Jerônimo, o Herói do Sertão

Jorge MaiaJorge Maia

Eu era menino, e não faz muito tempo, quando ao findar de cada tarde, próximo das dezoito horas, corria esbaforido para casa, saindo do campo de futebol, onde hoje é o supermercado Cuiabá, na Rua Jonas Hortélio, para, após o banho, sentado à mesa onde ficava o rádio da nossa casa, buscar a sintonia da rádio nacional do Rio de Janeiro e, ofegante, aguardar o início de mais um capítulo das aventuras de Jerônimo, o Herói do Sertão. Sim, eu ouvia aquelas aventuras em que nosso herói enfrentando banidos, sequestros de mocinhas filhas de fazendeiros, assaltos a bancos por intrépidos bandoleiros.

O episódio começava pelo prefixo musical: Quem passar pelo sertão, vai ouvir alguém falar, no herói desta canção… Era uma fantasia que me encantava, com uma vantagem; era um herói brasileiro. Todas as segundas, quartas e sexta feiras, eu aguardava cada episódio. Devo lembrar que não faltava a mocinha: Aninha namorada do mocinho e nem o amigo do herói, o Moleque Saci, claro que, de algum modo a forma não fugia ao modelo de Hollywood, mas era algo bem próximo de nós.

Não era apenas Jerônimo quem fazia o meu entretenimento, havia, ainda, o Anjo, também na rádio nacional: As aventuras do Anjo, detetive esperto que descobria os crimes e as tramas mais complicadas, isso nas terças e quintas-feiras. Claro que, na maioria das vezes o culpado era o mordomo.

O Anjo era um milionário que gostava de aventuras e combatia criminosos perigosos para a época, mas que hoje, alguns, pouca atenção mereceria. O seu companheiro de luta era chamado de Metralha, era o fiel escudeiro em todas as dificuldades.

Todos os personagens povoavam a nossa imaginação. Não havia imagens que apresentassem o encanto das paisagens ou a fisionomia das pessoas. Era a imaginação que nos fazia produzir ilusões quanto aos ruídos dos ventos, o tropel dos cavalos ou o som da tempestade. Tudo isso era enriquecido pelas leituras de Charles Dickens, Shakespeare, Machado e Dostoievski, entre outros; quando erámos conduzidos pela magia da leitura e formando a imagem de cada personagem, o que nos tornavam mais criativos, se não mais imaginativos.

A televisão, a internet e o tablete, modernidades que não podemos desprezar, substituíram em muito aqueles momentos de interação com a arte de ouvir e ler, possibilitando a criação de faces e ambientes que eram descritos pelo narrador, permitindo que cada ouvinte e cada leitor criasse uma expressão facial para os personagens.

A televisão ganhou espaço e transformou-se no grande veículo de entretenimento para as massas, criando bordões populares, personagens apelativos, ensinamento de consumo irresponsável, além de textos de qualidade duvidosa e que pouco exige da inteligência do público.

Não defendo que devamos voltar à era do rádio, e sei que os heróis de nosso tempo são outros. Nem sei se outras crianças ouviam aquelas aventuras produzidas pela Rádio Nacional e que hoje são apenas lembranças, mas, os livros, estes permaneceram, nunca os abandonei. Sempre foram companheiros fiéis e silenciosos que partilham das minhas secretas imaginações. Não importa se mudam de formato, serão sempre eles mesmos, mantendo a personalidade.

Não sei o que é solidão. Acompanhado por tantos personagens tenho com quem trocar ideias o tempo todo, mas, se de repente a solidão ameaçar não preciso mais do que alguns segundos para abrir um livro e viajar por lugares e terras nunca antes visitadas e me vejo conversando com muita gente. Vit.Conquista, 24.08.13

 


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