À sombra das maiorias ruidosas

Geraldo ReisGeraldo Reis

A onda de protestos ocorrida no mês de junho tem motivações que extrapolam aspectos conjunturais. Embora esteja ocorrendo uma transição nos pilares de sustentação das estratégias de crescimento, com diminuição do consumo e aumento dos investimentos, passando por alguns soluços, a situação econômica nacional não parece ter se deteriorado a ponto de provocar tamanhas reações. Esses movimentos foram a eclosão de um mal estar coletivo contido.

A função latente desta revolta está relacionada, principalmente, a três fenômenos de caráter mais estruturante. O primeiro deles diz respeito ao colapso do padrão de organização do espaço urbano e ao surgimento de novas formas de sociabilidade, sobretudo nas grandes cidades. Aliás, Henri Lefebvre, em sua obra O Direito à Cidade, já afirmava que com o advento do capitalismo monopolista há uma tendência de deslocamento dos conflitos interclasses da esfera da produção para a esfera da reprodução social. Neste sentido, as questões relacionadas ao trabalho, habitação, transporte, educação, saúde, cultura e lazer ganham importância, passando a orientar a disputa na ocupação e (des)organização do território urbano. Este processo, que também é decorrente da natureza do crescimento econômico, vem tornando as metrópoles e as grandes cidades em sistemas totalmente disfuncionais.

O outro aspecto determinante para a explosão social ocorrida é a exaustão do nosso sistema político-partidário, a despeito da manutenção da funcionalidade típica de uma democracia representativa. O processo Constituinte de 1988 foi um marco na ampliação da cidadania substantiva dos brasileiros, mas, paradoxalmente, foi uma referência histórica da formação de um campo político suprapartidário de perfil conservador e resistente a novas transformações, o chamado Centrão. O próprio impeachment de Collor, aprovado pelo Congresso, constituiu-se numa grande motivação para a cultura política do Centrão se transformar no que se convencionou chamar de “condomínio de poder” ou “presidencialismo de coalizão”. Em nome da governabilidade, esse arco de aliança conservador se consolidou na era FHC e foi apropriado pelas gestões Lula e Dilma. Além disso, os processos eleitorais no Brasil estão cada vez mais caros e influenciados pelo poder do dinheiro. Se essa é a essência do sistema político brasileiro, os seus sintomas nefastos são cada vez mais percebidos pela população, que radicaliza na resistência ao sistema e aos políticos em geral.

Outra dimensão da defasagem da democracia representativa é que a mesma era mais apropriada para a sociedade com estruturas mais rígidas, cujos principais atores eram os partidos e sindicatos. Os mesmos não espelham mais a pluralidade de segmentos sociais existentes hoje – vide a natureza e a performance do Dia Nacional de Lutas convocado pelas centrais sindicais –, processo intensificado com a força da internet e das redes sociais, para além do rádio e da TV. Essas novas manifestações sociais que vem ocorrendo mundo afora e, mais recentemente, na Turquia e Brasil são bastante diferentes das clássicas manifestações de caráter trabalhista e sindical, evidenciam uma nova complexidade que envolve dimensões da sociedade de massa e dimensões da sociedade em redes. Observamos um novo tipo de movimento mais próximo do conceito de multidões de Antonio Negri, uma nova onda, que nem sempre se coloca como alternativa de poder, mas cuja ação constrange, desbloqueia, acelera e desloca forças políticas, moldando contextos econômicos e socioculturais mais próximos das suas aspirações.

Apesar dos importantes avanços econômicos e sociais alcançados no governo Lula e Dilma, o PT se encontra, talvez, no momento mais crucial da sua história. Ou o PT relativiza sua preocupação com a governabilidade e faz uma inflexão à esquerda, reafirmando sua tradição transformadora, ou poderá se converter em mais um partido centrista de perfil conservador. Hoje, a governabilidade passa pela radicalização da democracia.

Geraldo Reis – Sociólogo, professor da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia e diretor da Superintendência de Estudos Sociais e Econômicos da Bahia.


8 Respostas para “À sombra das maiorias ruidosas”

  1. André

    Grande Geraldo 20 mil!

  2. José Valente

    Tem razão o professor: o PT tem de relativizar urgentemente sua preocupação com a governabilidade, pois esta, além de supostamente maximizar a corrupção no país,conduz o partido dos trabalhadores a infletir em direção à direita da direita brasileira. E lá está ele hoje. E isso representa atraso e obstáculo a democracia.

  3. José Mateus

    O mestre lucidamente que os partidos e sindicatos “não espelham mais a pluralidade dos segmentos sociais existentes hoje” e cita como exemplo “a natureza e a performance do Dia Nacional de Lutas convocado pelas centrais sindicais”. Um fiasco, diga-se, tal o desinteresse demonstrado pelo público alvo e essa falta de representatividade (no caso de sindicatos e centrais sindicais)está implícito no texto do professor. Pois bem, não faz muitos dias, o senhor José Cerqueira assegurou aqui neste mesmo blog que o povo deixou de fazer greves porque está satisfeito, melhorou de vida, passou a ganhar melhor, dando até como exemplo o salário mínimo atual equivalente a 300 dólares, mas ignorou (por não saber ou não querer dizer) não representar ele o poder aquisitivo de décadas anteriores aos anos 80. Aí, me ponho a imaginar o calvário que o professor Geraldo Reis enfrenta ao se defrontar com argumentos desta natureza oriundos de correligionários seus ao se reunir com eles. A colaboradores como JC Lênin tachava de “idiotas úteis”; rótulo abrandado pelo “inocentes úteis”.

  4. Sinfrônio das Neves

    Por onde anda o José Valente que não comenta mais nada aqui?

  5. JOSIMAR

    BLÁ,BLÁ,BLÁ,BLÁ,BLÁ,BLÁ!O POVO FOI AS RUAS PROTESTAR CONTRA A CORRUPÇÃO,A PÉSSIMA EDUCAÇÃO,A SAÚDE CAÓTICA E A POLITICAGEM DE UMA FORMA GERAL.O PROFESSOR PODERIA EXTERNAR SUA OPINIÃO A RESPEITO DOS MENSALEIROS DO PT:JOSÉ DIRCEU,JOSÉ GENOINO E DELÚBIO SOARES.ENTÃO PROFESSOR O QUE O SR. ACHA DESSAS FIGURAS?

  6. val sousa

    É UMA VELHA RAPOSA DO PT QUERENDO PULAR FORA DO BARCO QUE ESTÁ NAUFRAGANDO. AGORA É TARDE FEZ PARTE DA MISÉRIA DO POVO O MESMO ESTÁ DANDO A RESPOSTA.

  7. val sousa

    POR QUE NÃO POSTOU MEU COMENTARIO ATÁ PARECE PARCIALIDADE.
    O ACABA AS NOTICIAS CERTAMENTE CONTINUARÃO.

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