Elomar recebe cúmplices para ópera na Casa dos Carneiros

A Casa dos Carneiros com o Teatro Domus Operae ao fundo
A Casa dos Carneiros com o Teatro Domus Operae ao fundo

Ailton Fernandes | Conversa de Balcão

A porteira da fazenda Casa dos Carneiros, na zona rural de Vitória da Conquista, foi aberta mais uma vez para o público do menestrel Elomar Figueira Mello. Há 30 anos, a ópera Auto da Catingueira foi gravada ali, na sala de visitas do casarão, sede da fazenda onde ele criava bodes, cabras e porcos. Neste sábado (27), o Auto foi encenado no palco do teatro erguido pelo compositor, ao lado da antiga casa. Para ganhar vida pela primeira vez em solos baianos, o melhor lugar só poderia ser o palco do Teatro Domus Operae, o que atraiu ainda mais a atenção dos admiradores da obra elomariana. O público de Elomar é a visita mais ilustre que ele pode receber. Distante da mídia, escondido no sertão baiano e crítico do sistema e da sociedade que para ele é equivocada, Elomar consegue atrair gente que sai de diferentes lugares do Brasil para assisti-lo – mesmo quando ele não aparece cantando e tocando. O autor da ópera só surge no palco para contar como termina a história e não gasta mais de cinco minutos para encerrar a apresentação e receber os aplausos de seus cúmplices.  É assim que Elomar chama o que para outros artistas são fãs. São todos seus cúmplices por terem a mesma percepção estética que ele. Algumas pessoas saíram de São Paulo, de Porto Alegre, de Recife e de outros lugares, para vir a Vitória da Conquista assistir àquela apresentação, considerada memorável para muitos que estavam pisando ali pela primeira vez.

Cúmplices de Elomar: Mateus e sua esposa, Rita de Cássia e Lucas enfrentaram a estrada para conhecer a Fazenda
Cúmplices de Elomar: Mateus e sua esposa, Rita de Cássia e Lucas enfrentaram a estrada para conhecer a Fazenda

Mateus Grou é um desses cúmplices. Ele saiu de Linhares, no Espírito Santo, com a esposa e outro casal, enfrentou mais de 11 horas de viagem, só para chegar à Casa dos Carneiros. “Não é todo dia que a gente pode ter essa vivência. Só por estar aqui já vale a pena”, contou. Outra pessoa que estava ali pela primeira vez era Rita de Cássia, baiana de Milagres, mas que mora em São Paulo, de onde saiu para pisar na terra de Elomar.  Com um disco da ópera em mãos, recém adquirido, ela explicou o que a fez sair da capital paulista para estar ali: “o Auto da Catingueira é uma obra-prima, belíssima, tocante, emocionante, o que resume toda obra dele. Estava tentando vir aqui desde quando inaugurou e não dava certo e isso aqui é muito próximo do que eu imaginava”. Quem também estava entusiasmado por estar ali era Lucas Oliveira, estudante de música do Recife e que pesquisa sobre a obra de Elomar para sua tese de mestrado. O pernambucano já havia assistido ao menestrel e se aproximado dele, inclusive tocando com ele durante a apresentação de “Elomar Cancioneiro” na capital pernambucana, mas estar na fazenda que inspirou o menestrel o fazia vibrar.

“É importante que a gente conheça o contexto da obra de Elomar para poder dar significado à ela, porque a obra de Elomar não é só formal em melodia e o acompanhamento não é só o acompanhamento, é a vida dele, a música dele é o que ele é, é pura vida, seu fundamento é na vida, na angústia que se tem, na tristeza e na alegria que se tem”, argumenta o pesquisador e também cúmplice. Entre o público estava o secretário estadual de cultura, Albino Rubim, que em declaração ressaltou a importância da obra de Elomar. “Ele é uma figura nacional e internacional, um dos trovadores que faz uma articulação entre a cultura popular e a cultura erudita e essa junção é muito interessante. Reconhecemos que o que Elomar faz é fundamental e, particularmente, essa obra voltada às óperas que é impressionante”, destacou. Outra presença foi a de Ernani Maurilio Zauli, filho do historiador Ernani Maurilio da Rocha Figueiredo, autor dos encartes e glossários que acompanharam o LP Auto da Catingueira. Ele conviveu com o processo de criação do disco e chegou a visitar a fazenda algumas vez quando criança, acompanhando o pai que vinha trabalhar junto com Elomar. “Essa obra é emblemática para minha família, há 30 anos eu vivi isso dentro de casa, meu pai vinha para cá e passava dias e, às vezes, meses direto. Ela sempre foi um clássico pra gente e fiz questão de vir pra cá, me desloquei mais de 1500 quilômetros, porque acaba sendo uma homenagem a meu pai”, lembrou ele.

