O antigo bordão de Valfrido Canavieira, personagem de Chico Anísio em Chico City, “palavras são palavras, nada mais que palavras” era uma resposta da sua indiferença sobre o que dele falavam os adversários. Dava às palavras um sentido desprovido de valor, nunca se sentido atingido por comentários que ele considerava maldosos.
A evolução do ser humano se deu graças à possibilidade de falar, usar as palavras e usar as mãos, mas, destas falo em outra oportunidade. As mãos, ah, as mãos! Minhas mãos. Bom, depois falaremos das mãos. A vez é das palavras, tão importantes que costumo dizer que Deus não fez o mundo, Deus falou o mundo, que foi criado pelo falar, mais que pelo fazer, enfim, o mundo foi feito pelo falar, e não poderia ser de outro modo, se não usando as palavras.
As palavras encantam, às vezes pelo seu significado, outras ocasiões pela sonoridade, pela poesia. Em outros momentos, chocam, pois agressivas, ofendem e o diálogo vira discussão. Amores iniciam e se desfazem, são as palavras revelando o nosso jeito de ser, ou denunciando apenas um momento em nossa vida.
O ser humano é um criador de palavras, não é à toa que Guimarães Rosa, com toda a sua genialidade, sempre estava a criar palavras novas, enriquecendo a linguagem literária. Todos nós criamos palavras, pois, diante de certas circunstâncias nos vemos a explicar algo cujo sentido será mais bem percebido com a corruptela de outra palavra, terminamos então criando outro vocábulo.
As crianças são ótimas nesta arte e nos encantam com o modo de conjugar verbos do jeito que elas fazem, quando dizem: meu pai fazeu, ou eu já comeu. Mas, não são só as crianças que emitem palavras novas com as corruptelas que lhes são comuns. O cidadão comum, na sua tentativa de explicar a sua realidade, faz derivações engraçadas, mas, razoáveis, dentro da sua lógica linguística. Há um exemplo de um amigo de meu pai, seu velho conhecido morador da zona rural, que visitando a cidade, ao se despedir, informou a necessidade de retirar-se, pois precisa ir a uma “ocraria”. Claro que todos nós sabemos o que significa. É uma criatividade que merece a nossa admiração, pois ali há comunicação.
Há palavras cuja sonoridade é tão bela que volta e meia estamos usando-a em nossas conversas somente para impressionar, o que às vezes não funciona como desejamos, porque as pessoas nem sempre têm a mesma percepção.
Duas palavras ecoam em minha memória, a primeira foi provocada por um comercial de refrigerante, na televisão, quando alguém diz: o sabor do refrigerante…ENVOLVE em uma onda de frescor. Em seguida surge uma criança que de modo harmonioso e com muita inocência, pergunta o que é ENVOLVE?
A outra palavra, eu a ouvi um dia quando, caminhando pela Travessa dos Artistas, aquela que liga a Monsenhor Olímpio à Praça da Bandeira, onde hoje funciona um comércio informal, quando uma senhora, moradora de rua, em um dos seus monólogos, reclamava a alguém imaginário e fazia o seu protesto, dizendo que não concordava com algo, arrematando que tudo aquilo era uma falta de “compreendimento” Meu Deus! Quanta sonoridade. Pareceu-me uma palavra italiana e até hoje em minhas conversas com meus amigos, vez por outra, uso a expressão “falta de compreendimento”.
Imagino quanta coisa pode ser construída com as palavras adequadas. Palavras que aproximam pessoas; rompem barreiras, criam pontes e eliminam preconceitos. Palavras simples como aquelas da linguagem das crianças ou das pessoas comuns, traduzindo que uma palavra é mais que uma palavra, com significado que nos envolve e nos dá mais compreendimento. Vit. Conquista, 05.0913