zoeira lá fora e alegam não entender o querem as manifestações. Um aponta para o outro de dedo em riste. Os da esquerda já olham atravessados para os da direita.

  A maioria se mantem de costas e indiferentes. Outros, de vez em quando, surgem na sacada “dando banana” para os manifestantes. A coisa fica feia quando alguém sugere reduzir o ministério do reino. Para o amigo do rei, ou da rainha, ninguém sabe ao certo, isso é um discurso elitista da direita que quer corta a festa do Estado. E criticar o mensalão, também é de direita, pergunta um manifestante sem camisa.

   Um barrado na festa de arromba berrou: Que Estado, cara pálida, se a maioria é inoperante e foi convidada só para decorar o baile! O bicho vai pegar, bando de corruptos: gritou outro do lado, com uma faixa de abaixo a ditadura da mordomia e da sodomia. O mais desvairado sugeriu criar o Ministério da Corrupção, especializado em falcatruas.

  A esta altura o pau já estava comendo lá dentro, e um arrogante da festa chamou o colega de esquizofrênico por também pleitear o poder. O papo se enveredou em morte e sucessão indireta. O ministério é um puteiro apodrecido de doenças venéreas, emendou ainda o arrogante que quase foi linchado.

  O cara do vinho Bordeaux começou a disparar impropérios contra os manifestantes, os que estavam na festa e contra a imprensa. Mais convidados foram chegando, fantasiados de índios, operários e camponeses de araque, pinturas africanas e até de piratas sanguinários.

   Um fantasiado estava tão alterado que mandou seus lacaios jogar baldes de água suja na mídia. Na confusão lá embaixo, fora da festa, já tinha gente ateando fogo em carros de emissoras de televisão e bradando: Ninguém é fatia de bolo pra ser comido, isso aqui é ouro de tolo.

  A festa virou uma zona. Os manifestantes estavam cada vez mais revoltados e a polícia baixou o pau para proteger os convidados que entravam e saiam. A multidão pedia a Fifa fora da farra e mais soberania e moralidade. Cadê nosso orgulho, mercenários do diabo, dizia um cartaz. Pontapé na bunda deles – gritavam outros enfurecidos.

   Até os peregrinos que foram ver o papa ficaram de fora por falta de transportes, mas não faltaram palcos de luxo com tapetes vermelhos. Mais uma vez, o chefe saiu na sacada e culpou o papa por ele ser popular demais. Um aloprado teve a ideia de engarrafar o sumo pontífice para que todos vissem de perto o santo espremido lá dentro. A mídia estrangeira caiu de pau com as atrapalhadas.

 Mesmo com os protestos ensandecidos e com ameaças de invasão para por abaixo o palácio dos deslumbrados pelas luxúrias, a festa não tem dia nem hora para terminar, mas nos comes e bebes, já tem gente de cara feia se rebelando. Meu tempo de cobertura se esgotou e nem sei se ainda vou ver o final dessa festa de arromba.


Uma Resposta para “Uma festa de arromba”

  1. PETISTA FERVOROSO

    Este é O DISCURSO!!!!!.

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