palco

APRESENTAÇÃO – Além de receber gente de toda parte do Brasil e amigos conquistenses, da urbe e da região da Gameleira – onde está a fazenda, Elomar recepcionou os cantadores Saulo Laranjeira, Pereira da Viola, Miltinho Edilberto, Alisson Menezes e a cantora lírica Luciana Monteiro para interpretarem aquela que é uma das mais importantes obras da sua carreira. Para acompanhar os cantadores, João Omar, Marcelo Bernardes e Ocelo Mendonça formavam a orquestra com viola, sopro e violoncelo. Filho do menestrel, o maestro João Omar foi responsável pela direção musical do espetáculo e falou sobre a importância desse momento na carreira do pai: “Aqui é um lugar singular e um trabalho desse dificilmente volta a ser feito aqui, então eu considero que esse evento é histórico, de uma importância enorme, porque ele retorna 30 anos depois de forma tão desafiadora para nós e que valoriza de forma mais ampla a cultura do cordel e nos oferece um contexto de uma ópera popular de altíssimo nível e com conteúdos da nossa identidade cultural. Esse é um dos trabalhos mais importantes que temos no Brasil em termos de realização operística”, destacou. Para Saulo Laranjeira, interpretar uma obra de Elomar é um momento único. “É sempre muito emocionante porque é uma verdade para mim, eu me emociono, isso me preenche e eu me identifico com o repertório de Elomar”, disse o intérprete do cego narrador da encenação. Miltinho Edilberto, o cantador do Nordeste, reconhece que Elomar é um dos grandes compositores. “Elomar é tão importante como Heitor Villa-Lobos e Tom Jobim para a música brasileira. E foi um desafio enorme, não só pela obra, que é complexa, mas por substituir Xangai, que assim como Elomar é também um mestre para mim”. O tropeiro Chico Chagas foi interpretado por Pereira da Viola, que considera uma dádiva divina a participação. “Está aqui é antes de mais nada um motivo de muita honra e de extrema alegria e acalanto para o meu coração, porque eu me referencio muito à obra de Elomar e tenho ele como maior referência quanto a esse canto do Brasil”, comemorou o mineiro. Pinturas e ilustrações, assinadas por Juraci Dórea e Chico Liberato, foram animadas e projetadas em um telão para servirem de cenário à história da pastora de cabras. “Essa é uma experiência nova para mim, apesar de já ter feito outros trabalhos com Elomar. Nos identificamos porque trabalhamos com as mesmas matrizes, o sertão, apesar de ser de sertões de diferentes regiões da Bahia e também a cultura sertaneja, que é muito parecida, mesmo em diferentes regiões”, explicou o artista plástico. O Auto da Catingueira é uma trágica história de amor, contada em cinco atos, onde dois violeiros, o tropeiro e o cantador, disputam o coração de Dassanta numa batalha poética, como nas tradicionais batalhas que se via nas feiras de antigamente pelo nordeste brasileiro, quando cantadores se enfrentavam, um desafiando o outro através de versos e repentes. Sua primeira e única montagem até então só havia sido apresentada em Belo Horizonte, em 2011.


5 Respostas para “Elomar recebe cúmplices para ópera na Casa dos Carneiros”

  1. Celeste Viana

    Elomar é para mim um ser mágico, célebre um mestre rústico, um monstro sagrado da cultura que transformou o sertão, um ser iluminado por Deus!!! um verdadeiro gênio. Uma voz que canta e encanta, ama e ensina, fala das coisas da caatinga e da fá que alimenta este povo com a essência da verdade e da sabedoria de alguém cheio de vida e amor ao seu povo.
    O que me deixa feliz é que eu me considero uma elomariana de carteirinha

  2. DARCILIA SIMOES

    Realmente a plateia de Elomar Figueira é constituída de cúmplices. Todavia essa cumplicidade resulta do valor de seu Cancioneiro, que envolve a audiência de forma emocionante. Nunca pensei de deslocar-me de um Estado a outro só para prestigiar Elomar Figueira. Em 2011, fui ao Palácio das Artes assistir ao lançamento nacional do Auto da Catingueira. No último dia 27, estava eu, feliz, lá na Casa dos Carneiros (Vitória da Conquista-BA), há mais de 1000km de minha cidade para assistir mais uma montagem do magnífico Auto. Parabéns Elomar e Rossane Produções pelo evento.

  3. Edson

    A apresentação não demonstrou a riqueza cultural e a beleza da obra de Elomar. Além disso, a fala inicial de Rossane foi desnecessária e deselegante.

  4. Henrique Gusmão

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  5. Dimas Leite

    Andei 400 Km para assistir à montagem. No final aplaudi a obra e o compositor. Coisa que sempre farei, mas a montagem foi muito aquém do esperado. Amadoresca foi o que achei e concordo com a deselegância do discurso da produtora e do narrador no início da obra (Para vender o livreto). Elomar é um mestre que admiro, mas a produção dele usa do emocional das pessoas que o acompanham para justificar certas atitudes vergonhosas como as que vi na apresentação.

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