Na base do tranco

Jeremias Macário

Sabe como é aquele carro de muitos anos de uso, maltratado, chaparia enferrujada e cheio de problemas no motor, que só pega na base do tranco? O dono sempre deixa o veículo num declive para quando sair pegar no tombo. Sempre está pedindo a galera para dar um empurrão. Dessa vez vai, acredita o proprietário. Qual nada, lá na frente torna a parar no meio da rua. O cara gasta o que não tem na troca de válvulas e peças, mas não adianta. Só mesmo um novo resolve. Pois é, já tive um desse e era aquela dor de cabeça! Toma vergonha na cara e compra um carro conservado! É o que sempre recomendam os amigos. O pior é que, para “economizar”, o dono sempre está colocando peças não confiáveis, indicadas por terceiros e fazendo serviços em oficinas suspeitas. Assim é o nosso Brasil, meus caros! Está sempre pegando na base do tranco. Quando se imagina que tudo vai mudar, é só uma questão de tempo para começar tudo de novo. O cidadão se enche de dívidas até a tampa e ainda tem o seu bem desvalorizado, dificultando a aquisição de um novo.
Já disse aqui que não adianta ficar remendando calça velha. Cada um que faça sua própria análise e julgue a situação, sem partidarização. Uma peça ali e outra acolá, e o mesmo carro volta a precisar de outro tranco para pegar. Lá se foi a reforma política. Agora, a salvação é o programa “Mais Médicos”, mesmo com postos deficientes e a falta de vagas nos hospitais para atender os pacientes mais graves.

A corrupção tem uma dinâmica impressionante e cada caso tem seu roteiro criativo e astucioso. Gente esperta e escolada! Os alvos são sempre os mesmos. Com os novos rombos no sistema do SUS, até homem fica grávido, arranca útero e se submete a uma cesariana. No julgamento do mensalão, tudo indica que vamos ter o recomeço do recomeço no Supremo Tribunal Federal. É o filme do fim do mundo.
No Ministério do Trabalho, tudo ficou como Dantes na Casa de Abrantes. É só dar outro tombo no carro. Pode ter sido falha da bateria. Mete uma chupeta aí, cara! O ministro Manoel Dias, da mesma cozinha do senhor Carlos Lupi, nos disse que o PDT é ficha limpa, e que irregularidade (roubo) existe em todo lugar. Pronto! Está justificada a ladroagem: “Todo mundo faz a mesma coisa”. Dá outro tranco no carro que ele vai. É só meter a espionagem do império norte-americano na primeira, que as outras marchas entram na base da soberania nacionalista patriótica. Empurra o carro aí, galera! Vamos, força! Força cambada!
Os policiais truculentos, criminosos e corruptos já foram todos identificados e serão investigados – declara o delegado “corregedor”. Só faltou ele dizer: Mas não vai dar em nada, bando de otários. As manifestações agora são regulamentadas. Atenção! Continência! Marchar: Direita, Esquerda, Volver! “O papel do cidadão não é protestar”. Assim repreendeu, de cassetete e gás lacrimogênio na mão, um sisudo militar oficial para uma jovem. A moça ficou pasma, de boquiaberta e foi embora.
No Congresso, os deputados mascarados absolveram o colega presidiário da Papuda, condenado a 13 anos pelo Supremo. Imagine o quadro hilariante: o parlamentar chega à recepção do presídio e apresenta suas credenciais para o porteiro. O funcionário diz: Pois não, doutor, no que posso servir? E o congressista: vim visitar meu caro colega, sua excelência, o deputado Natan Donadon. Beleza, camarada!
Vamos marchar para as próximas eleições com o carro na base do tranco, com a economia no sobe e desce como gangorra; uma reforma eleitoral aos pedaços; uma educação capenga; a saúde terminal nos corredores dos hospitais; com o medo de sair às ruas por causa da violência; com a impunidade desfilando livre; com cada um defendendo sua própria ética; e com os caras-de pau (Renan, Collor e companhia) pedindo educação e civilidade aos gritos de protestos.