Ave, Maria!

Jorge Maia

As Deusas sempre existiram no mundo não cristão. Com o advento do cristianismo e a crença em um só Deus, desaparece no mundo ocidental a figura feminina com acento no céu e com algum tipo de intervenção no destino da humanidade, guardado o poder para um só Deus, cuja palavra é masculina, destronando as Deusas então existentes.

Impossível ignorar que o cristianismo nasce pela chegada do Cristo através de uma mulher. Não foi um disco voador e nem uma nuvem intergaláctica que o transportou para a terra, mas o nascimento igual a todos os terráqueos, embora, filho de Deus, certamente querendo demonstrar a sua boa vontade para com os seres humanos, tornando-se mais próximos daqueles a quem pretendia pregar os seus ensinamentos.

Para vir ao mundo era preciso uma mulher. Qual seria, ou qual foi o critério de escolha para que fosse aquela, ou não, aquela outra. Definitivamente, não saberemos, pois não temos alcance de provas sensíveis aos nossos olhos, mas apenas deduções, sombreadas por especulações.

Maria foi visitada por um anjo. Não sei como eu agiria se recebesse a visita de um anjo. A primeira ideia é que ficaria apavorado. Não saberia o que dizer. Quem sabe, eu não perguntaria se era comigo mesmo que ele queria falar, ou se não seria possível que eu nomeasse um procurador, mais, perderia a voz e talvez como último recurso eu dissesse: eu não fiz nada, sou inocente.

Maria, não. Ela recebeu o anjo e não foi com naturalidade, inicialmente. Afinal, receber a visita de um ente sagrado e receber uma saudação de tamanha solenidade; Ave, Maria! Não é algo simples. Os temores transformaram–se em compromisso. A missão foi aceita. Na Roma antiga os imperadores eram saudados com: Ave, motivo de tratamento superior, mas ser cumprimentado por um anjo, com um Ave, Maria, não é fato corriqueiro e é preciso ser portador de méritos.

Penso que Maria teve lucidez para compreender a sua missão. Não era apenas ter um nome repetido por colunas sociais, que nem existiam na época, era abraçar uma missão de sofrimento, fugas, prisão, escarnio e morte. Nada a impediu de seguir adiante, aceitou sem resmungar, sem pedir outra chance, sem se arrepender. Ela aceitou a escolha sagrada e se impôs a cumpri-la sem hesitar, levando-a até o fim.

Muita fé e resignação, saber que será perseguida e procurada para que matem o seu filho. Ter consciência de que aquele filho será preso, torturado, morto e crucificado e não arredar da sua missão. São missões entregues aos espíritos mais fortes e compromissados com a vida e a dignidade dos valores maiores, com objetivo de resgatar a vida e os valores a ela vinculados.

Maria permanece grandiosa, mais que um símbolo, a verdadeira espiritualidade dos aliançados com a fé, daqueles que pugnam pelo amor, pela justiça social, pela paz social. Maria, mulher de coragem silenciosa, levou até o fim o seu compromisso, assistindo com resignação a violência praticada contra o seu filho, sem abandoná-lo, mas compreendendo que tudo era uma missão.

Maria de tantas homenagens artísticas, de Miguel Ângelo, Schubert, Gounod, Erivelto Martins, eu te saúdo, ave, Maria! Vit. Conquista, 21.09.13