Renato Luz
Nosso país viveu sob uma ditadura civil-militar durante 21 anos, sendo seu fim marcado pela eleição indireta de Tancredo Neves em 1985. Como o presidente eleito morreu dias antes da posse, o vice-presidente José Sarney assumiu a presidência em seu lugar, iniciando seu mandato em 1986. Após esse período, foi realizada a Assembleia Constituinte, com a eleição de representantes específicos e com plenos poderes de formular uma nova constituição para o país. A carta de 1988, conhecida como constituição cidadã, avançou em muitos aspectos, contudo, foi ineficiente no modelo eleitoral adotado. As eleições brasileiras definitivamente não são democráticas, não há equilíbrio na disputa. Como no mercado global, as eleições estão cada vez mais midiatizadas, com isso, as campanhas eleitorais se assemelham cada vez mais com a venda de um produto. E nessa situação, assim como funciona no comércio, quem dispõe de mais recursos financeiros sai ganhando.
Neste processo desleal, fica em vantagem quem pode pagar um bom marqueteiro, uma assessoria de comunicação profissional, quem pode investir em mega estrutura de campanha com centenas de militantes pagos, banners, placas, carros de som, outdoors, recursos audiovisuais, compra de lideranças, além da tradicional compra de votos e “troca de favores”, entre candidatos e eleitores. No modelo atual as eleições são promíscuas, os debates de ideias são superficiais e beiram o imobilismo. Por tudo isso esse modelo não é democrático.
Me recordo que quando ingressei na Universidade, havia um discurso de alguns jovens que não gostavam do discurso dos estudantes que estavam envolvidos com o movimento estudantil. Diziam eles que os dirigentes “usavam” o movimento estudantil como escada para ingressarem na política eleitoral, na política profissional. Não deixa de ser uma verdade, mas, caso os quadros políticos oriundos do movimento estudantil, dos movimentos sociais, sindicatos, organizações sociais, associações e outras formações coletivas, não ocupem esses espaços de disputa do poder público, quem ocupará? Os interesses econômicos, evidentemente.
É isso que acontece Brasil afora: O uso do poder econômico para alçar o poder político. Uma mistura perigosa e corrosiva á sociedade, que na prática faz com que o público passe a servir ao privado. Não sejamos ingênuos, isso acontece em praticamente todo o país, através de favorecimento nas licitações, cartas convites, empregos fantasmas, e uma série de ações que provocam diariamente a corrupção com dinheiro público.
Os CNPJs que financiam as campanhas ganham o triplo em cada gestão do candidato vencedor. O eleito então, passa a ser refém de interesses da iniciativa privada e governa para favorecê-los, custe o que custar.
A democracia representativa passa diariamente pela disputa da hegemonia, no conceito gramsciano do termo, isto é, dentro de poder político a uma miscelânea de interesses em conflito. Esse embate se dá de forma mais clara no Congresso Nacional, mas seus reflexos se espalham em todos os poderes, em especial no direcionamento das políticas públicas do governo.
Eis que agora surge a oportunidade da tão sonhada reforma política em um cenário de crise de legitimidade das instituições políticas tradicionais. Não havendo o plebiscito, constituinte, ou mesmo o referendo, ficou justo nas mãos da instituição mais desprestigiada – o Parlamento – o papel exclusivo e a responsabilidade de promover a reforma. Ora bolas, sabendo que a maioria dos deputados federais são eleitos por meio dessas práticas promíscuas e representam no Congresso interesses econômicos específicos, vide bancada ruralista, bancada empresarial e religiosa fica difícil acreditar que essas forças queriam mudar o sistema eleitoral que os privilegiam.
No congresso, as bancadas ruralistas e empresariais atuam em interesses diversos, especialmente nas questões trabalhistas e tributárias, que podem eventualmente ser conflitantes, especialmente quando se trata de incentivos a determinados setores ou regiões. Há deputados por exemplo, que querem flexibilizar as leis trabalhistas que se referem ao trabalho escravo. Um verdadeiro atentado aos direitos sociais conquistados.
Bem, sabemos que majoritariamente esse congresso não tem interesse na reforma política, porque querem sustentar o ciclo de promiscuidade e de chantagem instalado nesse modelo de democracia representativa. Sabem ha grande maioria dos parlamentares, que não venceriam as eleições sem o dinheiro sujo das empresas que financiam suas campanhas em trocas de lobby, se tornando verdadeiros marionetes do poder privado dentro do poder público. Sabem eles, quem em uma eleição em “pé de igualdade”, sem campanhas milionárias, o equilíbrio democrático tende a eleger lideranças com formação social, não econômica.
O financiamento privado desequilibra muito a disputa eleitoral. Como, por exemplo, um pobre trabalhador que mal ganha um salário mínimo, pode concorrer em uma eleição legislativa com um grande empresário, sem se vender a interesses escusos? Nesse caso as chances de sucesso são remotas.
A verdade é que as eleições no Brasil estão cada vez mais caras, e a política cada vez mais se torna um espaço onde impera o poder econômico e se distancia da realidade da população. Concluo que a democracia representativa liberal nesse modelo está em falência e não representa os clamores daqueles quem mais precisam da instituição Estado, especialmente no quesito – Avançar na redução do abismo que separa ricos e pobres no Brasil. Espero eu que a sociedade se atente para a raiz do problema.
*Renato Luz é jornalista e pós graduando em Marketing Estratégico. Em Vitória da Conquista, além do jornalismo, atua no Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente e no Clube Conquistense de Xadrez.
5 Respostas para “Quem tem medo da reforma política?”
Alberto Santos
Está claro, Renato, que a própria mídia e os grupos empresárias que se transformaram nas oligarquias de poder não gostaria de ver um país sem os seus interesses. Eles, certamente, tem medo de uma reforma política que retire os poderes promíscuos de interferência econômica. Estão se sustentando nesta torre de babel, alimentada na submissão popular. Belo artigo! Acabei de compartilhar no meu FACE. Um grande abraço deste humilde professor da cidade de macarani.
Dirceu Góes
Parabéns, Renato Luz, pelo seu exercício de análise política. Entretanto, é preciso perceber que para além das bancadas ruralista, empresarial e religiosa o Congresso Nacional, ao que parece, é composto por uma maioria de deputados e senadores que dá sustentação ao Partido dos Trabalhadores,que há 10 anos hegemonicamente exerce o poder no país.Em nome dessa hegemonia, convenhamos, rios de dinheiro são gastos com publicidade e com os marketeiros mais caros do mercado. Em nome da manutenção dessa hegemonia, convenientemente, não se falou e nem se tomou qualquer atitude para que a reforma política que você clama fosse realmente levada à sério. Acredito que o seu artigo, muito bem escrito, sirva de motivo para que o assunto sejam amplamente debatido, não sem antes voltarmos ao título para perguntarmos: afinal,quem tem medo da reforma política?
Atenciosamente,
Dirceu Góes – Jornalista e professor do Curso e Comunicação da UESB
Dom Beto
Renatão
Alexandre Santos
boa reflexão.
Renato Luz
Dirceu obrigado pela contribuição. Compreendo que este governo que ai está, há 10 anos, encontra-se em profunda disputa. Prova disso foi a derrota da CPMF, e o recente veto da presidente ao código florestal. A bancada só vota o que for de seu interesse e a correlação de formas no congresso não permitem mudanças profundas. É um ciclo vicioso, pois as alterações constitucionais requerem 2/3 do congresso, ou seja, na prática essas regras estão para não serem mudadas.