Que país é esse que se habilita a sediar uma Copa do Mundo e as Olimpíadas, mas só nos faz passar vergonha? Como podemos ter autoestima e orgulho, se nossa imagem lá fora é alvo de chacotas e de atraso? Oh quantas atrapalhadas na visita do papa! Oh quanta lambança, Senhor Deus!
O assunto pode não ter mais interesse, mas é bom relembrar alguns fatos. Logo na chegada ao Brasil, no Rio de Janeiro, engarrafaram o papa no trânsito. Embora o sumo pontífice, com sua simplicidade, tenha dito que não sentiu medo, poderia ser vítima de um tumulto natural de pessoas querendo tocá-lo e desejosos de estar mais próximo da figura máxima da Igreja Católica.
Pelo engarrafamento, a polícia federal acusou a prefeitura pela lambança, que, por sua vez, devolveu o recado no mesmo tom. Logo depois, a presidente Dilma (a visita foi politicamente boa para ela), fez um discurso de palanque. No primeiro dia faltou luz e o metrô teve que parar. Sem transportes, os peregrinos não conseguiram se deslocar e muitos ficaram perdidos nas ruas.
O prefeito Eduardo Paes, com desculpas esfarrapadas (os políticos não aprendem), declara que com aquela multidão tudo aquilo poderia acontecer em qualquer parte do mundo. Isso é coisa do Brasil, senhor prefeito, onde os políticos em geral não mudam o discurso desrespeitoso e cínico. Está aí o exemplo do governador do Rio, Sérgio Cabral, que, se tivesse vergonha na cara, já teria pedido pra sair.
É subestimar muito a inteligência do povo, quando a grande mídia, que sempre está mais ao lado do poder do que da população, diz que tudo foi perfeito, apelando para o lado emocional. Por um lado é bom que se comporte assim, porque as mídias alternativas estão, aos poucos, ocupando seus espaços e ganhando mais credibilidade.
O pior de tudo na visita do papa aconteceu no Campus Fidei (Campo da Fé) em Guaratiba, no norte do Rio de Janeiro. O mais grave de tudo foi o aterro de uma vasta área pantanosa de preservação ambiental. Dizem que o local pertence a um todo poderoso dono de ônibus, um tal de Barata (o casamento de dona baratinha deu o que falar).
O poder público (o Estado se diz laico) assegura que nada gastou no aterro do pântano, mas não se acredita mais nele. Aliás, tanto na praça Tahir, no Egito, como aqui, o que existe é uma crise de representação política. As pessoas começam a expressar seus sentimentos, e aí taxam de direitistas os que defendem a ética e combatem a corrupção.
Sem enveredar nessa linha, o que ficou de mais positivo foi a fala do papa em diversas ocasiões quando incentivou os jovens e idosos a irem à luta em defesa do bem-estar e da dignidade, e não apenas ficarem enclausurados na Igreja, confessando sua fé em Cristo.
Mandou um recado duro aos bispos que se comportam até hoje como príncipes em seus tronos, distantes das carências do povo. O papa clamou por despojamento dos símbolos de ostentação, como cruz de ouro no peito e mitras nas cabeças, que simbolizam poder de reinado do passado remoto da Igreja Católica.
Com uma linguagem nova, o papa quis dizer, na minha modesta compreensão, que a Igreja também tem que fazer parte das lutas e ir às ruas, se pretende irradiar sua fé. Não basta ficar todo tempo confabulando com Cristo, fazendo juras de fé e confessando amor.
A Igreja não pode ficar fechada o tempo todo no seu interior cristão de oração, ausente da realidade do mundo, que precisa de mais ação e menos carolice e fanatismo religioso. O que o papa quis transmitir, em sua mensagem, é que seja sal da terra. Essa não é uma luta entre progressistas e conservadores. É uma luta pela moralidade e transparência, inclusive da Igreja, se quiser ser ouvida.
Não acredito muito em mudanças de dogmas e doutrinas da Igreja, mas, pelo menos, essa nova linguagem simples e direta do papa, já é um passo para uma nova jornada, não essa cômoda, alienada e silenciosa interiorização cristã.
Como positivo deixou também seu recado preciso aos políticos falcões que se refastelam no poder, falando de costas para o povo. Deu um não ao populismo assistencialista. Condenou a globalização capitalista predatória, o consumismo e a idolatria ao dinheiro.
Evitou tratar de dogmas, mas abriu uma porta, pelos menos de diálogo, quando respondeu uma pergunta da imprensa sobre “lobby gay” dentro da Igreja, ao confessar que não seria ele quem iria julgar os homossexuais. Não se comportou como certos pastores evangélicos extremistas do tipo nazifascistas que primam pela intolerância. Não se comportou como mais um papa teólogo
outrinário conservador. Passou mais confiança e credibilidade para uma Igreja que atravessa momentos de crises no âmbito interno e externo.